|Saúde

«O capitalismo é a maior ameaça à saúde pública», alertam em Salónica

O capitalismo continua a ser a maior ameaça à saúde humana e do planeta, afirmaram académicos reunidos na abertura da XIX Conferência da Associação Internacional de Política da Saúde na Europa.

Actividades da XIX Conferência da Associação Internacional de Política da Saúde na Europa, na Universidade Aristóteles de Salónica (Grécia) 
Créditos / IPHU Thessaloniki

O encontro decorre desde quinta-feira na Universidade Aristóteles de Salónica, sob o lema «Capitalismo, Pandemia e Saúde Pública», procurando abordar questões como: desigualdade no acesso à saúde; cuidados de saúde universais e privatização dos serviços de saúde; desafios e oportunidades para a saúde pública ou migrações, guerras e saúde, entre outros.

Alexis Benos, um dos organizadores do evento, que hoje termina, disse ao Peoples Dispatch que o momento da sua realização é «lamentavelmente oportuno». «Quando a Grécia enfrenta os efeitos devastadores de cheias e reformas laborais danosas para os trabalhadores, é hora de abordar a causa principal de crises semelhantes pela Europa fora: o capitalismo», disse Benos.

Na conferência da AIPSE, académicos e activistas europeus, refere o Peoples Dispatch, têm a oportunidade de confrontar a teoria contra o capitalismo com exemplos práticos de lutas sociais contra as políticas de austeridade e a mercantilização da saúde.

«Estas tendências mudaram profundamente o panorama da saúde na região, num contexto em que o acesso aos cuidados de saúde continua a cair, as condições de trabalho no sector estão em declínio e os espaços de discussão sobre a saúde são ocupados pelo sector empresarial», sublinha a fonte.

Uma conferência «fora da esfera do mercado»

Ao contrário do que ocorre na maioria das conferências devotadas à saúde, este evento foi organizado sem depender de doadores empresariais. «Organizar uma conferência sobre os efeitos do capitalismo nos cuidados de saúde, com a participação de académicos, sindicatos e movimentos populares, e fazer tudo isto fora da esfera do mercado, é um verdadeiro feito», disse Elias Kondilis, membro do comité de organização.

Participantes na XIX Conferência da Associação Internacional de Política de Saúde na Europa, em Salónica / phmovement.org 

A ligação de investigação e activismo é uma das características que fazem com que esta conferência se distinga do conjunto de eventos em torno da saúde. O seu formato actual, refere o Peoples Dispatch, tem a ver com a história da organização.

Quando a AIPSE foi lançada a nível mundial, baseou-se fortemente no movimento anti-guerra associado à Guerra Americana no Vietname, recordaram Hans Ulrich Deppe e Asa Christina Laurell, dois militantes destacados da organização.

Nessa linha, a conferência deste ano foi construída por um grupo que integra estudantes e professores que partilham uma ligação forte a movimentos sociais de base.

Além de juntar teoria e prática, os encontros da IAHPE (na sigla em inglês) são marcados por outra característica distintiva: não hesitam em afirmar que o capitalismo é o maior perigo para a saúde. Ao insistir nesta afirmação e ao publicar as provas que a sustentam, a organização fez «o que era necessário», disse Vicente Navarro, um académico destacado no estudo dos factores sociais, políticos e económicos determinantes da saúde.

Persistem os efeitos devastadores da mercantilização na saúde

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«As nossas vidas, os lucros deles»: esquerda mobiliza-se contra Cimeira da Saúde

Várias organizações em Itália fizeram um apelo à mobilização em defesa da Saúde pública e do acesso equitativo às vacinas, quando se aproxima a Cimeira Mundial da Saúde, em Roma.

Organizações itaçlianas vão protestar a 21 e 22 de Maio, durante a Cimeira Mundial da Saúde, organizada pelo G20 e a Comissão Europeia. Na imagem, um protesto, em Abril, em defesa das vacinas como bem público comum 
Créditos / Peoples Dispatch

No dia 21 de Maio, caberá ao ministro italiano da Saúde, Roberto Speranza, fazer a abertura da Cimeira Mundial da Saúde, co-organizada pela Comissão Europeia e pelo G20, grupo das maiores economias mundiais, a que Itália preside este ano. Em resposta ao evento, diversas organizações sociais e partidos lançaram um apelo à mobilização para 21 e 22 de Maio. O Potere al Popolo! agendou uma manifestação nacional na capital para o próximo sábado.

Giuliano Granato, porta-voz nacional recentemente eleito desta coligação de esquerda, explicou ao Peoples Dispatch as razões da mobilização: «Já sabemos o que vai ser dito nestas reuniões do G20: muitas frases vazias sobre a necessidade de acelerar a campanha de vacinação, alguns fundos para a iniciativa Covax, que redistribui uma escassa quantidade de vacinas – sobretudo restos – ao Sul Global, mas nada de concreto será feito para abordar a verdadeira questão: a produção insuficiente de vacinas.»

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Bruxelas sacrifica saúde pública à guerra fria

Ursula von der Leyen argumenta que a produção da vacina russa «seria incapaz de corresponder à procura» europeia. Mas será que a Pfizer responde? A Moderna responde? A AstraZeneca responde?

A presidente da Comissão Europeia e o primeiro-ministro de Portugal reuniram em Lisboa para definir as prioridades para a presidência portuguesa, a 15 de Janeiro de 2021
CréditosEPA/MIGUEL A. LOPES / LUSA

O Departamento (Ministério) da Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos confirmou publicamente que realiza acções diplomáticas para dissuadir países de recorrerem a medicamentos produzidos por «Estados mal-intencionados» como a Rússia e a China. Um dos exemplos citados a propósito foi a intervenção para «persuadir o Brasil a rejeitar a vacina russa contra a Covid-19». Não explicando tudo, um episódio como este ajuda-nos a entender as histórias mal contadas que envolvem os processos de vacinação às escalas nacionais, regionais e global – e que estão a custar vidas humanas, pelas quais ninguém será, obviamente, responsabilizado.

