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Autópsia revela rendas excessivas mas omite consequências políticas

O relatório final confirma o pagamento de rendas excessivas, em particular à EDP (apesar da omissão de 581 milhões), mas passa ao lado da responsabilidade política nacional e da UE na alienação de um sector estratégico.

Torre de alta tensão. Foto de arquivo.
Os CMEC renderam 2,13 mil milhões de euros ao sector eléctrico entre 2007 e 2012 Créditos / Rock-cafe

Não teve eco no relatório final votado esta quarta-feira o avanço alcançado ao longo de meses de audições realizadas na Assembleia da República, através das quais foi possível apurar dados importantes que emolduram a alienação de um serviço público essencial ao País, transformando-o em mais-valias para os grandes grupos económicos e no agravamento da factura para famílias e empresas. 

Entre as insuficiências do documento que saiu da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Electricidade está a retirada de um capítulo-chave, relacionado com a concessão de barragens à EDP, sem concurso, e no qual se identificava uma renda excessiva de 581 milhões de euros, que foi parar aos bolsos dos accionistas da eléctrica presidida por António Mexia. 

O capítulo relativo à «extensão sem concurso do uso do Domínio Público Hídrico a favor da EDP e metodologia do cálculo da compensação a pagar ao sistema eléctrico nacional» – um dos temas mais debatidos nas audições, foi chumbado com o voto contra do PSD, a abstenção do PS e do CDS-PP, e os votos favoráveis de BE, PCP e PEV. 

2,13 mil milhões

Entre 2007 (data do seu início) e 2012, os CMEC  renderam ao sector eléctrico mais de 2,13 mil milhões de euros.

Referia o dito parágrafo que, com a entrada em vigor dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), «foi necessário estabelecer termos e condições dos direitos de utilização do domínio público hídrico [DPH] das centrais hidroeléctricas da EDP».

Assim, prosseguia, «foi aprovada uma série de legislação entre 2003 e 2007 que culminou com uma extensão dos direitos de utilização do DPH à totalidade das centrais hídricas até ao final de vida dos equipamentos (em média, 25 anos para além do previsto nos CAE), mediante uma compensação paga pela EDP ao Estado de 759 milhões de euros, que acresceu ao facto de a EDP ter prescindido do recebimento do valor residual das centrais previsto nos próprios CAE. No total, o montante envolvido excedera os 2,1 mil milhões de euros. Este direito foi atribuído à EDP sem a realização de qualquer procedimento concorrencial». 

Além da omissão de parte dos prejuízos que sobraram para o Estado e para os portugueses com a privatização da EDP, foram eliminadas referências ao papel da Comissão Europeia e de sucessivos governos de PS, PSD e CDS-PP, tal como não se imputa qualquer responsabilidade às entidades reguladoras (ERSE e AdC), que menosprezaram o interesse público em vez o defender.

Por outro lado, a comissão de inquérito não responde à questão fundamental que lhe serviu de pretexto, que é a de saber como surgiram as rendas excessivas e, nesta lógica, averiguar as responsabilidades políticas por uma situação que tinha como horizonte a privatização da EDP. Tal como noticiado enquanto decorriam as audições na CPI, a opção política pela atribuição à EDP de uma renda por 20 anos teve como objectivo robustecer a empresa a fim de dinamizar a sua privatização. 

As rendas entregues indevidamente ao sector eléctrico estão avaliadas em mais de 5 mil milhões de euros, onde 4063 milhões de euros são considerados prejuízos para os consumidores.

Promiscuidade e favorecimentos

Foi na vigência do curto governo de Santana Lopes (PSD, na altura) e de Paulo Portas que o Decreto-Lei 240/2004 foi aprovado em Conselho de Ministros com o objectivo de compensar as produtoras de energia em centenas de milhões de euros pelo fim antecipado dos CAE – no âmbito da liberalização que Bruxelas impunha através do MIBEL (Mercado Ibérico de Electricidade). 

Mas o desenho dos CMEC tinha sido feito antes por Durão Barroso que, em resposta escrita à CPI, atestava que o interesse público tinha sido «devidamente salvaguardado» e que «nunca» tinha recebido «qualquer pressão» por parte da EDP. Isto apesar de, na audição de João Talone, o antigo presidente da eléctrica ter assumido que a EDP «esteve fortemente envolvida» no desenho dos CMEC.  

Não foi apenas com Durão Barroso que a EDP se imiscuiu nos gabinetes ministeriais, tal como percebeu o Ministério Público quando ficou na posse de emails que levam a concluir sobre a manipulação por parte da EDP do ex-ministro Manuel Pinho, no caso dos CMEC e da extensão do domínio público hídrico, em que o professor da Universidade de Columbia (EUA) é suspeito de favorecer a EDP em mais de 1,2 mil milhões de euros. 

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