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Manifestações no Iémen pela soberania do país e o fim da agressão saudita

O quarto aniversário da agressão saudita foi assinalado no Iémen por grandes manifestações em defesa da soberania nacional e de repúdio contra a intervenção estrangeira naquele país.

Mulheres iemenitas acenam bandeiras durante um comício de denúncia do quarto aniversário da campanha militar liderada pela Arábia Saudita (aliado dos EUA na região) no Iémen, em Sanaa, Iémen, 26 de Março de 2019. A agressão saudita já provocou mais de 15.000 mortos.
CréditosYahya Arhab / Agência Lusa

Dezenas de milhar de iemenitas manifestaram-se em Sanaa e outras cidades do Iémen em defesa da soberania nacional e para demonstrar o seu firme repúdio pela agressão militar da coligação dirigida pelo regime saudita, à passagem do quarto aniversário da intervenção militar levada a cabo no Iémen por uma coligação financiada e dirigida pela Arábia Saudita e apoiada pelos EUA, com o propósito declarado de recolocar no poder Abd Rabbuh Mansur Hadi, um aliado próximo de Riade afastado da presidência no início de 2015 pelo movimento popular huti Ansarullah.

Significativas manifestações ocorreram em cidades como Saada, Taizz, Ibb, Bayda e Raymah desde segunda-feira, mas a maior concentração foi esta terça-feira, dia 26 de Março, na capital, Sanaa, reporta a iraniana PressTV, citando fontes locais. Desde as primeiras horas da manhã de terça-feira os manifestantes encheram a praça Sabeen, no centro de Sanaa. Combatentes empunhando Kalashnikovs e as suas adagas tradicionais, e civis, incluindo mulheres e crianças, muitos exibindo pintada no rosto a bandeira nacional, empunharam cartazes e bandeiras do Iémen e entoaram palavras de ordem contra a Arábia Saudita, Israel e os EUA.

«O Iémen derrotará os invasores»

Entre os oradores, o Grande Mufti do Iémen, líder religioso do país, apelou aos países árabes e às comunidades e líderes muçulmanos em todo o mundo para não permanecerem silenciosos e condenarem os crimes cometidos contra os iemenitas pelo regisme saudita e osseus aliados.

O presidente Mohammed Ali al-Houthi, presidente do Supremo Conselho Revolucionário do Iémen, afirmou que «a nação iemenita continuará a lutar e jamais se renderá. Acabará por derrotar o inimigo», ao que a multidão respondeu cantando «por cinco ou cinquenta anos, enfrentaremos a coligação criminosa». Na arena internacional, aquele dirigente condenou a decisão do presidente norte-americano Donald Trump de reconhecer os territórios sírios  dos montes Golan, ocupados por Israel, como «território de Israel».

Em discurso transmitido ao vivo pela televisão iemenita na tarde de segunda-feira, Abdul-Malik al-Houthi, líder do movimento político-religioso huti – também conhecido por Ansarullah (de Ansar Allah, ou «Apoiantes de Deus») – que se tem afirmado como a mais importante força política do Iémen, afirmou que o regime saudita falhara os seus propósitos, apesar do apoio recebido de Washington e outros seus aliados. «Riade e os seus aliados pretendem pilhar os recurssos petrolíferos do Iémen», proclamou, acrescentando que «a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos» (EAU), uma peça chave da coligação dirigida pelos sauditas, «enfrentam desafios económicos resultantes de uma guerra prolongada», que contraria as predições do regime saudita de «uma vitória em poucos meses».

Acerca do ex-presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi, apoiado por sauditas e americanos – que nem sequer arrisca a presença em em território iemenita ocupado pelas forças invasoras, preferindo movimentar-se entre Riad e Washington, onde ainda recentemente permanecia – o líder Huti afirmou que «ninguém tem o direito de vender o seu país [ao estrangeiro] e derramar o sangue do seu povo» – negando-lhe qualquer futuro político no Iémen.

Hadi, que resignara ao seu cargo e abandonara o país na sequência da vitória do movimento huti, estabelecendo-se em Riade, capital da Arábia Saudita, aproveitou a intervenção saudita para renovar as suas pretensões à presidência iemenita.

O movimento Huti tem governado o Iémen a partir de Sanaa, ao mesmo tempo que lidera as forças iemenitas em contra-operações contra os agressores liderados pelo regime saudita.

