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CP: o peso do passado

A atitude patriótica de manter a Sorefame a funcionar teria permitido que o sonho de António Costa, de nas próximas décadas ter Portugal no «clube de produtores de comboios», fosse já uma realidade.

O primeiro-ministro, António Costa, o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro e o ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira no debate sobre o Programa do XXII Governo Constitucional, na Assembleia da República. Lisboa, 31 de Outubro de 2019
CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

A situação com que se deparam diariamente milhares de utentes dos comboios no País tem estado na ordem do dia e esteve presente no debate em torno do Orçamento do Estado para 2020. É reconhecido o desinvestimento e abandono do sector, que levou à perda de cerca de 1200 km de caminho-de-ferro e à destruição de cerca de 20 000 postos de trabalho.

Concretizada ao longo de décadas por opção dos sucessivos governos, a pulverização do sector ferroviário (onde se inclui a segmentação da CP em várias empresas) criou múltiplas oportunidades de negócio para os grupos económicos privados. Como consequência, degradou-se a oferta, a fiabilidade e a segurança da operação, precarizaram-se relações laborais e aumentaram-se os custos para os utentes e para o Estado.

A partir de dia 1 de Janeiro deste ano, a CP passou a contar, no seu quadro de efectivos, com cerca de mais mil trabalhadores, através da reintegração das oficinas da EMEF (as antigas oficinas da CP), uma medida histórica que reconhece o falhanço do desmembramento da CP e, a ser complementada por outras reversões, apontaria à necessária reconstrução de uma CP una, pública e nacional, capaz de representar o interesse nacional num sector estratégico da economia.

Uma reivindicação há muito defendida pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, que considera esta medida positiva, mas, só por si, insuficiente, face à necessidade da CP proceder à admissão de novos trabalhadores, nomeadamente para os sectores operacional, oficinal e de manutenção.

E, falando da EMEF, vale a pena lembrar o longo processo de desinvestimento nas oficinas (Matosinhos, Porto, Entroncamento, Lisboa, Oeiras, Barreiro e Vila Real de Santo António), a sucessiva redução do número de trabalhadores, a crescente contratação de serviços externos e a importação de serviços de Espanha. Sem esquecer a tentativa de privatizar a EMEF, a venda da sua Unidade de Investigação e Desenvolvimento à multinacional NOMAD e a criação do ACE com a Siemens (SIEMEF).

Entretanto, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, afirmou que o estado a que chegou o sistema ferroviário é fruto de décadas em que «colectivamente, em conjunto, Portugal desinvestiu na ferrovia». Esquecendo, no entanto, a existência de vozes dissonantes, a começar pelos trabalhadores que, em 26 anos, nunca abdicaram dessa bandeira e, por exemplo, do PCP que, em 1993, se opôs à criação da EMEF prevendo que a intenção por detrás da separação era a privatização.

Esquecendo também que até 2005 existiu na Amadora uma empresa, a SOREFAME, que produziu material circulante e fabricou praticamente toda a frota do Metro de Lisboa e uma parte das carruagens da CP. Uma empresa destruída pela acção activa de sucessivos governos do PS e do PSD (sozinho ou com o CDS-PP), que primeiro a entregaram às multinacionais e depois foram cúmplices da sua desvalorização e desmembramento.

Mas, sobretudo, esquecendo que teria sido uma atitude patriótica manter a empresa a funcionar, alimentando não só os milhares de postos de trabalho, directos e indirectos, pelos quais os trabalhadores lutaram procurando que o governo realizasse novas encomendas à SOREFAME, a nacionalizasse e impedisse a especulação imobiliária com os terrenos da Amadora. Um caminho que teria possibilitado, porventura, que o sonho de António Costa, de nas próximas décadas ter Portugal no «clube de produtores de combóios», fosse hoje uma realidade.

Desde 2003 que Portugal não fabrica um comboio, consequência de uma privatização feita em nome da modernidade mas que levou à criação de (mais) uma dependência face ao exterior, escamoteando a importância da ferrovia no desenvolvimento do sector produtivo e industrial e os aspectos ligados à coesão territorial e à sustentabilidade ambiental.

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