«Bruxelas, refém dos contorcionismos da guerra fria, insiste em comprar o que chega quando chega enquanto se recusa a comprar o que poderia chegar a tempo e horas»

Os esforços contra as «influências malignas» que pretendem salvar vidas são realizados pelo Ministério norte-americano da Saúde por via do Office of Global Affairs (OGA), a sua «voz diplomática» em todo o mundo através da qual, como se lê no seu website, se pretende «proporcionar liderança e experiência em diplomacia e política de saúde global, de modo a contribuir para um mundo mais seguro e saudável». Com os resultados que estão à vista…

Os casos que vieram a público estão relacionados com «as Américas», o velho «quintal das traseiras» do império. Nada nos garante, porém, que os tentáculos do OGA fiquem por aí e não desenvolvam outros exercícios de «persuasão» contra os «Estados mal-intencionados» por exemplo na União Europeia, encarada de Washington como uma possessão ultramarina do mesmo império.

Poderá parecer especulação, uma abusiva transposição. Deixará de sê-lo, porém, se prestarmos alguma atenção ao comportamento da Comissão Europeia e da Agência Europeia do Medicamento (EMA) em tudo quanto diz respeito à aprovação, comercialização e inoculação das vacinas contra a Covid-19.

Muitas vezes a chave da realidade está nos pormenores. Então vale a pena atentar neste: a EMA considera que os países da União Europeia em vias de começar a fabricar e a utilizar a vacina Sputnik V estão a «jogar à roleta russa», uma vez que ela não foi aprovada pela própria agência europeia. Estamos, sem qualquer dúvida, perante um esforço de «dissuasão» bem ao estilo do OGA do Departamento norte-americano da Saúde e Serviços Humanos.

O que na verdade vários países da União estão a fazer ao preparar-se para produzir e utilizar a vacina russa é, afinal, uma fuga à malha de ineficácia tecida pela Comissão Europeia e pela EMA agindo como central de selecção, compras e distribuição de vacinas para favorecer alguns imunizantes em detrimento de outros – claro, os produzidos por «Estados mal-intencionados».

Soberania e saúde

Entre os países europeus que se preparam para produzir a Sputnik V, mercê de acordos estabelecidos com as autoridades russas, estão a Alemanha, a França, a Espanha e a Itália, nações com influência determinante na União Europeia. Não há maior confissão do fracasso de Bruxelas ao assumir o controlo do processo de vacinação nos 27 do que esta situação. E não há maior sinal de seguidismo doentio e nocivo para a saúde pública do que aquele que é dado pelos países que continuam agarrados à fracassada estratégia da Comissão Europeia e à discricionariedade da EMA, entre os quais Portugal. E não, não é uma questão de escala ou dimensão: entre os membros da União que vão fabricar a vacina russa está a Finlândia.

«Quando se pretende fazer crer que a Rússia e a China usam a vacinação contra a Covid-19 com o intuito de reforçar a influência geopolítica, o que acontece é precisamente o oposto: os Estados Unidos e a União Europeia politizam, de facto, a questão das vacinas chinesas e russa desenvolvendo propaganda para as desacreditar, inoculando o medo e a dúvida ou manipulando o mercado para as segregar»

Mais uma vez, o que está em causa é a soberania nacional e a capacidade de agir com independência e coragem em defesa das populações. Não é verdade, portanto, que o governo da República Portuguesa esteja a fazer tudo ao seu alcance para defender a saúde pública atacada pela Covid-19.

E, no entanto, não é necessário ser muito perspicaz para perceber que a pandemia confirma a total incapacidade da União Europeia para lidar com os problemas reais dos cidadãos dos Estados membros. Na primeira fase do combate, no Inverno/Primavera de 2020, a União desapareceu de cena e os países adoptaram a estratégia de cada um por si; chegada a hora da vacinação, a Comissão Europeia pretendeu controlar o processo e estamos novamente a caminho da situação de cada um por si. Alguns países já fabricam ou irão produzir vacinas que não foram aprovadas no espaço europeu; e outros já estão a ministrar a vacina russa sem se preocuparem com a «autorização» de Bruxelas, como é o caso, pelo menos, da Hungria, da República Checa e da Eslováquia.

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A saúde pública à mercê dos negócios e da cegueira geopolítica

As pessoas estão dramaticamente ansiosas pelas vacinas, pelo que não se questionam sobre quem e como as fabrica. E dispensam até a informação que lhes é devida por parte de quem fez as escolhas.

Um trabalhador da saúde prepara uma seringa com uma dose da vacina da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19, no Hospital do Santo Espírito, em Roma, Itália, a 2 de Janeiro de 2021
CréditosFabio Frustaci / EPA

A saga das vacinas em Portugal está distorcida. Centra-se na condenável batota para adulteração das listas de prioridades da vacinação que, apesar da sua gravidade, funciona como cortina de fumo para esconder aspectos muito mais inquietantes do processo, o principal dos quais é a submissão do governo e a abdicação da vontade própria perante a inconcebível e corrupta estratégia de selecção, compra e distribuição conduzida pela Comissão Europeia. Uma estratégia que se guia sobretudo pelo lucro e pela secundarização da saúde pública, desvalorizando e silenciando eventuais riscos associados.

O governo português prefere não ter voz na questão das vacinas da Covid-19. Remetendo-se à velha e nefasta posição de «bom aluno», sobretudo em tudo quanto diz respeito à imposição ilegítima do federalismo, arrasta os portugueses e o seu combate à pandemia para uma estratégia discricionária e prejudicial, centrada em volumes de negócios, em monopólios abusivos, em fantasmas e fundamentalismos geopolíticos – deixando a saúde pública à mercê de entidades cuja preocupação principal é a distribuição de dividendos aos accionistas e a recompra das suas próprias acções.

