A hegemonia norte-americana, no âmbito político e económico, já não é a mesma que em décadas anteriores; as múltiplas crises que assolam a humanidade intensificam-se cada vez mais; perante um cenário de crise, crescem as tensões geopolíticas; e as resistências dos povos apresentam-se de forma tímida, dificultando o nascimento de uma nova proposta capaz de superar a velha ordem mundial – afirma ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), no seu portal, como síntese do debate realizado esta terça-feira na mesa «Brics e os desafios da governança global no século XXI», durante a primeira Cimeira Popular do Brics, que começou dia 1 e termina hoje no Rio de Janeiro.
Ao intervir, o jornalista e analista político Breno Altman defendeu que a actual crise de governação e das instituições globais representa a crise da ordem mundial constituída na década de 1990, a partir da dissolução da União Soviética e o surgimento de um mundo unipolar sob a liderança dos EUA.
«Nós vivemos hoje um período de transição. A ordem estabelecida a partir de 1991, baseada na hegemonia do sistema imperialista liderado pelos Estados Unidos, está em crise, e ela submete toda a governança mundial também a uma crise de largas proporções», disse.
Em seu entender, o cenário internacional está marcado pelo conflito entre «essa velha ordem moribunda e uma nova ordem que ainda não amadureceu e não se consolidou no planeta».
Perante um cenário incerto e nebuloso, Altman apontou que não se deve subestimar as forças da velha ordem representada pelos países do Norte Global, e que tampouco devemos sobrestimar o potencial de uma nova ordem que procura consolidar-se como alternativa, como o caso do Brics.
«Se alguém entre nós tem a expectativa de que a crise da institucionalidade mundial possa ser resolvida a curto e médio prazo, lamento dizer que está com ilusões acerca de como o mundo funciona hoje. Eu não acredito que seja possível a construção de uma nova institucionalidade antes que a velha ordem criada em 1991 esteja morta e enterrada. E esta ordem unipolar, baseada na hegemonia norte-americana, terá que ser derrotada antes que venha a emergir uma nova institucionalidade internacional», analisou.
Testes vitais
Para Breno Altman, os países do Sul Global, sobretudo os que integram o Brics, estão a ser constantemente submetidos a testes que nos dizem se já há maturidade suficiente para o surgimento de uma nova ordem mundial.
«Nós temos que ter a modéstia de reconhecer que nós, em alguns desses testes vitais, fomos reprovados», avaliou. Altman refere-se, por exemplo, à questão da Palestina, na medida em que os países que integram o bloco ainda não mostraram qualquer acção prática para tentar deter o genocídio do povo palestiniano perpetrado pelo Estado de Israel, com o apoio dos EUA.
«É verdade que o Brics não se presta a isso, já que é uma articulação econômica, mas uma articulação econômica no seio de um bloco de países que se pretendem contra-hegemônicos. Esses estados principais pouco fizeram para tentar deter esse genocídio e pouco continuam fazendo para impedir o avanço do plano colonial de Donald Trump em relação à Faixa de Gaza. Os estados que integram o Brics não passaram nesse teste fundamental e isso revela as dificuldades ainda existentes», disse.
Outro teste em curso para os países-membros do bloco é, para Breno, a escalada dos EUA contra a Venezuela. Embora o país caribenho formalmente não faça parte do grupo, a agressão norte-americana contra a Venezuela representa uma ofensiva contra os interesses de todo o Sul Global e um ataque contra os interesses dos principais estados que integram o Brics. «Mas uma resposta contundente a essa escalada ainda não foi ouvida no mundo. E isso é grave e também demonstra a debilidade ou as dificuldades para que avancemos na constituição de uma nova ordem», alertou o jornalista.
Na sua perspectiva, enquanto o bloco contra-hegemónico não for capaz de se contrapor às guerras e às agressões imperialistas, que seriam as principais estratégias de sobrevivência da velha ordem, «não haverá a ultrapassagem da velha ordem, e ela sobreviverá o máximo de tempo que puder. Enquanto essa velha ordem não for derrotada por esse bloco contra-hegemônico, não emergirá uma institucionalidade nova».
Nesse sentido, o papel dos movimentos populares é fundamental para impor pressa e radicalidade aos governos que compõem o bloco, no entender do jornalista. «Não podemos fazer de conta que temos todo o tempo do mundo pela frente; não temos. Há batalhas em curso que são urgentes, e a principal tarefa dos movimentos é colocar urgência aos seus governos, sobretudo de situações extremamente perigosas», como no caso da Palestina, em defesa da Venezuela e na solidariedade com Cuba.
«Esses temas têm que estar permanentemente no nosso horizonte. São nestes testes de força que o campo contra-hegemônico poderá ou não se consolidar. A velha ordem é decadente, mas olhemos para a história: as velhas ordens não caem por si só», acrescentou Altman.
Cimeira Popular
A primeira Cimeira Popular do Brics começou no dia 1 de Dezembro e termina esta quinta-feira, no Armazém da Utopia, na cidade fluminense, apresentando-se como espaço de debate e ligação entre movimentos populares e a sociedade civil, com o objectivo de garantir um canal de comunicação permanente com o bloco oficial.
Ao longo destes quatro dias, a organização estimava que cerca de 150 pessoas de 21 países participassem nos debates sobre a cooperação económica e a construção da multipolaridade, a reconfiguração da geopolítica mundial, o papel do Brics e a questão da desdolarização.
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