Foi votado ontem o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão política da TAP. Foi aprovado apenas com o voto a favor do PS, tendo merecido o voto contra de todos os restantes partidos presentes na CPI: PSD, IL, Ch, PCP e BE.
Todos os partidos que votaram contra o relatório destacaram que este protegia o Governo. Mesmo onde reconhecia erros e opções erradas, recusava-se a retirar consequências. Por exemplo, na situação da indemnização de Alexandra Reis, onde os responsáveis políticos já assumiram responsabilidades e já se demitiram, o PS no seu relatório final ainda procura desculpas, tentando desresponsabilizar o Governo, que só pode ser o primeiro responsável por não haver acordos de gestão assinados com os gestores públicos (violação à lei que se mantém) e por ter autorizado que a substituição de um administrador na Comissão Executiva da TAP fosse tratada como se de uma empresa privada se tratasse.
Depois, os partidos divergem nas razões da crítica. O PSD, IL, Ch e BE centram a sua crítica no facto de o relatório final se concentrar nas questões originalmente colocadas à CPI e deixar de lado assuntos como o das galambices no dia 26 de Abril e o uso abusivo do SIS nessa situação. Nesta matéria, o PCP apoiou a opção tomada pelo PS na redacção do relatório, sublinhando, no entanto, que os acontecimentos são muito graves, mas que esta CPI não era o local para apurar essa gravidade e agir em conformidade.
Já os comunistas centraram a sua intervenção no facto de o PS – aqui acompanhado por PSD, IL e Ch – se ter recusado a ver nas conclusões desta CPI que há que retirar ilações para o novo processo de privatização da TAP, que já está em curso, e que a ilação principal é que é preciso parar com as tentativas de privatizar a companhia aérea.
Aliás, o PCP é o partido que justifica o seu voto contra o relatório pelo conjunto mais demolidor de argumentos. Mesmo tendo sido o partido com mais propostas de alteração aceites – cerca de 30. Mas que, como sublinhou Bruno Dias, as alterações aceites melhoraram o documento, mas não alteraram a sua natureza de fundo, contra a qual o PCP só podia votar contra.
Na sua declaração de voto, aponta as questões que, no seu entender, imporiam à CPI a conclusão de que é preciso parar com o processo de privatização da TAP:
– Que tudo o que deu o mote a esta CPI, desde as remunerações dos administradores da TAP às indemnizações milionárias que recebem, são os normais num grande grupo económico privado, mas são ilegais no quadro da Administração Pública. Que a indemnização de Alexandra Reis só vai ser devolvida porque a TAP tinha regressado ao sector público e que os quase 8 milhões de euros de indemnizações pagos entre Novembro de 2015 e Outubro de 2020, quando a TAP estava sobre gestão privada, não vão ser devolvidos. Que dizer que a solução é privatizar a empresa significa aceitar e generalizar estas práticas, em vez de acabar com elas.
– A CPI demonstrou que a TAP SA tem sido lucrativa ao longo da sua história, mas um conjunto de processos têm arrastado os resultados da SGPS para baixo: os mais de 200 milhões que custou o processo de privatização à Swissair; o preço pago pela aventura privada no BES na aviação, salva pela TAP com 140 milhões de euros na compra da Portugália; os custos que a TAP assumiu devido às sucessivas tentativas fracassadas de privatizar a SPDH; os custos provocados pelos longos processos de privatização; os quase mil milhões de euros que custou a aventura da Manutenção Brasil. O relatório final reconhece tudo isto, mas depois recusa-se a retirar consequências. Por exemplo, que a única reestruturação que a TAP necessitava em 2020 era o encerramento da Manutenção e Engenharia Brasil.
A CPI demonstrou que a TAP SA tem sido lucrativa ao longo da sua história, mas um conjunto de processos têm arrastado os resultados da SGPS para baixo (...)
Sobre os anos de gestão privada, entre Novembro de 2015 e Outubro de 2020, a CPI deixou-nos informação muito clara. Mesmo antes da pandemia, em Dezembro de 2019, os capitais próprios da TAP estavam 200 milhões de euros mais negativos do que no início da gestão privada. O processo de compra – através dos fundos Airbus – foi a burla que hoje está à vista de todos. A própria CPI manda para o Ministério Público o pedido que seja investigada a Airbus por corrupção, que sejam investigados os salários dos gestores privados que não descontavam para a Segurança Social, que sejam investigados os pagamentos que a TAP realizou de facturas e despesas – num valor superior ao pago pela TAP – apresentadas por David Neeleman para pagamento ou pagas a empresas que assessoravam David Neeleman. E mesmo assim, o Governo quer avançar com uma nova privatização?
O relatório final reconhece tudo isto, mas depois recusa-se a retirar consequências. Por exemplo, que a única reestruturação que a TAP necessitava em 2020 era o encerramento da Manutenção e Engenharia Brasil.
O PCP ainda alertou para uma realidade que o relatório da CPI reconhece agora (depois das alterações), mas do qual continua a não retirar consequências. Que um conjunto de informação foi classificada indevidamente, na realidade escondida do controlo democrático da Assembleia da República, do controlo de gestão pelos trabalhadores e escondida do povo português. E foi-o por todos os governos, e sempre com o objectivo puro e simples de assim poderem mentir ao País e realizar uma política oposta aos seus interesses.
Sobre os trabalhadores da TAP, todos falaram. Todos saudaram o seu esforço, mas apenas os comunistas exigiram o imediato fim de todos os cortes, roubos e ataques à contratação colectiva (com o apoio do BE quando essa questão foi votada).
Quanto à pergunta que dá o mote a esta análise, talvez valha a pena recuperar a reflexão final do deputado Bruno Dias: «Esta CPI podia – e devia – ter ido mais longe. Mas valeu a pena. Hoje é mais claro que a TAP precisa de uma gestão pública diferente, muito diferente, daquela que tem tido. Uma gestão que perceba o que é uma empresa pública e para que é que o povo português precisa de uma empresa pública – para criar emprego de qualidade, para dar exemplo de transparência, para satisfazer interesses estratégicos como a coesão territorial, a ligação à diáspora, a alimentação do turismo, a garantia de ligações aéreas estratégicas. E ficou mais claro que a TAP precisa de deixar de ser gerida a pensar na sua privatização ou usada por um qualquer capitalista para alimentar os seus lucros custe-nos o que custar. A maioria dos deputados da CPI não quis extrair essas conclusões, mas elas vão-se impondo.»