«As entidades seleccionadas para constituir o monopólio têm uma particularidade em comum: fabricam as vacinas contra a Covid-19 segundo metodologias que nunca foram experimentadas em seres humanos e, neste caso, nem mesmo testadas em animais. Em causa estão a tecnologia do ARN mensageiro (mRNA), no caso da Pfizer e de Moderna; e a utilização de adenovírus de chimpanzé, no caso da AstraZeneca»

Os resultados estão à vista. Falha retumbante e permanente nos prazos de entrega assumidos pelo monopólio dos gigantes da indústria farmacêutica na sequência de contratos parcialmente secretos e que os fabricantes das vacinas nunca tencionaram cumprir, sabendo que terão sempre tolerância para o fazer. Não é por acaso que os principais colossos da fabricação de vacinas conseguem amealhar anualmente quase quatro mil milhões de dólares em fugas aos impostos. Como igualmente não é por acaso que a Comissão Europeia tenha assumido, em nome dos governos dos Estados membros, que os fornecedores de vacinas escolhidos a dedo – fugindo às próprias regras de mercado – estejam isentos de qualquer responsabilidade em eventuais danos de saúde sofridos pelos cidadãos vacinados.

Esta é, de facto, a corrupção que mina profundamente o processo europeu de vacinação contra a Covid-19. A viciação das listas das prioridades é, neste quadro, um dano colateral, mais uma manifestação da corrupção nacional instaurada e enraizada ao longo de anos e anos de gestão do chamado bloco central.

Monopólio

A Comissão Europeia, entidade não eleita que há quase um ano vem fracassando estrondosamente na defesa da saúde dos cidadãos europeus perante a pandemia de Covid-19, assumiu autoritariamente a condução do processo de vacinação em nome dos governos dos 27.

A falha no combate à pandemia não é surpresa, sabendo-se que as pessoas nunca foram a preocupação da Comissão, como demonstram a generalização da política de austeridade e o descrédito absoluto do mito da «Europa dos cidadãos».

Por isso, entregar-lhe uma questão de vida ou de morte como é a da vacinação é um erro pelo qual os governos deverão ser responsabilizados. Uma irresponsabilidade que assume proporções de atentado contra a saúde das populações e mina o tremendo e desumano esforço que está a ser desenvolvido pelos profissionais do sector.

«Tendo em conta que está em causa o bem mais precioso das pessoas, a sua saúde, a Comissão Europeia e os governos não poderiam nem deveriam encerrar-se num processo estanque entregue a um monopólio pouco fiável em termos de respeito pela condição humana»

Como era de esperar, a Comissão Europeia entregou um processo tão sensível como o da vacinação ao monopólio dos gigantes farmacêuticos, neste caso representados pela alemã e norte-americana Pfizer em aliança com alemã BioNTech; e pela norte-americana Moderna, guiada por Bill Gates & Cia e protegida pela chamada «Aliança das Vacinas» (GAVI), na chefia da qual foi empossado recentemente Durão Barroso – e fica tudo dito. Como terceiro vértice do negócio, a Comissão tolerou a britânica e sueca AstraZeneca.

Os contratos acordados, e que estabelecem o compromisso de fornecimento de centenas de milhões de doses de vacinas, são parcialmente secretos. Informações sobre os seus conteúdos foram remetidas aos membros do Parlamento Europeu em versões censuradas.

O que diz bastante sobre a transparência do processo.

Bruxelas não se dignou explicar aos cidadãos as razões deste monopólio; em seu entender nem tem de fazê-lo. Sabe que as pessoas estão dramaticamente ansiosas pelas vacinas, pelo que não se questionam sobre quem e como as fabrica. E dispensam até a informação que lhes é devida por parte de quem fez as escolhas. Como já há muito vem dizendo o inevitável criminoso de guerra Henry Kissinger, não há como situações de medo e desconhecimento para que as pessoas se coloquem de bom grado sob poderes discricionários e autoritários.

As entidades seleccionadas para constituir o monopólio têm uma particularidade em comum: fabricam as vacinas contra a Covid-19 segundo metodologias que nunca foram experimentadas em seres humanos e, neste caso, nem mesmo testadas em animais.

Em causa estão a tecnologia do ARN mensageiro (mRNA), no caso da Pfizer e de Moderna; e a utilização de adenovírus de chimpanzé, no caso da AstraZeneca. Se isso é absolutamente seguro, na verdade não se sabe bem. As agências reguladoras que respondem perante a Comissão Europeia e os governos postulam que sim, que não há perigo. No entanto, basta consultar a base de dados de ensaios clínicos da Biblioteca Nacional dos Estados Unidos para ficar a saber-se, através do exemplo da Pfizer, que as vacinas da Covid-19 estão a ser ministradas ainda em período de testes. Percebe-se nessa documentação que a fase experimental iniciou-se em 29 de Abril de 2020; a fase das primeiras conclusões terminará somente em 3 de Agosto deste ano de 2021; e a data prevista para conclusão do estudo é apenas 31 de Janeiro de 2023.

«Incidências»

Apesar da situação de emergência que o mundo atravessa – e até por causa disso - um salto no escuro como este exige mais prudência verificada do que tranquilizações apressadas. Exige, sobretudo, informação e esclarecimento, que não são o forte deste processo.

Não é necessário investigar muito fundo através da internet para se perceber que existem casos de sintomas registados após a vacinação merecedores de explicações mais satisfatórias do que «situação normal», «coincidência» ou «a vacina não pode induzir a Covid-19».

