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|movimento estudantil

Maio de 68: «Tous ensemble, dix ans, ça suffit!»

Algumas notas pessoais sobre mitos criados a propósito de acontecimentos que também vivi, já na segunda quinzena de Maio, e que foram uma manifestação de inconformismo e revolta na sociedade francesa.

Créditos / fabiocampana.com.br

Ao Maio de 68, a todos os acontecimentos desse ano em todo o mundo, ninguém ficou indiferente. Gostasse ou não deles. Passar do sonho e da utopia à realidade deu força a outros movimentos, mesmo os da intimidade, dos costumes, da igualdade de sexos e da «revolução sexual», que não ficando concluídos, contribuíram para novos comportamentos, ideias, para o carácter do ensino e a atitude dos professores, para a confiança na força da contestação do que parecia imutável e da sua capacidade de transformar.

Mas os media dominantes também criaram mitos, uma interpretação própria das causas e consequências, valorizaram aspectos marginais, desprezando o essencial do que se passou.

Houve os que agiram com uma agenda própria de retirar do movimento operário e da população em geral a influência de organizações políticas e sindicais, que lhes tinham sido essenciais no confronto com o patronato e a direita – o Partido Comunista Francês (PCF) e a Confederação Geral do Trabalho (CGT).

Estas são apenas algumas notas pessoais, sobre mitos criados a propósito de acontecimentos que também vivi, já na segunda quinzena de Maio, e que foram uma forte manifestação de inconformismo e revolta na sociedade francesa.
  
As expressões Tous ensemble e Dix ans, ça suffit foram as que melhor expressaram, na minha opinião, o que se passou, depois de ter acompanhado na onda curta da rádio os acontecimentos, de troca de impressões com outros activistas estudantis na Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, e de lá ter ido dias depois.

Há dez anos, Sarkozy pretendeu removê-lo da História, afirmando que esse Maio «impôs a ideia do vale-tudo, que não haveria diferença entre o bem e o mal, nenhuma diferença entre o verdadeiro e o falso, entre o belo e o feio. Tentaram fazer crer que o aluno tinha o valor do mestre, que já não existiam valores nem hierarquia».

E rematava, não escondendo qual era a sua inclinação: «Trata-se, enfim de saber se a herança de Maio de 68 deve ser perpetuada ou se se deve liquidar de uma vez para sempre». Agora Macron pretendeu dar-lhe um cariz liberal… As «comemorações» oficiais vão decorrer no Centro Georges Pompidou (o primeiro-ministro de então, responsável pelas brutais cargas da polícia de choque, os CRSs, sobre os manifestantes). Vendo o programa divulgado no início deste ano não há vestígios do papel dos trabalhadores…

Maio de 68 nunca deixou de amedrontar a direita. A convergência das lutas de trabalhadores e estudantes então, e nos dias seguintes, meteu-lhe medo. Ainda há dez anos, o primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, foi obrigado a recuar no seu projecto de CPE (contrat première embauche, trad. primeiro contrato de trabalho) porque de novo o Tous ensemble se lhe opôs com uma grande pujança.

Os estudantes não aceitavam o ainda existente ensino magistral desligado da realidade, nomeadamente nas ciências sociais. Nem a discriminação sexual, quando as relações entre raparigas e rapazes já tinham atingido um outro patamar de liberdade e de abandono de complexos.

«A aura de De Gaulle tinha chegado a 1968 completamente desfeita entre os trabalhadores. O número de dias de greve passara de menos de um milhão em 1965 para 2,5 milhões em 1966 e mais de 4,2 milhões em 1967.»

Nem costumes e ideias feitas, caducas, em que assentavam algumas relações sociais e a família. As questões da emancipação da mulher, do aborto e repressão sexual surgiram de forma impressiva. Enquanto absorviam uma influência significativa de acontecimentos internacionais como a Guerra no Vietname, as revoluções cubana e noutros pontos, concluindo uma sucessão de independências. Rejeitando a hipocrisia da invocação de direitos humanos, de facto não respeitados e rejeitando o autoritarismo do presidente De Gaulle.

Um colega meu do IST, o Henrique G. Pereira, anarquista, que andou na Sorbonne e no Quartier Latin nesses dias, depois de ter seguido a consigna inscrita na Sorbonne N’ allez pas en Grèce cet été, restez à la Sorbonne, e optado por umas «férias radicais», escrevia em 2008: «Ao voltar ao Técnico em Outubro de 1968 encontrava-me totalmente imbuído do espírito de Maio – esse ânimo que punha em prática a tal indefinível beleza compulsiva anunciada por Breton (e que se espalhava pelo Planeta, nas cintilantes insurreições da juventude contra uma qualquer autoridade)». Sim, isso aqui estava no ar, mesmo que longe dos acontecimentos.

