O Banco de Portugal foi o cenário para mais uma alienação de um banco falido recuperado com recursos públicos. A propriedade de 75% do capital do Novo Banco, nascido com a falência do BES, em Agosto de 2014, por decisão do anterior governo e do actual governador do Banco de Portugal, passa para as mãos do fundo abutre Lone Star.
«O Novo Banco passa a ser detido pela Lone Star em 75% e a conclusão desta operação é um marco importante para o sistema financeiro português», disse Carlos Costa, na cerimónia que marcou a transferência de propriedade.
O governador do Banco de Portugal acrescentou que «com esta operação cumpre-se integralmente as finalidades da resolução do BES». O que não se cumpre é a promessa deixada na altura por Maria Luís Albuquerque, então ministra das Finanças, e Pedro Passos Coelho, então primeiro-ministro, de que a resolução do BES não iria implicar custos para os cofres públicos.
A Lone Star vai injectar no imediato 750 milhões de euros no Novo Banco e 250 milhões adicionais ainda este ano. Mas, para além de receber a instituição a troco de nada, o Estado (através do Fundo de Resolução, que mantém 25% do capital do banco) fica obrigado a entrar com um valor que pode ascender a 3,9 mil milhões de euros para resolver problemas futuros.
Quanto aos 3,9 mil milhões de euros públicos que entraram nas contas do Novo Banco em Agosto de 2014, a sua recuperação é definitivamente posta de lado com esta operação. Em vez do bom negócio prometido por Passos, o Novo Banco já é um peso nas contas do Estado, que, no futuro, ainda pode crescer.
É assim perdida uma oportunidade para robustecer o sector público bancário, tal como já sucedeu com o BPN (entregue ao banco angolano BIC) e com o Banif (entregue ao banco espanhol Santander).
A entrada da Lone Star no Novo Banco foi negociada pelo secretário de Estado dos Transportes do anterior governo, Sérgio Monteiro, contratado pelo Banco de Portugal para prestar assessoria ao processo. Monteiro, que é um dos campeões das privatizações enquanto governante, recebeu cerca de meio milhão de euros desde que saiu do executivo do PSD e do CDS-PP.
Os segredos dos abutres que rondam o Novo Banco
Recuperamos parte do texto publicado originalmente a 4 de Janeiro, sobre o percurso da Lone Star.
A Lone Star Funds foi criada entre 1995 e 1996, mas o seu fundador e presidente, John Grayken, já vinha acumulando fortuna através da compra de «activos tóxicos» à banca – no essencial, crédito à habitação de cobrança difícil –, vendendo posteriormente com lucros na ordem das centenas de milhões de euros.
Quando o sector imobiliário voltou a estar em alta nos EUA, a Lone Star virou-se para o Japão, em 1998, e depois para a Europa. O termo flipping é regularmente usado para descrever a estratégia destes fundos: comprar barato para, ao fim de poucos anos, vender com lucro. Mas como é possível comprar activos desvalorizados e transformá-los numa «galinha dos ovos de ouro» num espaço de dois ou três anos?
Quando se trata de crédito à habitação, a prática da Lone Star é simples: se o devedor não paga, executa a hipoteca e vende o imóvel o mais rápido possível. Os lucros são conseguidos à custa de despejos massivos, seja na baixa de Nova Iorque, no Japão, na Coreia do Sul ou no Leste da Alemanha.
Lone Star Funds: comprar barato, vender caro e depressa
Se a sua especialidade começou por ser o imobiliário, a crise asiática do final do século XX proporcionou novos negócios, entrando no sector financeiro. Em 2003 adquire uma participação maioritária num banco coreano, que tenta vender passados três anos com um lucro superior a 4,5 mil milhões de dólares, 250% do valor pago.
Suspeitas de manipulação bolsista abortaram o negócio, levaram à prisão do representante da Lone Star na Coreia do Sul e de um funcionário que desviou 11 milhões de dólares para o fundo norte-americano. Mas a venda acabou por se concretizar em 2012, com um lucro de 3,5 mil milhões de dólares.
Porém, a receita aplicada no banco Korea Exchange Bank (KEB) logo após a compra não deixou boas memórias aos seus trabalhadores, com uma reestruturação agressiva, fusão de unidades e despedimentos. Mas o ritmo não agradava ao «fundo abutre», levando mesmo à substituição do presidente do banco em 2005.
No Japão, o fundo aproveitou a falência de um banco para criar o Tokyo Star Bank, em 2001, depois de pagar 340 milhões de dólares ao governo nipónico. Depois de seis anos de mais uma «reestruturação agressiva», o banco é vendido. Quando, em 2011, no auge da crise financeira, os novos donos não conseguem sustentar os 2,2 mil milhões de dólares de dívida assumida para comprar o Tokyo Star Bank, a Lone Star recupera o controlo do banco.
Em 2014, o banco japonês é vendido pelo fundo norte-americano – pela segunda vez em menos de uma década – por 510 milhões de dólares a um banco sedeado na Ilha de Taiwan.
Se o cartão de visita da Lone Star na gestão bancária é negro, as práticas fiscais não são melhores. O fundador renunciou mesmo à cidadania norte-americana, passando a ser cidadão irlandês e beneficiando do regime fiscal que permite não pagar impostos, já que detém a participação no fundo norte-americano na Bermuda, um paraíso fiscal.
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