«Alargando horizontes, a Comissão Europeia proporcionaria uma capacidade de escolha informada aos cidadãos e reforçaria a quantidade, minimizando os riscos de ruptura de abastecimentos»

Em Israel, por exemplo, onde decorre a mais vasta campanha de vacinação realizada até agora, com utilização do produto da Pfizer, 12 400 dos 189 mil vacinados testaram depois positivo à Covid-19 (6,2%), 69 dos quais já após as duas doses: 5,3% até ao sétimo dia, 8,3% entre o oitavo e o 14.º dia, 7,2% entre o 15.º e o 21.º dia e 2,6% entre o 22.º e o 28.º dia.

Por outro lado, no Sistema de Registo dos Efeitos Adversos das vacinas contra a Covid-19 do CDC dos Estados Unidos, VAERS, foram inseridas 9645 incidências até 22 de Janeiro, entre as quais 329 casos mortais, em pessoas que receberam vacinas da Pfizer e da Moderna. Trata-se de uma base de dados aberta e passiva onde são inscritos voluntariamente os casos registados – e que constituem uma pequena parte da realidade. O CDC considera que os números «estão dentro do esperado» e que não permitem deduzir que exista uma relação de causa e efeito entre a vacinação e os efeitos registados. Outras agências de controlo de doenças, designadamente a britânica e a europeia, procedem exactamente da mesma maneira perante a apresentação de situações adversas surgidas depois da vacinação.


Alargar horizontes

Na sua ânsia de conduzir o processo de acordo com os interesses que serve, os dos gigantes da indústria de medicamentos, a Comissão Europeia pôs claramente o carro à frente dos bois e arrastou os governos dos Estados membros numa estratégia infundamentada e sanitariamente arriscada.

Tendo em conta que está em causa o bem mais precioso das pessoas, a sua saúde, a Comissão Europeia e os governos não poderiam nem deveriam encerrar-se num processo estanque entregue a um monopólio pouco fiável em termos de respeito pela condição humana.

«existem governos, certamente não tão "bons alunos" como o de Lisboa, que começaram a traçar caminhos próprios para cuidar da saúde dos seus. O húngaro, do famigerado Orban, comprou vacinas russas; o sueco, farto de tanta espera, está a fazer o seu próprio contrato bilateral com a AstraZeneca; a Alemanha – a própria Alemanha, imagine-se – encara a possibilidade de fabricar a Sputnik V moscovita»

Tanto mais que, nos mais puros termos de mercado, existe ampla concorrência em relação à Pfizer, à Moderna e à AstraZeneca. Alguma dela com a vantagem de não ter aproveitado a ocasião para inventar através do recurso a metodologias nunca experimentadas em seres humanos e optar pela imunização à Covid-19 segundo modos mais tradicionais e cientificamente comprovados de produção de vacinas. É o caso, entre outros exemplos, da Coronavac chinesa e da Sputnik V russa. Que estão também elas em fase experimental, porque reduziram o período de duração dos testes e, no caso da russa, saltou também a fase de experiência em animais. Porém, têm a vantagem de resultar de métodos conhecidos e já com décadas de existência e prática, portanto com um histórico de efeitos e incidências menos sujeitos ao risco do desconhecido. A saúde de milhões de pessoas mereceria pelo menos que se pensasse nessas variantes.

Alargando horizontes, a Comissão Europeia proporcionaria uma capacidade de escolha informada aos cidadãos e reforçaria a quantidade, minimizando os riscos de ruptura de abastecimentos.

A Coronavac e a Sputnik V, no entanto, têm a inultrapassável desvantagem de desafiarem o garbo geopolítico ocidental, que pretende convencer as suas opiniões públicas de que sociedades tão «maléficas» não são capazes de produzir medicamentos pelo menos tão bons e eficazes como os dos monopólios farmacêuticos «civilizados».

Que não seja por isso. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, há quase 200 processos no mundo para produção de vacinas contra a Covid-19. Situação que aconselharia a Comissão Europeia e os Estados membros a estudar mais atentamente esses casos e a pesar de maneira muito mais fundamentada e eficaz a defesa do interesse que deveria estar no topo de tudo: a saúde pública.

Há, evidentemente, mais por onde escolher do que a Pfizer, a Moderna e a AstraZeneca com o seu penoso cortejo de atrasos, incumprimentos, garantias insuficientemente fundamentadas e ameaças para cidadão ver. A abundância prometida e contratada de centenas de milhões de doses transformou-se numa arrastada entrega de milhares, aos poucos e arrancada a ferros.

Por isso existem governos, certamente não tão «bons alunos» como o de Lisboa, que começaram a traçar caminhos próprios para cuidar da saúde dos seus. O húngaro, do famigerado Orban, comprou vacinas russas; o sueco, farto de tanta espera, está a fazer o seu próprio contrato bilateral com a AstraZeneca; a Alemanha – a própria Alemanha, imagine-se – encara a possibilidade de fabricar a Sputnik V moscovita.

A estratégia da Comissão Europeia começa a abrir rombos. O receio é que o governo português se lhe mantenha fiel até ao naufrágio anunciado.


José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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Quando se trata de impôr a austeridade, de asfixiar a soberania dos Estados membros, de abolir direitos cívicos, sociais e laborais dos cidadãos, a União Europeia avança com as velas do federalismo bem enfunadas: veja-se a pressa com que pretende criar o «certificado verde» sanitário, violando a privacidade dos cidadãos e instaurando um apartheid entre vacinados e não vacinados; mas quando o que está em causa é proteger as pessoas a União não sabe e, na realidade, não quer. Não nasceu e não existe para isso.

