Mensagem de erro

User warning: The following module is missing from the file system: standard. For information about how to fix this, see the documentation page. in _drupal_trigger_error_with_delayed_logging() (line 1143 of /home/abrilabril/public_html/includes/bootstrap.inc).

|Venezuela

Venezuela: após falência de empresa, camponeses assumem produção em modelo comunal

Em 2021, a Central Açucareira de Sucre fechou e deve mais de 260 mil dólares aos camponeses. A Comuna 5 Fortalezas recuperou um pequeno engenho da central e processa dez toneladas de cana por dia.

Cana-de-açúcar é o motor da economia local 
Cana-de-açúcar é o motor da economia local CréditosLucas Estanislau / Brasil de Fato

A 500 quilómetros da capital, Caracas, a pequena cidade de Cumanacoa tem como apelido «coração doce do Oriente», em lembrança da sua intensa produção de cana-de-açúcar. No entanto, há dois anos, os trabalhadores locais sofreram uma das piores crises da sua história, na sequência do encerramento da Central Açucareira de Sucre.

Responsável por processar a maioria da produção do estado, a empresa decretou falência em 2021, fechou as portas e deixou uma dívida de milhares de dólares aos produtores da região.

A saída encontrada pelos trabalhadores rurais foi a organização comunal, o trabalho autónomo e o compromisso político. Ao Brasil de Fato, Vanessa Pérez, porta-voz da Comuna 5 Fortalezas, explicou que o objectivo era resgatar o ânimo dos produtores e enfrentar os prejuízos.

«Começámos a juntarmo-nos e a pensar como podíamos fazer para garantir nós mesmos a produção e processar a nossa matéria-prima; já que somos nós que lavramos a terra, que semeamos, que a cuidamos, então nós mesmos queremos transformar a nossa matéria-prima para que nenhum intermediário venha prejudicar a nossa vida», disse.

Formada por cinco conselhos comunais com cerca de 470 famílias, a Comuna 5 Fortalezas colocou-se na linha de frente das acções para enfrentar a crise e, além de organizar protestos contra o calote da empresa, decidiu tomar as rédeas do processo produtivo. Os comuneros recuperaram um velho trapiche localizado numa fazenda abandonada no território da comuna, puseram-no a funcionar e começaram a moer a cana dos produtores locais, indica o Brasil de Fato.

O pequeno engenho da comuna foi recuperado por trabalhadores // Lucas Estanislau / Brasil de Fato

Assim surgiu o Bloco Produtivo Esperança, uma empresa de propriedade social gerida pelos próprios trabalhadores da comuna. Apesar das estruturas improvisadas e do baixo orçamento para investir em máquinas, o esforço colectivo já começa a dar frutos: actualmente, o pequeno engenho dá resposta não só os produtores da comuna, mas também a comunidades vizinhas.

Um projecto que não deve ficar por aqui

Carlos de Andrade é um dos produtores beneficiados pela iniciativa. Nascido e criado no povoado montanhoso de San Juan Bautista, o camponês passou 45 dos seus 54 anos de idade a trabalhar no plantio da cana-de-açúcar. Ao Brasil de Fato, explicou que a falência da Central pôs diversas comunidades em situação de vulnerabilidade, mas que a iniciativa comunal foi uma saída para continuar a produzir.

«O pouco que nos restou conseguimos recuperar graças à ligação que temos com a Comuna 5 Fortalezas. Foi assim que conseguimos resolver algumas questões da nossa economia, das nossas casas, da nossa comida. Eu já tenho os meus netos e todos eles sofrem esta consequência, percebe? Por isso estamos nesta luta constante», afirmou.

Actualmente, o trapiche comunal processa dez toneladas de cana por dia e produz cerca de uma tonelada de melaço, subproduto destinado sobretudo ao fabrico de alimentos para o gado. Apesar de ainda estar longe da capacidade de processamento da Central durante o seu período activo, de 2,5 mil toneladas diárias, o engenho comunal trouxe algum rendimento aos trabalhadores locais.

O projecto, no entanto, não deve ficar por aqui. A ideia dos comuneros é adquirir experiência e capital suficientes para investir em centrifugadoras e insumos necessários para a produção do açúcar, o produto mais rentável derivado da cana. Eles defendem que o trapiche, além de tudo, é uma escola de formação para que possam acumular experiência e, no futuro, reactivar a Central Açucareira, desta vez sob comando da própria comuna.

«Este trapiche vai garantir-nos uma escola. Aqui, nós vamos formar-nos em administração, em organização, adquirir conhecimento desse sector. Nós temos de garantir ao município e às entidades governamentais que as comunas e o povo organizado podem administrar uma empresa desta categoria, porque somos nós que produzimos, que colhemos e vamos garantir que também sabemos transformar e administrar a nossa produção», disse Vanessa.

