Face à situação de seca que atravessa o País, voltamos hoje ao tema da água e dos recursos hídricos, num período em está colocada a exigência de mitigar as consequências da falta de água, garantindo que ela não falte nas torneiras, para consumo humano e nos campos, para assegurar a produção agro-pecuária. Daí, a necessidade, por exemplo, de conter modelos de exploração agrícola intensiva e superintensiva, que colocam em risco o fornecimento de água para abastecimento humano, e projectos de exploração mineira que ponham em causa os recursos hídricos.
Sucessivos governos têm adiado investimentos, na região, indispensáveis para «assegurar os caudais ecológicos essenciais à salvaguarda ambiental», denuncia a organização regional do Algarve do PCP. Em Janeiro de 2022, a quase totalidade do território algarvio encontrava-se em seca extrema, a situação mais grave do que a verificada em qualquer um dos distritos portugueses. A única novidade, no entanto, é o período em que esta seca se está a verificar, mais cedo do que o habitual, porque a falta de água no Algarve já vem sendo costumaz. «Com toda a região do Algarve a viver de forma recorrente fenómenos de seca extrema e seca severa, como acontece agora», vai ficando mais evidente «a enorme fragilidade que a região enfrenta para ultrapassar, de forma estruturada e consistente no tempo, situações sistémicas de seca como as que se verificam ou se avizinham», denuncia a nota do secretariado da Direcção da Organização Regional do Algarve do PCP. Há muito tempo que se devia ter investido em infraestruturas como «barragens, albufeiras, em obras hidroagrícolas, na manutenção de condutas e redes de abastecimento, em estações de tratamento», para assegurar o abastecimento regular da população e agricultures, defendem os comunistas. Ambientalistas revelam haver «áreas da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António (RNSCMVRSA)» completamente ocupadas por culturas intensivas de regadio. Várias explorações agrícolas, num total de cerca de 40 hectares, ocupam espaços adjacentes à zona húmida da Reserva Natural, em desrespeito pelo que se encontra disposto no Plano de Ordenamento (PO) da RNSCMVRSA e os «objectivos de conservação que levaram à sua classificação como Zona Especial de Conservação». O PO desta reserva «estabelece regimes de salvaguarda dos recursos e valores naturais, fixando os usos e o regime de gestão compatível com a manutenção e a valorização das características das paisagens naturais e seminaturais e a biodiversidade da respectiva área de intervenção». Ora, o abacateiro não só não faz parte «dos habitats naturais e da estrutura da paisagem» desta zona, como não pode ser considerada a sua difusão como integrando uma estratégia de desenvolvimento agrícola que promova «produtos tradicionais de base regional», atendendo ao facto de a espécie só ter sido recentemente introduzida no panomara Algarvio. No entender da Associação Zero, os pareceres favoráveis que o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), autoridade nacional para a conservação da natureza, produziu nos últimos anos em relação a estas explorações revelam uma permissividade alarmante «face aos interesses privados». Inquietante foi também a resposta do ICNF aos diversos questionamentos da Zero, onde «ressalta ainda a informação de que existe um grande interesse pela instalação de pomares desta cultura dentro das áreas classificadas, motivo pelo qual foram solicitadas orientações técnicas a especialistas na matéria, o que gera forte apreensão sobre a orientação deste organismo face a novos projectos que venham a ser propostos para áreas classificadas». «Estamos perante uma situação onde não podemos apenas falar de falta de fiscalização, mas onde a autoridade nacional para a conservação da natureza foi conivente com os interesses económicos, pondo em causa os objectivos de conservação da Reserva Natural», ressalva a associação que, para além das denúncias dirigidas a diversas entidades nacionais, pondera formalizar uma queixa à Comissão Europeia. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Estas medidas seriam ainda essenciais para facilitar a reposição dos lençóis freáticos, potenciar o uso racional deste bem, para aproveitamento das águas residuais e assegurar os caudais ecológicos essenciais à salvaguarda ambiental. Não tendo a dimensão necessária para travar os fenómenos climáticos extremos, cada uma destas estruturas poderia reduzir, substancialmente, os impactos na população e no meio ambiente. É também neste contexto que se impõe a contenção de práticas de exploração agrícola intensiva e superintensiva, assim como a «limitação de modelos de ocupação do território – onde se inclui a proliferação de campos de golfe – que possam pôr em causa o desenvolvimento sustentável da região». «É urgente uma política que, no âmbito da hierarquização do uso da água em condições de seca, privilegie a sua utilização para uso humano, a saúde pública, a pequena e média agricultura adaptada às condições do Algarve, a pequena e média indústria, e ainda ao serviço dos ecossistemas», afirma a organização regional do PCP. Os problemas de abastecimento de água na região do Algarve não podem ser relegados para segundo plano, independentemente dos elevados custos de construção e funcionamento desses equipamentos, do elevado consumo energético que implica e o impacto dos resíduos resultantes desse processo. Os comunistas não têm dúvidas: não se podem ignorar «as exigências que há muito estão colocadas e que têm sido sucessivamente adiadas, nem podem constituir-se como uma nova oportunidade de negócio como alguns têm defendido». «A construção da barragem da Foupana, articulando-a e interligando-a com o actual sistema Odeleite-Beliche; A modernização e construção de estações de tratamento de águas residuais (para lá das duas existentes na região) com um maior aproveitamento para fins múltiplos destas águas; a modernização e expansão das redes e condutas de modo a alargar a eficiência da sua utilização reduzindo significativamente as perdas», são alguns dos exemplos, apresentados pelo PCP, de investimentos há muito discutidos, mas que nunca saíram do papel, com grande prejuízo para todos os que vivem e trabalham no Algarve. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. 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A seca no Algarve é recorrente, ao contrário das soluções
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A explosão de abacateiros no Algarve pode levar a queixa na Comissão Europeia
Não parece existir compatibilidade com este tipo de cultura não tradicional e em sistema de monocultura intensiva em regadio.