A narrativa ao contrário

Ambientes como estes são naturalmente permeáveis a manobras de «dissuasão» teleguiadas de Washington como armas de uma guerra fria que não poupa sequer a saúde pública e interpreta a realidade ao contrário. Quando se pretende fazer crer que a Rússia e a China usam a vacinação contra a Covid-19 com o intuito de reforçar a influência geopolítica, o que acontece é precisamente o oposto: os Estados Unidos e a União Europeia politizam, de facto, a questão das vacinas chinesas e russa desenvolvendo propaganda para as desacreditar, inoculando o medo e a dúvida ou manipulando o mercado para as segregar.

A EMA foi muito lesta a aprovar as vacinas produzidas pelos gigantes farmacêuticos Pfizer, Moderna e AstraZeneca, não hesitando sequer em dar luz verde a técnicas de fabrico nunca experimentadas em seres humanos, fazendo com que estes funcionem, de facto, como cobaias – e violando o Código de Nuremberga, que, no rescaldo das barbaridades nazis, proibiu experimentações em pessoas. As suspensões em série da utilização do imunizante da AstraZeneca, atrasando ainda mais o atrasadíssimo processo de vacinação na União Europeia, não são um bom presságio quanto aos procedimentos da EMA e à chancela política que lhes é dada pelos discricionários eurocratas.

Ao invés, a mesma EMA não teve ainda tempo para debruçar-se sobre a Sputnik V, por sinal a primeira de todas as vacinas contra a Covid-19 a ser produzida; acresce que esta agência europeia tem em seu poder, pelo menos desde 29 de Janeiro, todos os elementos necessários para fazer uma avaliação conclusiva, de acordo com informações divulgadas pelas autoridades russas. De então para cá, no entanto, a EMA já aprovou duas outras vacinas, muito mais recentes mas com a conveniente chancela «ocidental».

Mentiras e preconceitos de Ursula

Estamos perante um comportamento que visa evitar a utilização da vacina russa nos Estados membros da União Europeia, forçando muitos destes a contornar o diktat de Bruxelas negociando isoladamente com Moscovo para defender a saúde dos seus cidadãos. Mesmo que, por absurdo, não haja pressão directa do Departamento da Saúde dos Estados Unidos, Bruxelas há muito que assimilou a lição imperial sobre os «Estados mal-intencionados», mesmo que isso agora signifique, literalmente, a perda de vidas humanas.

«não há maior sinal de seguidismo doentio e nocivo para a saúde pública do que aquele que é dado pelos países que continuam agarrados à fracassada estratégia da Comissão Europeia e à discricionariedade da EMA, entre os quais Portugal. E não, não é uma questão de escala ou dimensão: entre os membros da União que vão fabricar a vacina russa está a Finlândia»

Além de impor a rejeição de vacinas existentes e disponíveis, a Comissão Europeia continua a enredar os Estados europeus na cadeia de atrasos sucessivos nos fornecimentos contratados com os laboratórios «bem-intencionados». Não admira que seja cada vez maior o número de países da União que tomam o processo de vacinação nas próprias mãos, defendendo a saúde dos cidadãos perante interesses que põem o clima de guerra à frente do respeito pela vida.

De uma maneira muito reveladora do seu manobrismo assente em mentiras e preconceitos, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, argumenta que a produção da vacina russa «seria incapaz de corresponder à procura» europeia. Mas será que a Pfizer responde? A Moderna responde? A AstraZeneca responde? No entanto, os laboratórios russos garantem que estão em condições de produzir mil milhões de doses da Sputnik V para os mercados internacionais durante o ano em curso. De tal maneira que o próprio Brasil, mesmo directamente ameaçado por Washington, acaba de encomendar dez milhões – mas entretanto quantas vidas se perderam?

Chegámos a uma situação em que a própria OCDE apela à União Europeia para acelerar a vacinação. Mas como, se Bruxelas, refém dos contorcionismos da guerra fria, insiste em comprar o que chega quando chega enquanto se recusa a comprar o que poderia chegar a tempo e horas?

Chama-se a isto defender a saúde das pessoas, respeitar os direitos humanos?


José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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A razão por trás desta falta é bastante conhecida: para manter margens de lucro extremamente elevadas, as multinacionais farmacêuticas mantêm as patentes sobre as vacinas, garantindo assim o monopólio e excluindo da produção laboratórios da maior parte do mundo, destaca o portal, accrescentando: «É espantoso que, no meio de uma pandemia, as vacinas e outros medicamentos produzidos através da investigação pública e pagos com os impostos de todos tenham o acesso restrito por patentes privadas.»

O Peoples Dispatch afirma que a opinião pública mundial é favorável a que as patentes se tornem do domínio público, e lembra que a Índia e a África do Sul apresentaram uma moção na Organização Mundial do Comércio, apoiada por mais de 100 países, a favor da suspensão da legislação das patentes – tal como o fez o director-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, mais de cem vencedores do Prémio Nobel e 75 antigos dirigentes mundiais. Em Itália, uma petição a solicitar o fim das patentes sobre as vacinas já obteve quase 50 mil assinaturas.

O lucro à frente do interesse público

Para alguns políticos, defender os interesses de umas quantas  multinacionais farmacêuticas está acima do interesse público mundial de controlar a pandemia o mais rapidamente possível. Enquanto essas grandes empresas lucram milhares de milhões, o Banco Mundial estima que, só em 2020, mais 100 milhões de pessoas tenham caído para o nível da pobreza extrema (menos de 1,9 dólares por dia).

O posicionamento neoliberal condena os países mais pobres e põe em risco as próprias populações no Ocidente. Giuliano Granato afirma: «Se não interviermos imediatamente, garantindo o aumento da capacidade de produção, existe o risco de novas vagas de coronavírus resistentes aos medicamentos actuais.»

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Parlamento Europeu chumba levantamento de patentes das vacinas

Os votos de PS, PSD e CDS-PP contribuíram para rejeitar a classificação das vacinas contra a Covid-19 como bem público e impediram a suspensão dos seus direitos de propriedade intelectual vigentes.

