|António Bernardo Colaço

Constituição e Socialismo

O «socialismo», nos termos em que é mencionado no Preâmbulo, mais não representa senão um rumo, um traçado, um pendor, um caminho, em formação. Assim sendo, poderá haver altos e baixos.

A Constituição da República Portuguesa foi aprovada a 25 de Abril de 1976 
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No rescaldo do resultado das eleições legislativas, a confirmar a inequívoca vitória das forças componentes da direita, vem colocada a questão de uma revisão constitucional como uma «oportunidade única» para eliminar a referência ao socialismo reportada ao Preâmbulo da Constituição da República.

Ao longo dos 49 anos do Estado de Direito Democrático que Portugal tem vindo a fruir desde a aprovação da Lei Fundamental, a governação foi exercida pelo chamado arco de governação partilhado por PS e PPD/PSD, (esporadicamente com a participação do CDS). Ao longo de todo esse tempo a expressão «abrir caminho para uma sociedade socialista» constante do texto preambular resistiu, permanecendo intocada face às sete revisões a que a Constituição foi sujeita. E tal ocorreu, no domínio e desenvolvimento de uma sociedade de economia de mercado, de expressão do capitalismo monopolista, sem que fossem postas em causa, entre outros, os valores referidos no artigo 288.º da Constituição.

O «socialismo», nos termos em que é mencionado no Preâmbulo, mais não representa senão um rumo, um traçado, um pendor, um caminho, em formação. Assim sendo, poderá haver altos e baixos. Por isso, a circunstância de não se ter alcançado um tal objetivo, e mesmo havendo contrariedade na sua realização, não significa que «a (sua) referência se tornou manifestamente vazia de sentido» (cfr. Vital Moreira, blogue Causa Nossa, sob o título Fetichismo Constitucional – Domingo 25.05.2025), mas apenas e quando muito que o caminho ainda custa a trilhar – a não ser, evidentemente que se queira pura e simplesmente eliminar o socialismo como ideologia. ISTO é que é UTOPIA. Recorde-se, a este propósito, que a redação do Preâmbulo a que vimos fazendo referência, teve como protagonistas Sophia de Mello Breyner e Manuel Alegre. As forças que até ao presente, têm vindo a exercer o poder governamental conviveram bem com referência ao socialismo.

Ideologias, pode-se combatê-las, mas, em boa hermenêutica jurídica, nunca se eliminam. Uma sociedade socialista, enquanto visando «a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno», esteja ou não referida preambularmente, é uma meta perene da humanidade.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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