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|Reino Unido

O que esconde a demissão de Boris Johnson

A comunicação social fala de escândalos sexuais e de festas durante a covid-19, por baixo da alcatifa fica a crise económica e social e um governo que apostou na guerra da Ucrânia para abafar tudo.

Uma saída pela porta pequena.
Uma saída pela porta pequena.CréditosTOLGA AKMEN / EPA

Boris Johnson demitiu-se oficialmente à hora do almoço, desta quinta-feira, mas disse que «vai servir até o novo líder estar no lugar». O primeiro-ministro conservador foi forçado a sair após uma série de demissões dos seus principais ministros, cerca de 60 elementos do governo bateram com a porta.

Os conservadores, abalados pelos péssimos resultados em várias eleições intercalares, temiam a crescente raiva contra o governo Johnson, devido às sua constantes mentiras, o encobrimento dos escândalos de corrupção e o agravamento da crise do custo de vida.

Até agora, Johnson tinha conseguido manter-se no poder, tendo sobrevivido a um voto, contra ele, dos deputados conservadores, por uma escassa maioria.

No período de perguntas semanais de quarta-feira no parlamento britânico, Johnson insistiu que não tinha intenção de sair. «A tarefa de um primeiro-ministro em tempos difíceis, em circunstâncias em que lhe foi atribuído um mandato colossal, é continuar e é isso que eu vou fazer», garantiu.

Entretanto, quase 60 membros do seu governo demitiram-se entre terça e quinta-feira, incluindo o ministro das Finanças, Rishi Sunak e o ministro da Saúde, Sajid Javid, dois pesos pesados do Partido Conservador. Para além de parte do seu grupo parlamentar, vários ministros apelaram na quarta-feira a Johnson para que se demitisse. Uma delegação de meia dúzia de ministros foi à Downing Street, a residência oficial e sede do governo, para lhe pedir pessoalmente que se fosse embora.

No meio da crise, Boris Johnson demitiu Michael Gove, que era ministro da Habitação, um dos que lhe tinham pedido para deixar o cargo e um político muito próximo dele desde a campanha de Brexit. Algumas horas mais tarde, pouco antes das 7 da manhã de quinta-feira, dois outros ministros demitiram-se, o ministro do País de Gales e o ministro da Irlanda do Norte. Nadhim Zahawi, o recém-nomeado ministro das Finanças, apelou a Johnson numa carta publicada na quinta-feira para sair: «Faça a coisa certa e parta agora».

Recorde-se que quando Johnson sobreviveu à moção de censura dos deputados conservadores, devido às festas privadas que promoveu durante a pandemia, parecia ter escapado à demissão. As leis do partido fazem com que durante um ano não possa haver mais nenhuma moção de censura interna.

Durante todo esse escândalo, o primeiro-ministro apostou no agravamento da tensão entre a Rússia e a Ucrânia, apoiando o governo de Kiev para não cumprir os acordos de Minsk e tornando-se, depois da invasão russa, com os EUA, o país que mais apoio militar dá à Ucrânia de forma a garantir que a guerra continue. Mas nem a invasão russa à Ucrânia, nem a escalada militar e o perigo de uma guerra atómica impediram os britânicos de estarem cada vez mais descontentes com a actuação do governo e com o agudizar das condições de vida da maioria da população.

Boris sai mas quer governar

Uma fonte de Downing Street disse à BBC que Johnson falou com Graham Brady, presidente do chamado Comité de 1922 do grupo conservador do parlamento britânico, para o informar da sua decisão. «O primeiro-ministro falou com Graham Brady e concordou em demitir-se a tempo de um novo líder para a convenção de Outubro».

Johnson chegou ao poder em Julho de 2019, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros, depois de o partido ter forçado a expulsão de Theresa May no meio das negociações de Brexit, e ganhou as eleições gerais em Dezembro desse ano. O seu mandato foi marcado pelas turbulentas conversações para a saída oficial do Reino Unido da União Europeia e pela pandemia do coronavírus, na qual ele próprio foi hospitalizado em Março de 2020. Também esteve implicado em vários escândalos relacionados com a falta de transparência de aspectos da sua governação e de cumprimento das medidas de contenção para combate da covid-19.

Como dizia Marx, acerca de uma conhecida ideia de Hegel: a história acontece em tragédia e repete-se em comédia. Para a comunicação social, o gota de água que levou à demissão de Boris foi a nomeação do deputado conservador Pincher para um cargo governamental, apesar de se saber que tinha apalpado dois homens, sem o consentimento deles, num clube privado em Londres (o deputado disse apenas que tinha «bebido demais» e que tinha «feito figura de parvo»).