Um funcionário da China National Pharmaceutical Group (Sinopharm) trabalha com testes de vacinas contra a Covid-19 numa unidade de produção de vacinas em Pequim
CréditosZhang Yuwei / Xinhua

As propostas da consideração das vacinas como bem público e a derrogação temporária dos direitos de propriedade intelectual (nomeadamente das patentes) no que diz respeito tanto a vacinas como a tratamentos contra a Covid-19 foram elaboradas pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), que PCP e BE integram.

Estas iniciativas, que acabaram chumbadas esta quarta-feira por PS (à excepção da deputada Sara Cerdas que votou a favor), PSD e CDS-PP, foram discutidas no âmbito do debate mais amplo sobre a implementação do chamado certificado verde apresentado pela Comissão Europeia, um documento que tem por objectivo «certificar» a vacinação, o teste ou a recuperação da doença Covid-19, para vir a permitir a circulação entre Estados-membros.

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Covid-19. Governos recusam tornar vacinas bens públicos

A Organização Mundial do Comércio recusou levantar as patentes das vacinas para combater a pandemia. O AbrilAbril falou com o sociólogo Boaventura Sousa Santos e com o eurodeputado João Ferreira.

Há uma distribuição desigual de vacinas no mundo.CréditosSergey Dolzhenko/EPA / Lusa

A 18 de Janeiro de 2021, o director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, fazia uma constatação dramática do processo de vacinação: «Mais de 39 milhões de doses de vacinas foram inoculadas nos 49 países com o rendimento mais elevado. Somente 25 doses foram administradas nos países mais pobres. Não foram 25 milhões, nem 25 mil, apenas 25».

No dia 10 de Março, a Organização Mundial do Comércio (OMC) voltou a rejeitar o levantamento de patentes das vacinas da Covid-19, para que pudessem ser produzidas na maior parte dos países. A medida proposta pela Índia e a África do Sul tinha o apoio de 110 países, mas voltou a ser recusada pelos Estados Unidos da América, países da União Europeia, incluindo Portugal, e o Brasil. Tendo este último sido o único país em vias de desenvolvimento que se colocou ao lado dos interesses das grandes companhias multinacionais, isto apesar de quase 300 000 pessoas já terem morrido da pandemia no Brasil.

Indianos e sul-africanos voltaram a insistir que a escassez de vacinas no mundo seria em parte resolvida se as empresas abrissem mão das suas patentes e permitissem a produção dos produtos em versões genéricas, por laboratórios em todo o mundo. A proposta é alvo de ataques por parte dos governos europeus, americanos e de outros países desenvolvidos, que insistem na tese que quebrar patentes não resolveria a crise. Estes governos também alertam para que a iniciativa mandaria uma mensagem equivocada para o sector que fez investimentos para garantir as descobertas médicas.

Um argumento que é contestado pela cientista social e activista de defesa do acesso universal aos cuidados de saúde Gaëlle Krikorian ao jornal Le Monde: «É verdade que alguns laboratórios apostaram na produção de um novo tipo de vacina de RNA mensageiro. Mas será que podemos realmente falar de correr riscos quando tiveram o benefício de 30 anos de investigação sobre esta tecnologia, largamente financiada pelo sector público? Além disso, o facto de várias empresas lançarem praticamente o mesmo produto ao mesmo tempo atesta que todas elas beneficiaram do mesmo nível de conhecimento científico».

«A investigação médica é fortemente subsidiada. É financiada por fundos públicos através de muitos canais: programas de investigação em instituições públicas, financiamento de projectos, parcerias público-privadas, subvenções, créditos fiscais, mas também com o reembolso dos sistemas de segurança social e de seguros mútuos. Além disso, no caso da vacina Covid-19, existem mecanismos para apoiar a produção através de pré-compras ou financiamento do local. Estes mercados beneficiam tanto de um monopólio, na venda, como da garantia de serem pagos».

O eurodeputado comunista João Ferreira sublinha, ao AbrilAbril, que não é a primeira vez que, por interesses de saúde pública, as patentes são «quebradas», adicionando que «os próprios os EUA já o fizeram no caso do Tamiflu em 2017». No entanto, os governos da União Europeia e dos EUA usam a opacidade para insistir na manutenção das patentes das grandes multinacionais.

«A argumentação é absolutizar os direitos de propriedade intelectual, dizendo que seria uma desgraça porque as multinacionais não investiriam na investigação. Quando se contra-argumenta, que pode ser assim, mas que há circunstâncias que, por motivos de força maior e saúde pública, as patentes devem ser abertas, com maioria de razão quando houve um enorme investimento público que pagou grande parte da investigação e seguros de risco inteiramente financiados com recursos públicos» diz o eurodeputado.

Para acrescentar que «os governos juntam uma outra argumentação que, mesmo que a patente seja aberta, não se produziria muito mais, porque a vacina é muito complexa, tem cadeias de produtos e substâncias necessárias que já estariam a ser "exprimidas". Ignorando e escamoteando duas coisas, mesmo se aumentasse apenas 10% ou 20%, já era ganho. Mas sobretudo, que como estas patentes não são abertas esse argumento não é sequer escrutinável».

«Estamos numa discussão que é propositadamente opaca, como os contratos com as multinacionais. Os governos parecem mais preocupados em defender o negócio das multinacionais, embora elas tenham sido financiadas por recursos públicos, que a saúde das populações», defende o eurodeputado comunista.

Contratos escondidos

Os Estados-membros e a União Europeia estão a usar um duplo discurso. Enquanto fazem juras eternas de ajudar os países pobres na pandemia, na realidade, a realpolitik prevalece em benefício das multinacionais dos medicamentos. Apesar da grande opacidade que envolve os «acordos de compra antecipada» da União Europeia às empresas farmacêuticas, os elementos mais turvos são cada vez mais conhecidos.

