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Marrocos expulsa fotógrafo português por documentar resistência saarauí

Rafael Lomba, fotógrafo português, foi expulso de Marrocos por documentar a resistência do povo saarauí contra a ocupação marroquina. O AbrilAbril falou com o fotógrafo que nos contou que num dia, aleatoriamente, tinha dez polícias à porta do quarto de hotel para o expulsar do país. 

Manifestantes saarauís pela independência do Saara Ocidental
Manifestantes saarauís pela independência do Saara OcidentalCréditos / arainfo.org

Com a conivência das grandes potências ocidentais, Marrocos mantém a ocupação dos territórios do Saara Ociental. A par da ocupação está a opressão a um povo que faz da resistência a sua forma de luta, mas também o silenciamento mediático dessa mesma resistência. 

Há, no entanto, quem procure intervir e denunciar, consciente dos riscos que isso acarreta. Como exemplo temos o caso de uma advogada francesa chamada Elise Taullet que, em Abril do ano passado, foi expulsa de Marrocos pelas autoridades marroquinas por se ter deslocado ao Saara Ociedental em coordenação com a Liga para a Protecção dos Presos Saarauís nas Cadeias Marroquinas.

A expulsão, para além de ser uma das faces da repressão, é também a tentativa prática de ocultar as atrocidades perpetradas pelo reino marroquino. O objectivo é simples: se ninguém denunciar não se fala da questão e, na falta de conhecimento, Marrocos fica livre e impune para continuar a impor o jugo ao povo saarauí.

Ainda este mês um fotógrafo português foi alvo da mesma acção. Rafael Lomba deslocou-se ao país situado no norte do continente africano para documentar a resistência saarauí e contou-nos a sua história. Falou com resistentes, alguns que estiveram presos, sentiu a presença policial que visa intimidar quem aspira a libertação dos seus territórios e apurou, na primeira pessoa, quais são as represálias para quem ousa insurgir-se. 

No dia 23 de Janeiro foi expulso do Saara Ocidental. O Rafael contou-nos que esteve lá nove dias e foi às cidades de Dakhla e Laayoune. Nesta última diz que «a presença da polícia faz-se notar» e são «várias as carrinhas de intervenção». O clima é de «clara intimidação» e a par do que é visível, não faltam «polícias à paisana em frente às casas de militantes da causa saarauí».

O trabalho do Rafael era simples: ele fotografava o que via e escrevia o que lhe contavam. No tal dia 23 de Janeiro visitou a casa de um activista que estivera preso 23 anos por se manifestar pacificamente contra a ocupação. «Eu entreviste-o, fotografei-o e no fim desse dia um jornalista do Équipe Média que me tinha levado a casa do activista tirou-nos uma fotografia com o seu telemóvel - a mim e a Mohammed Amash [o activista] e a outro activista, para recordação», contou-nos o Rafael. Mal sabia ainda o fotógrafo que esta fotografia era o rastilho para o que se sucedera. 

Por volta das 19 horas Rafael voltou para o hotel para fazer o que já estava rotinado a fazer ao longo dos dias em que esteve no Saara Ocidental: «cheguei ao hotel e comecei a editar as fotografias e a passá-las para o computador para mandá-las para Portugal. Fazia isto todos os dias para não as perder caso fosse apanhado», contou. Parecia um hábito premonitório já que, passada meia hora, segundo o mesmo, bateram-lhe à porta do quarto. Rafael diz ter achado estranho e escondeu logo os seus discos externos e os cartões de memória da máquina fotográfica. 

«Quando fui abrir a porta fui abordado por 10 polícias. Nenhum deles estava fardado. Pediram-me o passaporte e disseram-me logo que eu tinha 10 minutos para arrumar as minhas coisas e para os acompanhar que me iam expulsar do país», relatou o Rafael. A ideia era, de acordo com ele, metê-lo num carro para Agadir, mas o mesmo disse que tinha um voo sexta-feira de Casablanca para o Porto e perguntou se podiam, então, mandá-lo para lá. Disseram-lhe, sem grandes demoras, que não havia problema porque partia um avião para Casablanca em 20 minutos. 

Relatou o Rafael: «Entretanto deram-me 10 minutos e nesse tempo consegui apagar mensagens e fotografias, tudo o que tinha, nomeadamente os meus contactos e com quem tinha estado. Consegui apagar isso tudo».

Meteram-no num carro e foi aí que iniciaram o interrogatório. No carro mostraram-lhe a tal fotografia que o jornalista do Équipe Média lhe tirado anteriormente com o telemóvel, a fotografia onde estavam dois outros activistas. Contou o Rafael que mais tarde vieram a descobrir que o telemóvel do jornalista «estava sob vigilância das autoridades marroquinas com a tecnologia de origem israelita, o pegasus».

