Durante duas semanas de novembro, no coração da Amazónia brasileira, realizou-se a COP30 – a 30.ª Conferência do Clima das Nações Unidas. Mais do que um encontro anual, esta cimeira aconteceu num momento em que o próprio multilateralismo climático esteve à prova, pressionado por um mundo que se fragmenta. Guerras, genocídios, autoritarismos crescentes, comércio instrumentalizado e um caos digital desregulado moldam um ambiente geopolítico cada vez mais hostil à cooperação. A capacidade dos sistemas internacionais para manter alguma ordem parece corroída, e a insegurança entranhou-se no quotidiano – das ruas de Gaza às margens do Mediterrâneo, das periferias urbanas às florestas que receberam a COP. Há dez anos, o Acordo de Paris prometeu que a ação climática protegeria direitos e meios de subsistência, e que colocaria o peso da transição sobre quem mais contribuiu para a crise. Implicava colocar trabalhadores, comunidades e povos indígenas no centro – construindo um futuro baseado em justiça, equidade e solidariedade. Uma década depois, essa promessa permanece não cumprida. Temos uma ação climática estagnada, desigualdades que se aprofundam e milhões de pessoas deixadas para trás. As temperaturas sobem, os extremos intensificam-se, e os impactos agravam a saúde, a economia global e os ecossistemas. E os governos - sobretudo os mais ricos e poluentes - continuam a falhar redondamente na resposta coletiva.
A COP30 prometeu ser muita coisa: a COP da escuta aos povos indígenas, da mobilização social, da transição justa, da verdade. Mas a verdade que emergiu foi outra: enquanto o mundo se aproxima de pontos de não retorno, perdemo-nos em disputas de palavras nos corredores das negociações. O desfecho da cimeira pareceu um navio a entrar numa tempestade e a deitar fora a bússola. Com 27 horas de atraso e após uma evacuação causada por um incêndio, chegámos a um plenário final sem qualquer compromisso vinculativo para abandonar os combustíveis fósseis – apesar de serem a principal causa da crise climática. A influência crescente de lobistas fósseis, as negociações à porta fechada e textos apresentados sem transparência aprofundaram a erosão de confiança num sistema que deveria proteger as populações vulneráveis, não interesses corporativos. Ainda assim, entre tensões políticas, a COP30 alcançou um resultado significativo: a adoção do Mecanismo de Ação de Belém (BAM) – principal reivindicação da sociedade civil.
Pela primeira vez, um texto da COP afirma claramente que direitos humanos, direitos laborais, direitos dos Povos Indígenas e comunidades afrodescendentes, igualdade de género, empoderamento das mulheres, educação e inclusão de grupos marginalizados são pilares essenciais da ação climática. Este avanço resulta de anos de mobilização de sindicatos, movimentos sociais, feministas, jovens, povos indígenas, comunidades afrodescendentes e organizações da sociedade civil. É apenas o primeiro passo: agora importa garantir a operacionalização do mecanismo já no próximo ano.
«Pela primeira vez, um texto da COP afirma claramente que direitos humanos, direitos laborais, direitos dos Povos Indígenas e comunidades afrodescendentes, igualdade de género, empoderamento das mulheres, educação e inclusão de grupos marginalizados são pilares essenciais da ação climática.»
Mas em áreas críticas para proteger comunidades vulneráveis, como o financiamento e a adaptação, os resultados foram devastadores. A diluição das obrigações dos países desenvolvidos e o adiamento para 2035 da meta de triplicar o financiamento representam uma traição às populações do Sul Global, que já enfrentam perdas irreversíveis. Somou-se a isto um ambiente de militarização que marcou profundamente esta COP. A presença militar aumentava diariamente, transformando um espaço que deveria ser de participação popular num ambiente de vigilância e intimidação. Longe de proteger alguém, esta militarização agravou o racismo institucional e atingiu de forma desproporcionada lideranças negras, indígenas e de comunidades tradicionais.
O Brasil carrega um histórico de criminalização de movimentos sociais – dos massacres na Amazónia às repressões contra quilombolas, estudantes e defensores ambientais – e na COP30 a UNFCCC reforçou estas dinâmicas ao exigir «proteção reforçada». A reação desproporcionada surgiu após uma poderosa mobilização dos Munduruku, que exigiam acesso às negociações. «Chega de mercadoria com a nossa floresta. Não é possível que ninguém nos ouça», dizia Alessandra Munduruku. Prometeram que trazer a COP para a Amazónia daria visibilidade aos povos da floresta. Na prática, ergueu-se um cordão militar que afastou precisamente quem mais precisava de ser ouvido. A Amazónia esteve ali – presente, firme – mas a COP30 não esteve disposta a escutar. Ainda assim, houve sinais encorajadores de avanço político: mais de 80 países apoiaram a proposta brasileira para estabelecer um roteiro claro de transição dos combustíveis fósseis. Em resposta, a Presidência anunciou uma conferência dedicada à eliminação destes combustíveis, marcada para abril de 2026, na Colômbia – um país que desempenhou um papel decisivo na reta final das negociações.
«Prometeram que trazer a COP para a Amazónia daria visibilidade aos povos da floresta. Na prática, ergueu-se um cordão militar que afastou precisamente quem mais precisava de ser ouvido.»
Agora, todas as atenções se viram para a Turquia e a Austrália, que co-organizarão a COP31. Resta saber se será possível retomar a luta para eliminar os combustíveis fósseis sob a liderança da Austrália, que continua a expandir operações fósseis, e garantir a participação da sociedade civil na Turquia, onde as proteções dos direitos humanos e do protesto pacífico permanecem ameaçadas. Mas a COP nunca é um ponto final. É uma linha contínua de disputa política, reivindicação e construção colectiva, sustentado por quem defende a vida, o território e a dignidade. Se a COP30 deixou algo claro, foi isto: quando os espaços oficiais falham, são os povos, os movimentos e as comunidades da linha da frente que mantêm viva a possibilidade de uma transformação verdadeira. É de baixo para cima que se forja a justiça climática.
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