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|Mundial de Futebol

O futebol, o Mundial e o nosso dever de intervenção

Contra aqueles que acreditam que os problemas do Mundo se resolvem com o cancelamento dos mesmos nas agendas pessoais, o envolvimento e a intervenção nos acontecimentos como uma resposta aos problemas que estes podem estar a gerar. Uma oportunidade para pensar no que é o futebol e onde somos colocados pela realização deste Mundial no Qatar.

CréditosWalter Bieri / EPA

O que é o futebol

Desde sempre que, em quase tudo no mundo, se pretendeu ter a capacidade de dividir as coisas em dois, polarizando as escolhas como adesões inquestionáveis a um dos lados da contenda. Ao longo da sua história, o futebol foi apenas mais uma dessas coisas do mundo que se ama ou se odeia. Muitos e muitas dos apaixonados pelo desporto encaram o futebol como o irmão velho e rico que parece encostar-se ao seu privilégio para se impor sem qualquer preocupação com os restantes. O futebol enquanto ópio do povo também é uma ideia muito partilhada por uma determinada elite, tendente apenas a entender as dinâmicas negativas criadas por um acontecimento que convoca paixões e multidões onde quer que ocorra. Por outro lado, muitos daqueles que se embrenham no acontecimento futebolístico também o tendem a fazer de forma absoluta, incapazes de o questionar ou de analisar as diferentes escalas em que as coisas do futebol, como as de todas as outras coisas da vida, se podem dividir.

Gostar de futebol não é um contrato exclusivo com uma construção ilusória a partir de um desporto que tende a embrenhar-se numa dinâmica de dinheiro e poder. É, na verdade, muito do seu contrário. Porque apesar de todos os movimentos que se podem gerar em volta do terreno de jogo, o futebol continua a ser muito semelhante àquilo que sempre foi. Um período de tempo predeterminado, onde duas equipas de número igual de elementos tentam vencer a outra, dentro de um quadro de regras simples aceites pelas duas partes. Neste intervalo de noventa minutos, podemos assistir a todas as grandes dinâmicas da vida. A importância da preparação e do planeamento. A força da organização coletiva. A inebriante esperança de podermos ser melhores do que qualquer rival que nos desafie. A capacidade de transformar fraquezas em forças. A emoção de um objetivo alcançado. O drama de uma derrota inesperada. Tudo dentro desse quadro controlado de quem sabe que, amanhã, o nosso pensamento já estará a focar-se no desafio seguinte.

Mas o futebol é também um meio de transformação social. Dos jogadores, que chegam quase todos de classes menos privilegiadas e, através do seu talento e do seu trabalho, conquistam uma ascensão social inimaginável em qualquer outra área profissional. Das comunidades, que se organizam em redor de um clube e crescem e se desenvolvem como exemplos de cooperação e sucesso. Dos adeptos, que aí encontram maneiras de expressar as suas raivas e as suas esperanças, concentradas numa prática de afirmação que lhes é impedida em muitas outras áreas da sua vida. E de tantos, tantos outros, que acabam por encontrar no futebol uma maneira de explicar o seu mundo através de uma língua franca que lhes abre portas em qualquer labirinto. Tudo isto é o futebol, o futebol que apaixona, o que futebol que se reinventa, o futebol ao qual continuamos a aspirar.


Onde nos coloca este Mundial

A realização do Mundial no Qatar coloca-nos uma série de questões que são muito relevantes no quadro do mundo em que vivemos no ano de 2022. A ausência de transparência na atribuição deste evento, a quebra da tradição no período do ano em que ocorre, o posicionamento do país que o recebe na defesa dos direitos humanos, largamente deficitário em relação aos padrões mínimos exigíveis, os condicionamentos impostos a todos aqueles que visitem o país, as opções na defesa do planeta perante as ameaças das alterações climáticas e outras tantas notícias que chegam do Qatar são pontos que merecem preocupação e análise. Os Mundiais de futebol têm um historial de debate em relação aos países que os organizam. Assim foi em Itália em 1934, na Argentina em 1978 ou na Rússia em 2018, apenas para citar os casos mais paradigmáticos e comparáveis com o que vai acontecer no Qatar. Importante que em todos esses casos seja a memória do que estava mal em cada um desses países aquela que perdura na mente da maioria das pessoas.

Parafraseando Jorge Valdano, o Mundial do Qatar pode ser uma oportunidade. Aliás, a mesma oportunidade que o futebol sempre nos ofereceu. Para reconhecer o mundo para além do limite do nosso alcance e entendimento, para nos colocar perante o desconhecido, mas também para debater, discutir e denunciar tudo aquilo que nos vários países que disputam esta prova é digno de ser transformado. O futebol sempre foi e sempre será isso mesmo. A chamada de atenção para algo que merece ser observado. Aliás, o Qatar está já a passar por isso mesmo. A forma como várias notícias e campanhas têm sido desenvolvidas – acompanho de mais perto aquelas realizadas pela Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, mas existem mais organizações com trabalhos bastante meritórios, tal como vários jornalistas – já obrigou o país a modificar comportamentos que impedem que a situação dos trabalhadores seja tão má como já foi. Será preciso ir mais longe – o foco nunca deve ser apenas e só aquilo que é afetado pelo Mundial, mas em todos os cidadãos e habitantes, nas suas diferentes profissões e posicionamentos, merecem receber a nossa atenção e palavra. De maneira a que o Mundial seja uma janela onde a voz de quem tem algo a dizer encontre o palco que procura.

Os tempos que vivemos são particularmente tensos. Mas o esforço que fazemos terá de ser o de manter a capacidade para identificar as melhores maneiras de intervir em cada espaço. Compreendo perfeitamente quem prefere “cancelar”, nas suas agendas pessoais, a existência deste Mundial. No entanto, não alinho na opção de tapar os olhos e os ouvidos perante as injustiças do mundo. Bem pelo contrário. O Mundial será uma oportunidade para continuarmos atentos ao que acontece no mundo. Enquanto, no terreno de jogo, os melhores jogadores do mundo tentarão uma vez mais, através da expressão do seu talento, da sua inteligência e do seu trabalho, transformar o mundo a cada toque na bola. Poderão considerar isso uma utopia. Mas acredito ser um pouco mais do que isso. Acredito ser a minha obrigação de me envolver nas coisas para que delas se aproveite algo mais, através da observação e da análise. Daí que se entre, a partir de agora, em modo-Mundial, aqui por casa. Com a mesma dedicação de sempre.

Artigo publicado numa primeira versão no site luiscristovao.com 

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