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De boas vontades não se mata a sede
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No momento em que se agravam os problemas, confrontamo-nos com o facto de, por um lado, as estruturas públicas terem perdido capacidade de assegurar a gestão, a planificação e até a monitorização de protocolos internacionais. Por outro, o de sucessivos governos terem adiado investimentos, nomeadamente em barragens, albufeiras e obras hidroagrícolas. Investimentos indispensáveis à captação das águas de superfície para garantir o abastecimento regular, para facilitar a reposição dos lençóis freáticos e para assegurar os caudais ecológicos essenciais à salvaguarda ambiental.
Entretanto, ao longo de décadas tem-se acentuado e intensificado a ofensiva contra a gestão pública da água, através da aposta na transferência forçada de competências do Estado Central para as autarquias, ao mesmo tempo que aumenta a pressão para a expropriação dos municípios da gestão da água, uma competência claramente municipal.
Os governos, sejam do PS ou do PSD, têm dificultado o acesso das autarquias aos fundos comunitários, limitando investimentos fundamentais, com o objectivo de forçar a agregação dos sistemas de água visando a sua posterior privatização. Isto é, privilegiam o negócio em detrimento do controlo democrático da gestão da água.
A capacidade científica, técnica e logística dos serviços públicos vem-se degradando progressivamente, através de uma desresponsabilização do Estado na administração, planeamento e gestão da água. Portugal, que em Janeiro já se confrontava com vastas áreas em situação de seca extrema, continua a enfrentar a perspectiva de uma crise por falta de água em funções essenciais. Entretanto, a capacidade científica, técnica e logística dos serviços públicos vem-se degradando progressivamente, através da desresponsabilização do Estado na administração, planeamento e gestão da água. Ao longo dos anos foram destruídos serviços da Administração Pública e dos organismos públicos de Investigação e Normalização, esvaziando-os de quadros, competências e estruturas no terreno, transferindo as funções públicas de administração, gestão e planeamento para entidades de direito privado ou de direito e capital privados. Um processo de destruição da capacidade técnica e científica, de alienação do conhecimento institucional de recursos hídricos, de física, química, biologia e engenharias, de que são exemplo a extinção do Instituto da Água (INAG) e das suas delegações regionais e a degradação do Instituto de Meteorologia (IPMA) e do Laboratório de Engenheiria Civil (LNEC), provocada por um subfinanciamento público. Um processo de destruição que contribui para a inviabilização de uma gestão efectiva da água, da identificação correcta dos problemas e das potenciais soluções. As estruturas públicas perderam trabalhadores, meios, competências e foram afastadas da gestão das albufeiras, todas concessionadas a entidades privadas ou de direito privado, cuja gestão está muito concentrada na obtenção de lucro nas barragens de produção energética, agravando problemas de poluição e de perda de qualidade da água. Este caminho de favorecimento da mercantilização explica, por um lado, o porquê de, no momento em que o País já se encontrava numa situação de seca, os detentores das barragens electroprodutoras as continuassem a esvaziar, aproveitando a alta dos preços da energia. Por outro, ajuda a perceber os riscos de não existir um controlo público sobre o sector da energia, mas também os problemas decorrentes da venda de barragens da EDP, colocando importantes infraestruturas de armazenamento de água doce nas mãos de capital estrangeiro. No fundo, assistimos ao resultado de uma ofensiva contra a gestão pública da água, que se tem acentuado, promovida ao longo de décadas por sucessivos governos. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Editorial|
A seca e a ofensiva contra a gestão pública da água
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É urgente e necessário definir critérios de hierarquização do uso da água em condições de seca, que privilegiem a sua utilização para uso humano, a saúde e os serviços públicos, a pequena e média agricultura e ainda o equilíbrio dos ecossistemas.
Nesse sentido, é preciso avançar com um plano nacional para a prevenção estrutural dos efeitos da seca. A propósito, importa recordar que, em 2020, os votos contra de PS, PSD e IL (BE e PAN abstiveram-se) inviabilizaram um projecto do PCP nesse sentido. Assim, ficou pelo caminho ficou a possibilidade de implementar um plano integrado das necessidades de utilização da água para fins múltiplos, com as adequadas e possíveis capacidades de armazenamento, promovendo a utilização racional e eficiente da água como factor de desenvolvimento económico e social.
É urgente o desenvolvimento de uma estratégia nacional de garantia de segurança hídrica que passe pelo investimento e controlo público dos recursos hídricos, acompanhada de mais meios públicos para gerir, monitorizar e planificar a gestão de recursos hídricos.
É necessário avançar com investimentos há muito adiados, nomeadamente na construção de barragens, de albufeiras e na recuperação de regadios já existentes, designadamente os tradicionais. Mas também a modernização e construção de estações de tratamento de águas residuais e um maior aproveitamento destas para diversos fins.
A política da água não pode ser objecto de preocupação apenas nos momentos de seca, antes impõe uma estratégia de longo prazo. Mas, a situação com que o País está confrontado exige medidas adequadas, não alarmistas ou precipitadas, mas urgentes e ponderadas.
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