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Na Palestina, «há uma obstinada bandeira que se recusa a ser retirada»
A brutal repressão dos militares israelitas sobre os milhares de palestinianos que se mobilizaram esta segunda-feira na Faixa de Gaza cercada, junto à vedação que separa o enclave de Israel, provocou mais de cinco dezenas de mortos e deixou feridos mais de 2700.
Isto foi motivo de conversa entre os presentes, ontem, no Largo de Camões, antes das intervenções, e questão a que nenhum dos intervenientes escapou, enquanto repudiava a inauguração da Embaixada norte-americana em Jerusalém.
Tiago Santos, a quem coube a apresentação dos intervenientes, saudou as mais de 50 organizações que se juntaram às quatro que promoveram o acto público no Largo de Camões, destacando o seu significado e o que representava a presença dos muitos que ali se juntaram.
«Aqui estamos para apoiar os protestos legítimos e vigorosos do povo palestiniano. Aqui estamos para denunciar a violenta e a criminosa repressão contra os que, na Palestina, estão neste momento a lutar pelos seus direitos e pela paz, contra a violenta repressão que, só hoje e de acordo com números de há momentos, já provocou 52 mortos e mais de 2000 feridos [números conhecidos na altura]. Aqui estamos para dizer bem alto "não à agressão" e "fim à ocupação"», clamou.
«Cobertura dos EUA à política sionista»
Seguiu-se a intervenção de Filipe Ferreira, em nome do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), que classificou o acto público como «imprescindível», na sequência do «provocatório reconhecimento, pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de Jerusalém como capital de Israel» e de ter mudado para essa cidade a Embaixada do seu país.
Trata-se, em seu entender, de uma «clara afronta» e de uma «provocação», que visa «desestabilizar e incendiar ainda mais a situação na martirizada Palestina e em todo o Médio Oriente».
A transferência da Embaixada norte-americana para Jerusalém põe também em evidência a «cobertura desde sempre dada pelos EUA à política sionista de ilegal ocupação de territórios da Palestina por parte de Israel, incluindo a ocupação total da cidade de Jerusalém», afirmou, acrescentando que a cumplicidade dos EUA com Israel é responsável pela política de ocupação e repressão a que os palestinianos são submetidos.
Reafirmou a exigência às autoridades portuguesas para que reconheçam o Estado da Palestina. «Portugal deve estar do lado da paz e não da guerra; tem de estar do lado da liberdade e não da opressão; tem de estar do lado da soberania e não do colonialismo; tem de estar do lado da legalidade internacional e não do arbítrio e da violência», frisou.
«Há uma obstinada bandeira que se recusa a ser retirada»
Ana Souto, do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), leu o poema «Quero contar ao Mundo», de uma poeta palestiniana, onde ficam plasmadas as «vivências diárias, difíceis» de um povo «sujeito a práticas de terror, a uma violenta ocupação e colonização por parte de Israel».
Falou das duras condições de vida na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, da pobreza que ali impera, «onde há condições sanitárias deficientes, onde o acesso à água, aos cuidados de saúde é quase inexistente». É uma «prisão de escombros a céu aberto, onde os ataques de Israel não param», afirmou, para denunciar que «tudo isto acontece com a protecção cúmplice dos Estados Unidos da América e a complacência e o silêncio da União Europeia».
Referindo-se à transferência da Embaixada norte-americana, a dirigente do MDM afirmou que «os EUA reconhecem Jerusalém como capital de Israel, apoiam de forma incondicional a ocupação ilegal que Israel fez de Jerusalém Oriental, encorajam e apoiam a violenta ocupação dos territórios palestinianos, as criminosas políticas de Israel que violam e desrespeitam o direito internacional e as resoluções da ONU».
No final da intervenção, aludiu ao poema que lera no início, para lá ir buscar os versos: «na Palestina há uma obstinada bandeira que se recusa a ser retirada e persiste uma esperança que não pode ser derrotada.»
«Do que estamos a falar é de genocídio, barbárie»
«Um dia, 52 mortos, 2420 feridos. Não nos falem duma guerra, que há guerras em que não se morre assim. Não nos falem em confrontos. Do que estamos a falar é de genocídio, barbárie.» Foi assim que Carlos Almeida, vice-presidente do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM), deu início à sua intervenção.
Evocando a Nakba («catástrofe»), iniciada há 70 anos, que hoje se assinala e que persiste, Carlos Almeida disse: «Há 70 anos, a Palestina também estava a ferro e fogo. Até ao dia 15 de Maio de 1948, cerca de 400 mil pessoas já tinham sido expulsas das suas casas, expulsas das suas terras. Cerca de metade do total de refugiados palestinianos provocados pela Nakba já tinha sido lançada nos caminhos do exílio, da diáspora, da fuga perante o avanço da onda criminosa das milícias sionistas. Um caminho que foi pontuado por massacres» – e enumerou alguns deles.
O dirigente do MPPM explicou depois, com algum detalhe, episódios de saques a aldeias e vilas palestinianas, perpetrados em 1948 pelas milícias e brigadas sionistas do Exército israelita, cujos nomes listou e disse estarem «gravados a ferro e fogo na memória do povo palestiniano».
Lembrando as responsabilidades do imperialismo britânico – de quem «aprenderam bem a lição» –, afirmou que «esta campanha foi cuidadosamente planeada em nome de um objectivo: a limpeza étnica, a expulsão de toda a população palestiniana das terras, dos lugares onde sempre viveu».
Aludindo à falsidade do mito sionista da «terra sem povo», destacou: «Estes 70 anos são a história desta guerra de extermínio, são a história da resistência ao extermínio, ao genocídio, à barbárie, à aniquilação, à negação de que existe um povo e de que esse povo fala árabe e vive na Palestina há muitas gerações.»
Caracterizou Israel como «guarda avançada dos interesses do imperialismo e das potências ocidentais no Médio Oriente», salientando que as «suas guerras, que nos tentam vender como guerras defensivas, foram sempre guerras de agressão».
«É preciso denunciar a ocupação e a repressão israelitas, todos os dias; denunciar e condenar o cerco à Faixa de Gaza», disse, apontando esse território como «exemplo de resistência» e «lugar de todos os exílios».
Pese embora os «tempos sombrios que vivemos», destacou a presença de todos no Largo de Camões como «um acto de confiança no futuro» e lembrou que da «Palestina vem um exemplo heróico de um povo que resiste, com a sua vida, a sua luta, a sua determinação».
«Um povo impedido de desenvolver o seu país»
Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP-IN, sublinhou a necessidade da «solidariedade com o povo palestiniano, que continua a ser massacrado por um país que é apoiado pelo imperialismo e que continua a pôr em causa direitos e liberdades».
Disse «não aceitar o que se está a passar na Palestina, que um povo seja refém no seu próprio país; um povo que é impedido de trabalhar, que é impedido de produzir, que é impedido de desenvolver o seu país».
Como consequências da violenta ofensiva de que os palestinianos são alvo, destacou dados referentes ao emprego: «dois em cada cinco jovens estão desempregados; 40% da população em Gaza não tem emprego; e há milhares e milhares de trabalhadores palestinianos que, trabalhando em Israel, recebem metade do que auferem os israelitas», denunciou.
Em nome da CGTP-IN, passou a mensagem de que o povo palestiniano não está sozinho, e declarou: «O que é cada mais revelevante e fica aos olhos de todo o mundo é como um povo que sofre há 70 anos não se resigna, acredita e continua a ter uma juventude que continua a impulsionar a resistência e a acreditar ter nas suas mãos os destinos do seu país, que continua a lutar.»