O primeiro-ministro reconheceu, depois de inicialmente o negar, que sabia que Pincher tinha sido investigado no passado por comportamento inadequado no local de trabalho. Johnson admitiu que foi «um erro» nomear Pincher para o cargo em Fevereiro passado e pediu «perdão». «Não há lugar neste governo para quem se envolva em comportamentos predatórios ou abuse da sua posição de poder», disse numa entrevista, na terça-feira, pouco antes dos anúncios de demissão dos seus ministros.

O escândalo esconde, com o barulho das luzes, a manifesta incapacidade dos conservadores de gerirem as consequências da crise pandémica e a grande subida dos preços agravada exponencialmente pela guerra na Ucrânia. Isso teve reflexo nas duas últimas eleições especiais locais, em que o partido de Boris Johnson teve significativas derrotas, nomeadamente num círculo eleitoral que sempre votou conservador.

Na altura dessas duas eleições intercalares, circulou um documento interno do partido que fazia uma análise catastrófica dos resultados.

Esse memorando anónimo que circulou entre os deputados conservadores advertia que Johnson já não é «um bem eleitoral», mas sim um obstáculo às suas perspectivas. «Ele perderá lugares na Muralha Vermelha (com maiorias inferiores a 10.000) para os Trabalhistas, e lugares na Muralha Azul (maiorias até 20.000) para os Democratas Liberais». Pelo menos 160 deputados estão em risco, concluíam os conservadores.

Os últimos escândalos do primeiro-ministro e o agravar da crise levou aos governantes próximos de Johnson a bater com a mão na mesa.

«Já chega», disse o ministro Javid a Johnson na sessão de escrutínio na Câmara dos Comuns nesta quarta-feira. «A minha conclusão é que o problema começa com o líder, e eu não penso que vá mudar. E isso significa que é a nós, os que temos a responsabilidade de fazer essa mudança».

Um dos últimos actos de Boris Johnson antes da eclosão da crise foi a carta que enviou à primeiro-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, em resposta ao apelo a um referendo sobre a independência da Escócia a ser marcado para 19 de Outubro de 2023. «Não posso concordar que agora é o momento de voltar ao assunto», escreveu ele. É o primeiro-ministro britânico que tem o poder de o autorizar, como David Cameron fez em 2014, quando ganhou, em referendo, a votação para a Escócia permanecer na União.

Cabe agora ao Partido Conservador escolher o substituto de Johnson até às próximas eleições gerais. Johnson quer manter-se no poder até lá, posição que é contestada por muitos conservadores e por todos os partidos da oposição.

A colunista de direita Katy Balls, do Spectator, escreveu que a saída de Boris pode, ainda assim, não salvar os conservadores.

«Qualquer pessoa pode pensar que o fim de Johnson vai significar um período mais harmonioso para o Partido Conservador, mas está provavelmente enganado».

Livrar-se de Johnson não vai significar o fim dos problemas dos conservadores. Quem quer que seja o escolhido, terá dificuldade em reagrupar a coligação de sectores políticos e sociais que lhe deram, ao actual primeiro-ministro, a folgada vitória nas eleições gerais de 2019.

Os conservadores conseguiram reunir, na altura, o voto tradicional dos sectores empresariais de direita, gente do centro temerosa de uma eventual vitória de Jeremy Corbyn, líder trabalhista com posições verdadeiramente de esquerda, e ainda somaram os votos de sectores da classe trabalhadora afectados pelas políticas neoliberais e da integração europeia e que votaram a favor do Brexit.

Acresce que o Reino Unido está a assistir a uma das maiores crises sociais e ao aumento da contestação, à medida que os preços sobem e o valor dos salários e reformas caem a pique.

As greves dos trabalhadores ferroviários foram poderosas e populares entre os sectores da classe trabalhadora afectados pela crise. Recentemente um ministro disse ao jornal Financial Times que o governo está a «andar sob o arame» para manter os salários baixos, sem correr o risco de multiplicar greves. «Se nos enganarmos, arriscamo-nos a ir para uma greve geral que criará tumultos que correm o risco de parar a economia e colocar o país num impasse.»

O que fez cair Johnson não foram os escândalos em si, mas a desorientação do governo ao responder a um terceiro ano de condições de emergência: a pandemia e agora a subida de preços. A inflação é a mais elevada do G7 e afecta uma gama mais vasta de bens e serviços do que em qualquer outra parte da Europa.

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