Mais uma vez, aplica-se a lei de ferro do capitalismo neoliberal: a socialização das perdas e a privatização dos lucros. Os laboratórios foram subsidiados em milhares de milhões de euros pelos estados e pela Comissão Europeia – que pagaram mais de 2 mil milhões durante o desenvolvimento das vacinas – para a investigação e desenvolvimento, e depois para a produção em massa das doses, limitando assim os riscos das empresas. No entanto, as empresas mantêm o controlo sobre patentes, negociam duramente os preços com os governos e restringem potenciais doações e revendas a países em desenvolvimento.

Finalmente, a responsabilidade legal das empresas é reduzida ao mínimo no caso de efeitos secundários graves, que mais uma vez seriam suportados pelos estados signatários. Seria injusto culpar apenas as multinacionais que conseguem impor contratos tão grosseiramente desequilibrados.

Uma vacina só para os ricos mas que pode manter a doença em todo o planeta

Neste contexto tenso, é compreensível que as populações dos países em desenvolvimento já não sejam uma prioridade. Com as empresas farmacêuticas agarradas às suas patentes, os mecanismos Covid-19 Technology Access Pool (C-TAP) e Covax, destinados ao fornecimento de vacinas aos países pobres, não estão a funcionar.

De acordo com a Oxfam, 13% da população mundial, que vive em países ricos, encomendou previamente 51% das doses. E até no seio da União Europeia, as primeiras entregas revelaram desigualdades gritantes: Itália recebeu 9 750 doses, França 19 500 e Alemanha 151 125. Mesmo considerando as respectivas populações destes países, estas diferenças permanecem inexplicáveis e parecem sugerir que alguns são mais iguais do que outros. A Alemanha, além disso, está a negociar ao balcão doses adicionais, apesar de ser membro do mecanismo conjunto da Comissão para a aquisição de vacinas.

13%

De acordo com a Oxfam, 13% da população mundial, que vive em países ricos, encomendou previamente 51% das doses

Das 225 milhões de doses de vacinas administradas até agora, diz o director-geral da OMS antes da reunião da OMC, em artigo publicado no The Guardian, «a grande maioria foi de uns quantos países ricos e produtores de vacinas, enquanto os países de baixo e médio rendimento observam e esperam. Uma abordagem me-first [eu primeiro] pode servir a interesses políticos de curto prazo, mas é autodestrutiva e levará a uma recuperação adiada e demasiado lenta, com o comércio e as viagens a continuarem a sofrer. Qualquer oportunidade de derrotar este vírus deve ser agarrada com as duas mãos».

Tedros Adhanom Ghebreyesus afirma que uma série de medidas deve ser recomendada. «Quer se trate de partilha de doses, transferência de tecnologia ou licenciamento voluntário, como incentiva a própria iniciativa C-TAP da OMS, ou renunciando aos direitos de propriedade intelectual, precisamos de levantar todos os obstáculos».

O responsável da OMS apoia uma renúncia de patente que permitiria aos países fazer e vender cópias baratas de vacinas que foram inventadas noutros lugares, para garantir que toda gente é imunizada contra o coronavírus.

Quando a doença é a galinha dos ovos de ouro

Uma perspectiva que conta com o apoio pessimista do professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Boaventura Sousa Santos.

«Estou bastante pessimista, não me parece que na Organização Mundial do Comércio se vá vencer esta posição da indústria farmacêutica que tem sido prevalecente e defender a todo o custo os direitos de patente. Já no ano passado eles se tinham oposto a um licenciamento temporário da produção livre de vacinas, apenas durante o tempo que durasse a pandemia. Uma medida que foi vetada pelo Canadá, Estados Unidos da América e União Europeia, que têm uma influência enorme destas empresas que não querem permitir a quebra de patentes durante a pandemia», declara o sociólogo ao AbrilAbril.

Para eles, esta catástrofe «é vista como um novo negócio de ouro para os laboratórios. Até um comentador financeiro da CNN declarava que as vacinas eram, depois do petróleo, o novo ouro líquido. Vamos entrar num período, que descrevo no meu livro O Futuro Começa Agora, da Pandemia à Utopia, em que as vacinas vão ser sazonais, as mutações do vírus vão ser muito grandes. Tudo isto vai exigir, em permanência, a produção de novas vacinas. Esta pandemia, a primeira do século XXI, e que não será a última, existe em grande parte devido à globalização, à circulação por todo o planeta de pessoas e mercadorias, à comunicação mundial. Por isso, neste momento está tudo claro, se não se vacinar grande parte da população do mundo não haverá segurança em lado nenhum. Nem sequer para os habitantes do chamado primeiro mundo».

Segundo Boaventura Sousa Santos, se isso não for feito, o que vai acontecer é que as vacinas não vão conter a pandemia. Vão ser precisas novas vacinas, os confinamentos e mortes vão-se suceder, assim como se vai eternizar o negócio milionário de venda de vacinas.

No fim do ano passado, o Ministério da Saúde do Brasil confirmou, segundo escreve a revista Piauí, o primeiro caso de reinfecção por Sars-CoV-2 no país. Uma profissional de saúde de Paraíba, de 37 anos, sem comorbidades, apresentou dois episódios clínicos da Covid-19 em um intervalo de quatro meses.

No primeiro, em Junho de 2020, teve sintomas leves e sem complicações. No segundo, em Outubro, relatou fadiga e perda de olfacto e paladar. Investigadores da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, analisaram as amostras recolhidas em Paraíba e descobriram que a reinfecção havia sido causada por uma variante até então desconhecida do vírus – a sub-linhagem P.2, não alcançada pela acção de anticorpos de infecções anteriores.