Aliança com o privado antecedeu a falência da Central

A história da Central Açucareira de Sucre acompanha os movimentos da economia venezuelana. Durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez, em 2005, a empresa foi renacionalizada, depois de ter passado anos em mãos privadas. Registaram-se aumentos consecutivos na produção até 2014, quando o país entrou em recessão.

Face às dificuldades económicas, o executivo venezuelano decidiu entregar o controlo da Central à Corposucre, empresa propriedade do governo do estado de Sucre. Em 2020, o então governador Edwin Rojas (PSUV) anunciou um acordo com a empresa privada Tecnoagro, e classificou-o como «aliança estratégica» para gerir a usina em conjunto.

«Pediram-nos uma produção muito acima da habitual, de 21 mil toneladas para a safra de 2021, além de exigirem a cana limpa, o que nos deu muito mais trabalho, mas, mesmo assim, cumprimos com as metas», afirmou Vanessa Pérez.

O valor prometido pela Central, quando esteve controlada pelo acordo entre a Corposucre e a Tecnoagro, foi cerca de 25% superior ao que tinha sido oferecido pela safra do ano anterior. Os lucros seriam divididos por metade e o pagamento seria feito em duas partes: 20% durante o processo de moagem da cana e o resto dois meses depois de concluída fim da safra.

«São esses 80% que estão em falta», argumenta Pérez. De acordo com os contas da comuna, a dívida aos mais de 270 produtores que participaram na safra de 2021 é superior a 260 mil dólares.

«Por exemplo, as safras de 2019 e 2020 foram boas e tivemos uma óptima relação com a Central, quando ela ainda era administrada pelo governo nacional representado pela Corporação Venezuelana de Açúcar, a CVA. Mas, em Abril de 2021, eles alegaram que a produção não foi a esperada e que teriam que decretar falência, sendo que nós vimos a quantidade de açúcar que foi produzido ali», denuncia Vanessa.

O produtor Carlos Andrade também critica a parceria feita entre Corposucre e Tecnoagro, afirmando que os resultados do acordo foram «muito duros para a comunidade». «Nesta luta, estamos a subsistir, a reclamar o nosso direito de receber os nossos pagamentos depois do golpe que nos deram aqui na Central Açucareira, com esse agente privado que trouxeram e que nos matou economicamente», disse.

Após o anúncio da falência da Central, em Maio de 2021, uma delegação da Comissão de Controladoria da Assembleia Nacional da Venezuela, presidida pelo deputado Erick Mago (PSUV-Sucre), visitou a empresa para «elucidar os problemas que existem entre os produtores de cana-de-açúcar da região e a aliança comercial entre a empresa Tecnoagro e o governo do estado de Sucre», informou o Parlamento em nota.

Desde então, os trabalhadores rurais de Cumanacoa, organizados em conselhos comunais e na Associação de Plantadores de Cana de Sucre, já promoveram diversos protestos, tanto no estado como em Caracas, além de terem recorrido para o Ministério Público. A dívida, no entanto, continua pendente e a Central está desactivada.

«É a cana-de-açúcar que faz mexer este município»

«É a cana-de-açúcar que faz mexer este município. Aqui, em Cumanacoa, não há outra indústria, nem outra fonte de emprego. A cana-de-açúcar é o que dá vida à economia, é o que move o padeiro, o mecânico, o camionista, os escritórios, os mercados, tudo. É por isso que, hoje em dia, a cidade está muito afectada, pois em dois anos não tivemos nenhuma resposta sobre este caso», disse Vanessa Pérez.

Os produtores esperam há dois anos pelo pagamento da dívida // Lucas Estanislau / Brasil de Fato

Em Março último, o actual governador de Sucre, Gilberto Pinto (PSUV), visitou a Central Açucareira acompanhado por representantes da Associação de Plantadores de Cana e da Superintendência Nacional de Gestão Agroalimentar (Sunagro), órgão responsável por fiscalizar, entre outras coisas, plantas produtivas rurais no país.

Em nota, a Sunagro afirmou que a visita ocorreu «com o propósito de avançar na reactivação» da Central Açucareira e que os responsáveis do órgão ouviram as reivindicações dos trabalhadores locais. «Realizámos uma assembleia com os trabalhadores e plantadores de cana, na qual a Sunagro ouviu as solicitações e inquietações, enfatizando que irá trabalhar para buscar soluções em benefício da comunidade, de mãos dadas com o povo e com a classe trabalhadora», disse.

O Brasil de Fato tentou entrar em contacto com a Tecnoagro, mas não conseguiu falar com nenhum representante da empresa. Da mesma forma, também enviou questões ao governo do estado de Sucre, que não obtiveram resposta até ao momento.

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui