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|Haiti

Movimentos populares haitianos rejeitam a possibilidade de nova intervenção externa

No Haiti, mergulhado em ciclos de crise humanitária, movimentos populares e organizações sociais defendem um governo de transição e a cooperação com o Sul Global para reconstruir o país.

Reyneld Sanon, militante e dirigente político haitiano e coordenador da Radyo Rezistans 
Reyneld Sanon, militante e dirigente político haitiano e coordenador da Radyo Rezistans Créditos / @brasildefato

Monyse Ravena, jornalista do Brasil de Fato, passou uma semana no Haiti, a convite de organizações e movimentos populares. Durante este período, Ravena ouviu mais de duas dezenas de organizações de defesa dos direitos humanos e todas foram unânimes em afirmar: a escalada da violência no país caribenho é estimulada por agentes externos à ilha e será provavelmente o argumento para uma nova intervenção militar – rejeitada pela sociedade civil do país –, comandada por forças estrangeiras e aprovada pelas Nações Unidas.

Uma outra crítica comum dos activistas é a cobertura que a imprensa internacional faz sobre o país. Exuma Emmanuel, comunicador da Radyo Rezystans e da Agência de Notícias Popular Haitiana (uma rádio on-line comunitária e popular com sede em Porto Príncipe), é incisivo:

«O tipo de cobertura internacional feita sobre o Haiti traz muitos efeitos negativos para quem vive aqui; um deles é vender a imagem de que é um dos piores sítios do mundo para se viver e isso também tem efeito sobre os haitianos que vivem fora do país», disse.

«Fora do país, os haitianos têm medo de se apresentarem como haitianos. Há outros efeitos políticos sobre o Haiti, desde a independência, as notícias negativas formam uma imagem», acrescentou.

Camille Chalmers, economista, professor e representante da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo (PAPDA), pergunta e responde: «Como é que as pessoas falam sobre a crise no Haiti? O discurso dominante da imprensa internacional é sempre sobre guerras, necessidade de ajuda humanitária.»

A jornalista Monyse Ravena esteve uma semana no Haiti a convite de várias organizações populares haitianas / @brasildefato

E explica: «Esse discurso vem desde o século XIX, porque as potências imperiais nunca aceitaram a independência do Haiti. O país ajudou em muitas independências e os [demais] países ficaram com medo da revolução haitiana.» Chalmers também destacou a continuidade e originalidade do movimento popular haitiano e a sua consciência anti-imperialista.

Aumento da violência e grupos armados

A situação do país é complexa, com um aumento da violência promovida pelos grupos armados que hoje controlam mais de 50% do território – um dado confirmado pelas organizações. A situação mais crítica é a da capital, Porto Príncipe. Grupos armados controlam vários bairros populares, estando implicados muitas vezes em assassinatos e sequestros.

De acordo com Exuma Emmanuel, «a violência estimulada quer impor ao país uma nova força de ocupação».

«As armas usadas pelos grupos armados nos bairros populares vêm dos Estados Unidos. O povo haitiano não é só um povo que está em desespero, está em luta», disse Emmanuel a Ravena, explicando que os gangues controlam zonas estratégicas ao instalarem um clima de terror e impedirem as pessoas de se organizarem.

Um relatório das Nações Unidas sobre a situação do Haiti aponta que a violência se intensificou em 2023. O número de assassinatos registados no país antilhano aumentou 21%, passando de 673 no último trimestre de 2022 para 815 entre 1 de Janeiro e 31 de Março. No mesmo período, os sequestros registados passaram de 391 para 637.

Os casos de violações de mulheres e meninas também se encontram entre as principais denúncias das organizações ouvidas pelo Brasil de Fato, num país onde existem estimativas de que 40% da população do país esteja em situação de emergência alimentar.

Caos económico… e político

A maioria da população não tem acesso a água potável, assistência médica e habitação adequada, num contexto marcado por elevada inflação («na casa dos 30%») e «câmbio volátil»; pelo aumento dos preços dos combustíveis («260% em dois anos»); por «uma nova crise migratória, com fuga de mão-de-obra qualificada».

Reyneld Sanon, coordenador da Radyo Rezistans, acusa a chamada comunidade internacional de apoiar um «governo criminoso». «Tudo o que fazem é para justificar o Haiti como uma entidade caótica», assevera.

Desde o assassinato de Jovenel Moïse, em Julho de 2021, a presidência está vaga e não há previsão de novas eleições. Logo em Julho de 2021, Ariel Henry foi nomeado primeiro-ministro, num processo que as organizações populares dizem ter ocorrido «por ingerência directa do Core Group (Grupo Central), composto pelas embaixadas da Alemanha, Brasil, Espanha, EUA, França, Canadá, União Europeia», bem como pelo representante especial da Organização dos Estados Americanos e o representante especial do secretário-geral das Nações Unidas.

Actualmente, não há parlamento, nem tribunais superiores a funcionar no país.

«Acordo de Montana»

Os movimentos populares e organizações que actuam na defesa dos direitos humanos propõem o estabelecimento de um governo de transição, como uma das saídas para crise que o país enfrenta. As propostas foram sistematizadas no chamado «Acordo de Montana», ao qual o Core Group se opõe.

Representantes de organizações e movimentos populares à conversa com Monyse Ravena em Porto Príncipe / @brasildefato

O acordo foi proposto em Agosto de 2021 pela Comissão para a Busca de uma Solução Haitiana para a Crise, um grupo que reúne organizações não governamentais, movimentos populares e religiosos, dirigentes políticos e intelectuais, que se juntaram após o assassinato de Moïse. O nome do acordo alude ao local onde o grupo realizava as suas reuniões, o Hotel Montana, em Porto Príncipe, explica a jornalista Monyse Ravena.

«A transição de poder pode ser de continuidade ou de ruptura, mas o governo actual é ilegítimo e ilegal», defende Camille Chalmers a propósito dos desafios que o país vive.

Sobre a possibilidade de uma nova intervenção estrangeira, Neidyson Cèzaire, comunicador, produtor e activista, é frontal a rejeitá-la: «A ajuda internacional dos países ocidentais nunca ajudou um país a desenvolver-se. O caminho para o Haiti é priorizar a cooperação Sul-Sul. Os países ocidentais odeiam o Haiti, querem fazer-nos pagar por sermos responsáveis por quebrar com a ordem mundial da escravidão», frisou.

Por seu lado, Chalmers sublinha que o Haiti precisa de «solidariedade real». «O imperialismo americano é um dos actores que estão a conduzir a crise. Temos, sim, a necessidade da construção de redes internacionais de apoio, mas não de intervenção militar», afirmou.

Em sentido inverso aos movimentos que lidam directamente com as populações, o primeiro-ministro, Ariel Henry, pediu ajuda militar internacional para combater os grupos armados, em Outubro de 2022 – ainda sem resposta. Contudo, existe a expectativa de que na próxima reunião do Conselho de Segurança da ONU, este mês, o assunto seja definido. Chalmers lembra que «cada intervenção [estrangeira] teve consequências graves».

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