Este país, criado em 1948 como compensação ao povo judeu na sequência do holocausto provocado pelo nazismo, com seis milhões de mortos nos patéticos campos de concentração, não desempenhou inicialmente o papel aterrorizador que apresenta hoje. Fruto das negociações franco-britânicas que procuravam gerir as reservas petrolíferas da região, surgiu o novo Estado, deslocando desde logo o povo palestiniano, mas sem apresentar o carácter belicista de hoje. Foi depois da Guerra do Sinai, em 1956, quando os Estados Unidos – já então uma potência global, em confronto com o seu principal rival, a União Soviética, na Guerra Fria – entraram no Médio Oriente, procurando dominar as fontes de ouro negro.
A partir de então, suplantando definitivamente a Grã-Bretanha como grande potência imperial, Washington começou a entronizar-se na região. Desde 1963, com a presidência de John Kennedy, a relação da Casa Branca com Telavive torna-se orgânica. Ali, e de forma progressivamente crescente, o Estado de Israel torna-se o posto avançado norte-americano numa área que considera vital para os seus interesses: uma reserva petrolífera, um ponto para bloquear a presença soviética de então, e, hoje, a possibilidade de entravar o desenvolvimento chinês gerindo os hidrocarbonetos.
«Israel, para lá dos sectores pacifistas que também existem, como Estado nacional cumpre na perfeição o seu mandato, aliás, não muito oculto, de defesa dos interesses extra-regionais: é o gendarme armado até aos dentes que a geoestratégia norte-americana destina à região»
Não é novidade nenhuma que Israel recebe grande ajuda militar norte-americana: quatro mil milhões de dólares por ano (17% da ajuda externa global fornecida por Washington). Através de complexos laços de interesses, o lobby judeu da superpotência – com grande poder de influência – conseguiu que tanto a administração federal como importantes sectores da iniciativa privada destinem enormes recursos ao país do Médio Oriente. O investimento não é gratuito. Israel, para lá dos sectores pacifistas que também existem, como Estado nacional cumpre na perfeição o seu mandato, aliás, não muito oculto, de defesa dos interesses extra-regionais: é o gendarme armado até aos dentes que a geoestratégia norte-americana destina à região, inclusive com armas nucleares, oficialmente não declaradas, mas de facto existentes (até 400 armas atómicas).
Desde a década de 1970, os Estados Unidos impuseram ao mundo a necessidade de adquirir dólares para, com eles, poder comprar petróleo. Ou seja, a maior parte do planeta, excepto a União Soviética, foi obrigada a depender da moeda norte-americana para ter acesso a um elemento tão vital no mundo moderno como esta energia, indispensável a tudo. Mas agora as coisas estão a mudar.
«Agora, o gás e o petróleo já não são negociados em petrodólares, mas sim noutras moedas. Isto significa o declínio final do imperialismo até agora dominante dos Estados Unidos. O mundo está a deixar de ser unipolar, e procura um equilíbrio multipolar.»
A China, com o seu modelo particular («socialismo de mercado»), começa a disputar a supremacia económica aos Estados Unidos numa base de igual para igual. Nesta perspectiva, anda de mãos dadas com a outra grande potência euro-asiática, a Rússia, uma potência militar incomensurável, que também fala cara a cara com Washington no campo da guerra. A aliança Pequim-Moscovo deu origem aos chamados BRICS, agora ampliados. Isto é: economias emergentes que, embora permaneçam capitalistas (com excepção da China), tentam distanciar-se da supremacia norte-americana. Agora, o gás e o petróleo já não são negociados em petrodólares, mas sim noutras moedas. Isto significa o declínio final do imperialismo até agora dominante dos Estados Unidos. O mundo está a deixar de ser unipolar, e procura um equilíbrio multipolar.
As petromonarquias do Médio Oriente, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, ou uma teocracia poderosa como o Irão, e também a Etiópia, um importante produtor de petróleo em África, ou a Rússia, outra importante fonte de hidrocarbonetos, começam todas a definir o preço do petróleo em moedas que não o dólar. Assim, está a constituir-se uma nova arquitectura global na qual o capitalismo ocidental (os Estados Unidos e o seu cortejo: a União Europeia, mais o braço armado da NATO) é confrontado por uma nova ordem internacional. O Médio Oriente, rico em petróleo, pode assim livrar-se de Washington.
«Para os países da região, os BRICS ampliados representam uma alternativa mais promissora e calma do que os belicistas Estados Unidos e a sua sucursal Israel, «um cão raivoso, demasiado perigoso para ser incomodado», como disse sem vergonha o general judeu Moshe Dayan.»
Nesta lógica, o hiper-militarizado Estado Israelita fica fora do jogo. Para os países da região, os BRICS ampliados representam uma alternativa mais promissora e calma do que os belicistas Estados Unidos e a sua sucursal Israel, «um cão raivoso, demasiado perigoso para ser incomodado», como disse sem vergonha o general judeu Moshe Dayan.
No contexto desta nova perspectiva que se abre com os BRICS, a guerra reaparece na região. O ataque do grupo Hamas em 7 de Outubro reabre o conflito regional. O Estado de Israel inicia uma ofensiva militar sem precedentes, massacrando a população palestiniana sob o pretexto de aniquilar o Hamas. O capitalismo ocidental, com o seu silêncio cúmplice, acaba por aprovar esta monstruosidade, e as Nações Unidas, mais uma vez, mostram-se ineficazes para travar o genocídio.
Os Estados Unidos precisam da guerra. Um Médio Oriente em chamas é funcional para eles, e é por isso que apoiam abertamente a injustificável e imoral intervenção militar israelita em curso na Palestina. Inclusive, prometem transferir milhares de milhões de dólares para apoiar esta aberração (mais de 10 mil palestinos mortos este mês). Israel volta a assumir o papel de «cão raivoso, demasiado perigoso para ser incomodado», como dizia o militar referido.
«É uma mensagem para a região: o genocídio do povo palestiniano em Gaza e na Cisjordânia mostra que Washington não procura de forma alguma a paz, mas antes justifica a guerra.»
É uma mensagem para a região: o genocídio do povo palestiniano em Gaza e na Cisjordânia mostra que Washington não procura de forma alguma a paz, mas antes justifica a guerra. A aniquilação dos grupos guerrilheiros (designados «terroristas») é a suposta razão das actuais acções de Telavive, com as quais todo o Médio Oriente arde, e a mensagem da Casa Branca se consuma: «afastem-se dos BRICS!».
A mensagem inclui também a Rússia e a China, que não poderão ficar indiferentes à forma como os seus parceiros e os seus investimentos na região são atacados, pelo que estamos no preâmbulo do que poderá ser uma nova guerra mundial. Um império em declínio como é hoje os Estados Unidos pode recorrer a tudo para evitar perder o seu ceptro. A guerra total é a sua saída?
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