Regressa a época balnear e multiplicam-se as reportagens sobre um dos tesouros naturais do Alentejo, onde a pressão turística para o segmento de luxo tem contribuído para descaracterizar um território cujo acesso a população local insiste em não perder. Nesta frente de luta tem estado a Câmara Municipal de Grândola, no distrito de Setúbal, que recentemente alterou o seu Plano Director Municipal (PDM) para reduzir o número de camas turísticas, ao mesmo tempo que tem trabalhado para garantir acessos públicos às praias. Entre as novidades da actuação da autarquia, que não é autónoma no que se refere à gestão das praias, estão projectos relativos a dois parques de estacionamento, um deles na Praia da Aberta Nova, que actualmente conta com cerca de 50 lugares. Aí está previsto um novo parque de estacionamento com 220 lugares públicos e gratuitos. Fonte da Câmara de Grândola revelou ao AbrilAbril que o projecto está pronto, precisando agora de se chegar a acordo com o proprietário. Se tal não for possível, afirma, a autarquia terá de avançar para um processo de expropriação para construir o parque de estacionamento.
A negociação com os privados para a construção de acessos livres e garantir o usufruto público das praias é uma constante do trabalho do Município grandolense, que ainda assim precisa do aval das autoridades competentes para o fazer, nomeadamente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que é quem aprova a abertura ou classificação de novas praias, a construção de parques de estacionamento e/ou de novos acessos, e os insere no Programa de Orla Costeira (POC), instrumento que enquadra o ordenamento e a gestão dos recursos presentes no litoral.
Simultaneamente, a autarquia tem exigido a criação de mais zonas de praia, com acessos e estacionamento, como fez, em Julho de 2024, à ministra do Ambiente, Graça de Carvalho. O presidente da Câmara Municipal de Grândola, António Figueira Mendes, frisou então que as praias de Grândola «são para todos» e alertou para a necessidade urgente de se criarem novos acessos ao longo da faixa costeira, tendo em conta a sua extensão e a enorme procura que se verifica, a fim de garantir o «acesso em segurança e a salvaguarda ambiental». O trabalho da autarquia, que, para além da Aberta Nova, está a finalizar um projecto de um parque de estacionamento na Praia da Galé, na freguesia de Melides, com 300 lugares, contraria a ideia da «privatização da costa», ou de que 80% dos 45 quilómetros de areal entre Troia e Melides tem acesso condicionado. «É uma falácia», critica a nossa fonte. «Referir os 45 quilómetros de costa e dizer que tudo é praia oficial, não é verdade», acrescenta, salientando que na maioria desta extensão, onde há apenas frentes de mar, «não há condições de acesso ou segurança como nas praias oficiais que existem e onde a autarquia tem investido para melhorar a capacidade de resposta e de serviços». «O território de que estamos a falar tem uma grande área de praias oficiais e acessíveis, mas também vários quilómetros de frente de mar com praias selvagens, onde a APA não tem permitido criar acessos e estacionamentos», insiste.
De campismo a resort
Apesar de estar classificada como praia, o acesso à Galé sempre foi através do antigo parque de campismo. Sendo privado, cumpria funções de serviço público, mas foi adquirido em 2021 por uma multinacional americana com o intuito de o transformar num resort de luxo, embora o acesso à praia continue a ser por lá. Na prática, o Parque de Campismo da Galé, onde moravam cerca de 500 pessoas, era um entrave à expansão do Costa Terra, um mega-empreendimento previsto há mais de 50 anos, tal como o do Pinheirinho, ambos integrados no POC, o instrumento da Administração Central para a gestão da orla costeira.
O primeiro passo no processo da Costa Terra deu-se em 2006, com o aval do despacho conjunto do Ministério da Economia e do Ambiente do Governo XVII do PS, de José Sócrates. Em Maio do ano passado, PCP, BE e Livre apresentaram propostas na Assembleia da República no sentido de o Governo salvaguardar o interesse público na Praia da Galé e o funcionamento do parque de campismo como até então, mas foram chumbadas pelo PS, PSD, CDS-PP e IL. Em todo o caso, sinaliza fonte da Câmara Municipal de Grândola, «ao abrigo do POC e das operações de loteamento que estão a fazer, os promotores são obrigados a garantir estacionamento e acessos públicos às praias, além dos que já existem». Segundo anunciado, o projecto Costa Terra prevê 204 moradias, 3 aparthotéis com 560 camas, 4 aldeamentos turísticos com 775 camas, 4 conjuntos de apartamentos turísticos com 823 camas, uma estalagem com 40 camas e um campo de golfe de 18 buracos, além de vários equipamentos complementares na linha litoral de Grândola.
Privados na costa
A grande maioria dos terrenos que confinam com a faixa litoral do concelho de Grândola sempre foi privada e esteve debaixo de olho de interesses imobiliários e turísticos, desafiando a gestão pública daquele território.
Antes da Revolução dos Cravos, o projecto da Torralta previa a criação de 120 000 camas turísticas ao longo da faixa costeira de Grândola. Após o 25 de Abril de 1974, e apesar de muitos compromissos já firmados, a Câmara Municipal de Grândola, liderada pelo PCP, conseguiu regular o crescimento na costa através do Plano de Intervenção Integrada. O primeiro PDM de Grândola foi aprovado em 1996 e o Plano de Urbanização de Troia em 2000, reduzindo as camas turísticas para 22 mil. Já entre 2001 e 2013, com o executivo municipal liderado pelo PS, foram aprovados planos para grandes projectos turísticos, permitindo até 21 800 camas na região.
Em 2022, data em que o concelho estava próximo da intensidade turística máxima, o PDM de 2017 foi suspenso para equilibrar as assimetrias regionais. No ano seguinte, a necessidade de defender a costa de Grândola chegou ao Parlamento na forma de projecto de resolução, o qual acabaria chumbado pelas bancadas do PS e do PSD, com abstenção de IL e Chega. Entre outras medidas, o diploma recomendava ao Governo a adopção de medidas com vista a controlar e limitar o crescimento desmesurado de empreendimentos turísticos na faixa litoral de Grândola, «de forma a garantir o desenvolvimento equilibrado e sustentável do concelho».
Transporte gratuito para as praias
Pelo terceiro ano consecutivo, a Câmara Municipal de Grândola proporciona transporte gratuito para as praias do Pego, Carvalhal e Melides, com vista a tornar mais fácil e cómodo o acesso da população à costa. Dada a procura, os circuitos diários, a partir de Grândola, têm sido ajustados em termos de horários, mas o essencial mantém-se, garante a autarquia.
Nos últimos anos, o Município investiu na melhoria dos acessos às praias de Melides, Aberta Nova e Atlântica (Troia), através da construção de novos passadiços de acesso que garantem acessibilidade universal.
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