As mutações mostraram aos cientistas que a esperada imunidade colectiva – que, em tese, protegeria a população conforme mais pessoas fossem infectadas – não era uma saída viável para a pandemia, pelo menos a curto prazo. Por enquanto, a vacinação é a única solução à vista, mas ela precisa de ser rápida. Especialistas alertam que a demora na campanha de vacinação, potencializada pela inépcia dos governos, pode ser mais uma ocasião para o surgimento de novas variantes da Sars-CoV-2.

Para Boaventura Sousa Santos, esta corrida para preservar a saúde só é possível num mundo em que se coloque a saúde à frente dos lucros. «A OMS podia ser uma plataforma para que a saúde fosse um bem público universal e, por maioria de razão, as vacinas também o seriam porque são absolutamente indispensáveis para se conseguir combater muitas doenças. Penso que esta seria a única solução que vamos ter no mundo, mas aparentemente só depois de uma desgraça ainda maior que esta, difícil de imaginar, é que os governos dos países desenvolvidos vão mudar a sua política de protecção ao negócio das farmacêuticas».

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A emissão a nível da União Europeia (UE) de um documento com este propósito levanta diversos problemas porque, desde logo, está a ser elaborado à margem da Organização Mundial da Saúde (OMS), afastando-se de uma perspectiva global; pode incorrer em dificuldades no âmbito da recolha e partilha de dados pessoais; para além de não ter como pressuposto que o essencial para o combate à pandemia é o alargamento urgente da vacinação à escala mundial.

Neste sentido, aquelas as propostas de alteração ao documento pretendiam assegurar o acesso universal às vacinas tendo em conta a profunda desigualdade que se vive no seu acesso a nível mundial, por força da manutenção nas mãos dos consórcios farmacêuticos as quantidades de vacinas disponibilizadas aos estados.

A actual situação contraria a ideia de que os povos só estarão seguros enquanto todos os países tiverem a maioria das suas populações imunizadas através da vacinação. Para contrariar estas prerrogativas dos grandes grupos farmacêuticos, propôs-se assim a partilha do conhecimento e o aumento da produção de vacinas, designadamente por via da eliminação ou suspensão de patentes e direitos de propriedade intelectual em favor do acesso universal e global, da produção local e do planeamento público da vacina como um direito universal.

Também foi rejeitada a possibilidade da UE apoiar a iniciativa apresentada pela Índia e pela África do Sul à Organização Mundial do Comércio com vista a uma derrogação temporária dos direitos de propriedade intelectual no que diz respeito às vacinas e aos tratamentos contra a Covid-19, e que as empresas farmacêuticas devem partilhar os seus conhecimentos e dados através do Repositório de Acesso à Tecnologia Covid-19 da OMS (C-TAP).

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O vírus pôs em causa os modelos da Saúde privada há muito alimentados pelo neoliberalismo, uma vez que a sua lógica de lucro máximo se mostrou inteiramente ineficaz na prevenção da doença. Países ricos, grandes potências económicas viram-se à mercê de pequenos países como Cuba, sem grandes recursos económicos, mas cujo modelo de desenvolvimento assenta na defesa da saúde e da investigação públicas, e que é direccionado para a melhoria das condições de vida das populações.

Nos países ricos, os recursos para construir um sistema de Saúde público e eficaz existem em abundância, sublinha o Peoples Dispatch, mas dispersam-se num modelo – capitalista – que distribui os fundos pelos accionistas das multinacionais. Aqui, acumula-se a riqueza dos multimilionários, que maior ficou em tempos de pandemia, de crise sanitária e de outras crises.

Em Roma, é tempo de luta pelo público

«Confrontados com um sistema que é injusto e ameaça a nossa sobrevivência, temos de o reverter, começando por tornar as patentes sobre vacinas inteiramente públicas. Com o festival poderoso do G20 em Roma, temos de nos unir para garantir que os nossos interesses são ouvidos», acrescentou Granato, que apelou à mobilização nos dias 21 e 22 de Maio.

As organizações e partidos aderentes fazem três exigências fundamentais. A produção das vacinas em larga escala sob controlo dos trabalhadores e o fim da privatização das patentes, bem como a produção massiva de testes e a testagem em massa, a começar pelos mais vulneráveis e mais expostos.

Um sistema de Saúde inteiramente público, assente na prevenção e na intervenção comunitária, contra a privatização deste sector – que bem mostrou ser ineficaz a defender a Saúde de todos.

Uma redistribuição radical da riqueza, que passa por um sistema tributário mais justo e pela taxação das grandes fortunas, especialmente dos super-ricos; a criação de um rendimento único de emergência que proteja as pessoas dos efeitos desta pandemia; o aumento geral dos salários – contra aqueles que querem que os trabalhadores paguem os custos da pandemia.

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«Embora os efeitos devastadores da comercialização e da mercantilização na saúde tenham sido repetidamente comprovados, a tendência persiste. As práticas mais preocupantes persistem nos Estados Unidos, onde o capital privado está rapidamente a assumir o controlo dos cuidados de saúde», destacou a médica norte-americana Steffie Wollhandler na palestra inaugural da conferência.

A tendência consiste em comprar entidades de saúde, incluindo consultórios médicos, «através de dívida que é transferida para a contabilidade da entidade adquirida», explicou Wollhandler. Isto sobrecarrega o consultório ou hospital que foi adquirido com custos de juros.

Em combinação com outras estratégias de maximização de lucros, como a venda de infra-estruturas ou a transformação de hospitais e consultórios em cadeias, este processo leva ao seu colapso e liquidação, deixando as pessoas sem acesso aos cuidados de que necessitam, alertou.

Para impedir a propagação desta tendência nos EUA e noutros países, «o trabalho da Associação Internacional de Política da Saúde e das suas organizações de apoio continua a ser crucial», disse Wollhandler.

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