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Polícia investiga artistas que actuaram no Glastonbury por apoio à Palestina

A polícia está a investigar dois concertos, dos Kneecap e de Bob Vylan, pelo simples facto de os artistas terem apoiado a Palestina, denunciado a acção criminosa de Israel e o apoio de políticos britânicos ao genocídio. A organização do festival Glastonbury recebeu pressões para não deixar os Kneecap actuarem. 

O festival Glastonbury, um dos maiores e mais importantes do mundo, foi sempre polémico. A política não fica à porta, os artistas respiram liberdade, as actuações são irreverentes e o público, aderindo, é mais que um colectivo de espectadores, é uma massa activista que acompanha as mensagens veiculadas em palco. 

Se o Glastonbury foi ganhando esta fama ao longo das suas 53 edições, este ano não foi diferente. Bem pelo contrário. Sabendo de antemão que um dos cabeças de cartaz eram os Kneecap, que, além da independência e reunificação do seu país, exigem também uma Palestina livre e independente e, por esse motivo, têm um dos seus membros a ser julgado por apoio ao terrorismo, estava criado o caldo para a polémica se instalar. 

Antes mesmo do início do festival houve vários tipos de pressão para impedir que o polémico trio de rap irlandês subisse a palco, nomeadamente do primeiro-ministro inglês. Keir Starmer afirmou não ser «apropriado» que a banda actuasse, depois de 30 executivos da indústria musical terem assinado uma carta secreta, divulgada pelo DJ Toddla T, para que os artistas de Belfast fossem retirados do alinhamento.

Em resposta, mais de 100 músicos e bandas, incluindo Massive Attack, Pulp, Fontaines DC, Thin Lizzy ou os Idles, assinaram uma carta pública de apoio aos Kneecap. Também o fundador do Glastonbury foi questionado sobre a polémica e as pressões que estava a receber e disse que quem não concordava com a política do festival «pod[ia] ir para outro sítio».

Como se a polémica não fosse já suficiente, também a BBC se juntou. Em comunicado, a emissora britânica, que transmite a actuação do festival ao vivo, revelou que não iria transmitir o concerto dos Kneecap. «Embora a BBC não proíba os artistas, os nossos planos garantem que a nossa programação cumpre as nossas directrizes editoriais», pode ser lido num comunicado da estação. 

 

 

A verdade é que os Kneecap não se deixaram intimidar, prometeram um grande concerto e entregaram-no. Na vasta plateia da 54.ª edição do festival não faltaram bandeiras palestinianas, no palco podia-se ler «Israel está a cometer um genocídio contra o povo palestiniano, com a ajuda do governo britânico. Libertem a Palestina», e ao longo da actuação foram lançados vários apelos.

«Mo Chara [o membro do trio visado pela justiça] esteve no tribunal este mês», disse Bap, um dos integrantes dos Kneecap. «Estava lá alguém? Mo Chara foi a tribunal por uma acusação falsa de terrorismo. Não é a primeira vez que se regista um erro judicial para um irlandês no sistema judicial britânico», acusou. 

Já Mo Chara fez questão de visar Keir Starmer durante o concerto. Relembrando que o chefe do Executivo  inglês disse que não era «apropriado» que a banda tocasse em Glastonbury, o rapper disse: «O primeiro-ministro do vosso país disse que não queria que tocássemos, por isso, que se lixe o Keir Starmer». Ao som da música Get Your Brits Out, foi dito «nós adoramos o povo inglês, o governo inglês é que não suportamos», e o primeiro-ministro insultado. 

A banda terminou a actuação a agradecer ao festival de Glastonbury pelo apoio à banda e à Palestina. «Um dia será controverso para as pessoas que não falaram sobre a Palestina» disse Bap, com Chara a concordar: «Lembrem-se desses cabr*es, nós vamos lembrar-nos deles.» 

Já era antecipada uma actuação polémica dos irlandeses, mas o concerto que tem dado que falar pertence à dupla de rap-punk Bob Vylan. Projectando no palco a mensagem «Palestina livre, as Nações Unidas consideraram-no um genocídio, a BBC chama-lhe um "conflito"», a actuação conseguiu ser ainda mais vocal.

A par do cântico de «Palestina livre», o vocalista lançou o cântico «morte às IDF (Forças de Defesa de Israel)», ao qual o público aderiu, repetindo o que fora proferido pelo músico. Durante o concerto, a BBC emitiu um aviso em que alertava para «linguagem muito forte e discriminatória». 

 

 

Após os concertos, as reacções começaram a multiplicar-se. A polícia britânica emitiu uma nota na qual disse que estava a avaliar as imagens dos espectáculos para decidir se tinham sido cometidas infracções. «As provas em vídeo serão avaliadas pelos agentes para determinar se foram cometidas quaisquer infracções que exijam uma investigação criminal», refere o comunicado da polícia.

A secretária da Cultura do Reino Unido, Lisa Nandy, também já condenou ambas as performances, garantindo que nenhum dos espectáculos estará disponível no serviço de streaming da BBC, o que constitui um grave precedente de intromissão política na estação pública. Já Keir Starmer afirmou que «não há desculpa para este tipo de discurso de ódio terrível». «Eu disse que não se devia dar uma plataforma aos Kneecap e o mesmo se aplica a qualquer outro artista que faça ameaças ou incite à violência. A BBC tem de explicar como é que estas cenas foram transmitidas», afirmou o primeiro-ministro do partido que expulsou militantes solidários com a Palestina com a acusação de «anti-semitismo».

Para já, o que se sabe é que, associado ao clima de perseguição criado em Inglaterra contra quem se insurge contra o genocídio perpetrado por Israel, está em curso uma investigação a artistas que usaram a sua forma de arte para denunciar a cumplicidade de um Governo com mais de 56 mil mortes.


 

 

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