«Mostraram-me essa fotografia e começaram-me logo a perguntar sobre quais eram as minhas intenções com esse encontro, com quem tinha estado e se nos dias em que estive no Saara Ocidental tinha estado com mais alguém», conta o Rafael. O mesmo confirmou que tinha estado com as pessoas da imagem e, de forma a salvaguardar a integridade de terceiros, inventou umas histórias de forma a não revelar mais nada. 
 
Foi aqui que começaram as ameaças. Disseram-lhe que se ele não contasse tudo o que sabia não podia sair do país, mas de forma pouco convicta. Segundo o Rafael eles sabiam que ele era português e da União Europeia e, como tal, não estavam tão à vontade como talvez gostariam para ir mais longe nas ameaças.

Ainda assim, esse facto não os coibiu de dizer coisas como «vais ter problemas graves» ou «não vais embora daqui sem dizeres tudo o que sabes». Não houve ameaças físicas, mas estas já se revestem de uma gravidade inegável.

Chegados ao aeroporto, antes de embarcar para Casablanca, revistaram todos os pertences do Rafael. Nesse momento roubaram-lhe o telemóvel e começaram a vasculhar as mensagens. A câmera de filmar também sofreu o mesmo tratamento. Para azar das autoridades marroquinas, nos 10 minutos que tinham sido dados ao Rafael no hotel, este tinha conseguido apagar mensagens e trocado o cartão de memória que usava para registar o seu trabalho, por outro somente continha paisagens. Ficaram com esse último. Podem agora apreciar fotografias bonitas. 

Chegado a Casablanca, achando que não teria mais problemas, o Rafael falou com a mãe que se encontrava em Portugal e pediu-lhe, então, para comprar o voo e para arranjar-lhe um hotel para passar essa noite. A sua mãe assim o fez, mas o que o Rafael esperava não aconteceu.

Já saindo do avião, logo na pista de aterragem estava um polícia à sua espera que o cumprimentou e pediu para o acompanhar. Ficou 30 minutos às voltas no aeroporto escoltado por mais três polícias. Apesar do Rafael dizer que já tinha um voo marcado, eles não queriam aceitar e queriam certificar-se que eram eles que conseguiam despachá-lo para Portugal. 

«Eu pensava que eles me iam deixar sair do aeroporto e até aqui ainda tinha o telemóvel. Nem pensei em ligar nessa altura à embaixada. Pensei em ligar quando chegasse ao hotel. Nisto eles levaram-me para uma sala onde estava um polícia e disseram que ia ficar lá», relatou o Rafael. Mesmo este dizendo que se recusava e que já tinha um hotel marcado, a resposta foi só uma: «Não, vais ter que ficar. Não podes sair daqui».

Se a situação já não estava propriamente amigável, a postura e o tom do polícia que estava com ele mudou radicalmente depois do Rafael ter dito que queria falar com embaixada portuguesa porque queria saber os seus direitos e só caso a embaixada lhe dissesse que tinha que ficar, ele ficaria. «Ficaram mais agressivos, tiraram-me o telemóvel e disseram-me que enquanto estivesse em solo marroquino não podia ter contacto com ninguém e que só me voltavam a dar o telemóvel quando fosse para entrar no avião», contou.

Esteve 12 horas detido no aeroporto sem poder contactar com ninguém. Durante a noite pediu ao polícia que o estava a vigiar, a ele e a mais 5 pessoas do Senegal que estavam a tentar chegar à Turquia e Marrocos, para poder falar com a sua família. O pedido foi recusado. O Rafael era o único que não tinha acesso ao telemóvel.

Contou-nos que nessa noite, o polícia que o estava a vigiar foi bastante agressivo consigo porque ele tinha apresentado resistência quando lhe retiraram o telemóvel. O tal polícia «tornou-se mesmo muito agressivo», fazendo-lhe peito e ameaçando-o, embora nunca tenha partido para a agressão física. O grau de intimidação era tal que as restantes pessoas que estavam na sala foram proibidas de falar com o Rafael: «isolou-me e disse que eu era uma pessoa muito perigosa porque desconfiavam que eu era jornalista».

Libertaram-no no momento do embarque, altura em que lhe devolveram o telemóvel e o passaporte. Diz o Rafael que não lhe disseram nada dessa vez, mas que em Laayoune já lhe tinham dito que estava proibido de voltar e que não era bem-vindo alí. 

A história do Rafael dava um filme, mas infelizmente é a realidade. É certo que o Rafael não sentiu um décimo do que sente o povo do Saara Ocidental, mas não é menos certo que a gravidade da questão merece toda a denúncia. Rafael Lomba, fotógrafo português, foi expulso de um país por documentar a luta de um povo que vê o seu território ocupado e como tal foi intimidado e ameaçado. Viu os seus direitos violados, mas não se calou. Resta-nos partilhar a sua história e denunciar que a poucos quilómetros daqui, a opressão tem reino, mas a resistência tem palco. 
 

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