Quatro anos de guerra e destruição

Foi a 26 de Março de 2015 que a Arábia Saudita lançou uma poderosa ofensiva contra o seu vizinho do Sul, com ataques aéreos em vários pontos do país, tendo como objectivo declarado recolocar no poder Abd Rabbuh Mansur Hadi, um aliado próximo de Riade que se demitira da presidência.

Além dos ataques aéreos iniciais, a campanha militar saudita, que conta com o apoio directo de países como os EAU, o Catar, o Bahrein, a Jordânia e Marrocos, envolve operações no terreno e um bloqueio naval, bem como a intervenção de empresas de mercenários, pagas pelos EAU. A guerra tem sido um negócio importante para diversos países ocidentais, como os EUA, o Reino Unido, ou Espanha, que intercalam declarações sentimentais pelas baixas civis causadas pelo conflito com novos e avultados fornecimentos de sofisticado material de guerra ao exército saudita.

Do ponto de vista militar, a guerra tem-se caracterizado, por um lado, pela inesperada capacidade de resistência iemenita ao moderno e poderoso exército saudita o qual, em armamento, se encontra entre os dez mais bem equipados exércitos a nível mundial, chegando mesmo a contra-atacar os invasores no interior do seu próprio território; por outro, pela permanente violação, pelas forças invasoras, das mais elementares regras da guerra, atacando alvos civis deliberadamente, em punição pelas derrotas militares que vem sofrendo.

Hoje mesmo, pelas 9h30 locais, um míssil da coligação atingiu um posto de gasolina à entrada de um hospital rural em Saada, no noroeste do país, a 100 quilómetros da capital, matando sete pessoas, quatro das quais crianças e duas trabalhando no hospital, segundo a Fundação Thonsom Reuters, citando uma declaração da Save the Children que também assinala a existência de oito feridos.

A guerra de agressão conduziu à destruição de muitas das infra-estruturas – casas, escolas, hospitais, fábricas, explorações agrícolas – daquele que é considerado o país mais pobre do mundo árabe e a baixas elevadas entre combatentes mas também entre a população civil.

Uma tragédia humanitária sem precedentes

Andrea Carboni, de uma organização não-governamental (ONG) constituído por um grupo de investigação associado à Universidade de Sussex (Reino Unido), o Armed Conflict Location and Event Data Project (ACLED), que procura estabelecer o número real de baixas em conflitos, afirmou ao Independent que os resultados encontrados fazem admitir um total de mortos, para os quatro anos de guerra, na ordem das 70 a 80 mil vítimas, entre combatentes e civis. «Estimamos que 56 mil combatentes e civis foram mortos entre Janeiro de 2016 e Outubro de 2018 [apenas]», declarou.

A organização é fortemente crítica da aceitação de uma estimativa de 10 mil mortes – algo que o quotidiano britânico também considera «um número misteriosamente baixo dada a ferocidade do conflito». Esse número, frequentemente referido, foi anunciado no início de 2017 (com menos de dois anos de guerra) por um representante das Nações Unidas (ONU) e, incompreensivelmente, tem-se mantido inalterado desde então. Na sua origem estarão, segundo a referida fonte, «dados recolhidos exclusivamente no frágil e limitado sistema de saúde iemenita», e a continuação da sua referência tem servido à Arábia Saudita e aos EAU para «desvalorizar a perda de vidas humanas» no conflito.


«Ao contrário da guerra na Síria, os governos americano, britânico e francês não tèm interesse em destacar a devastação causada no Iémen» já que têm dado «cobertura diplomática à intervenção saudita», escreve-se no Independent, acrescentando que «a sua deliberada cegueira à morte de tantos iemenitas começa a atrair uma maior atenção» em resultado da degradação da imagem internacional do regime saudita após o assassinato premeditado de Jamal Khashoggi em 2 de Outubro de 2018 por agentes sauditas.

Como consequência da guerra, o Iémen vive actualmente «a pior crise humanitária naquele país árabe nos últimos 100 anos», com 22,2 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, incluindo 8,4 milhões afectadas por «fome severa», segundo a ONU, e 2 milhões de deslocados vivendo em condições muito difíceis.

A ONU tem procurado promover o diálogo entre as partes com vista à resolução do conflito, naquelas que são consideradas «conversações muito duras».

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