Os trabalhadores, partilhando algumas destas preocupações e influências, reclamavam crescentemente, no essencial, o fim da exploração e das desigualdades agravadas no crescimento e concentração da economia, com a presença ao lado da classe operária de quadros e empregados que não se limitavam à reprodução dos valores do sistema, antes apresentavam reivindicações próprias e estando muito presentes nas lutas sindicais.

A aura de De Gaulle tinha chegado a 1968 completamente desfeita entre os trabalhadores. O número de dias de greve passara de menos de um milhão em 1965 para 2,5 milhões em 1966 e mais de 4,2 milhões em 1967.

Estava em curso um processo negocial entre as centrais sindicais e o patronato, intenso com este a brandir com mão de ferro num terreno que deslizava sob os seus pés. A CGT e a CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho) estavam coesas com a terceira central sindical francesa, a FO (Força Operária), menos  empenhada.

Os acontecimentos de Maio iriam alterar e esta situação e os trabalhadores, nos Acordos de Grenelle, iriam atingir vitórias maiores do que as que tinham alcançado durante o governo da Frente Popular de Léon Blum (1936/7). 

Nos meios culturais franceses desde Fevereiro que o descontentamento já existente subira em flecha. No segundo dia da filmagem de “Beijos proibidos” (Baisers volés), François Truffaut foi informado pelo chefe da redacção dos Cahiers du Cinéma que o lendário fundador e director da Cinemateca, Henri Langlois, por não ter exercido censura sobre várias imagens seria demitido, por proposta do Ministro da Cultura André Malraux, na sequência de indicações de alguns “informadores” do ministro. As reacções nos meios culturais dispararam.

O Festival de Cannes, aberto em 10 de Maio, acabaria por ser suspenso oito dias depois. Liderados por Truffaut e outros cineastas, alguns com filmes concorrendo na mostra, mil e duzentos profissionais de cinema da França montaram, na Croisette e em Paris, a «sua Bastilha», criaram os Estados-Gerais do Cinema Francês, Inspirados nos Estados-Gerais da França – a Assembleia da Revolução Francesa, de 1789. 

No Maio de 68 ocorreu a que talvez tenha sido a maior greve geral da história contemporânea, no apogeu do capitalismo no pós-guerra. Foram dez milhões com ocupação das empresas e universidades.

Depois da greve, prosseguiam os protestos e o general De Gaulle decidiu criar um quartel-general de operações militares para confrontar uma eventual insurreição e tomada do poder, dissolveu a Assembleia Nacional e marcou eleições legislativas para Junho de 1968. Nelas a direita unida em torno de De Gaulle venceu as eleições, com 43,6%, o PCF tem 20%, a Federação da Esquerda Democrática e Socialista (Mitterrand) ficou pelos 16,5%, o Centro Democrático tem 10,3%, e o PSU 3,9%. Maurice Couve de Murville foi então nomeado primeiro-ministro e De Gaulle demitiu-se, depois da derrota num referendo desastroso sobre alterações de poderes nas instituições políticas em 29 de Abril de 1969.

Menos de dois meses mais tarde, e depois da greve ter mobilizado quase 10 milhões de assalariados, o gaullismo ganhou as eleições gerais, aumentando a sua percentagem em cinco pontos percentuais. A consequência eleitoral do maior movimento popular que a França conhecera desde a Libertação, constituía uma derrota para a esquerda. O PCF descia de 22 para 20%, perdendo cerca de 600 mil votos. 

Como referiu Sérgio Ribeiro, na efeméride de há dez anos, foi um fracasso sério, que deu à maioria de direita os meios e o respaldo para aperfeiçoar o seu aparelho de dominação. Deste fracasso foi acusado, claro, o proletariado e as suas organizações, a CGT e o PCF. Não teriam «nem reconhecido nem compreendido» um movimento que «não estava no programa». Não teriam percebido o valor novo, transformador, revolucionário, das ideias, das formas de luta postas em acção pelos animadores do movimento dos estudantes. O poder estava vago, e não queriam sabido, ou não teriam querido, tomá-lo.

Em resumo, as lições choveram de todos os lados. Decretou-se a derrota do comunismo e o espírito revolucionário passou a morar ora em Roccard ora em gaullistas «de esquerda». E podia ler-se que «a classe operária não seja já revolucionária, isso parece quase evidente». Porque se queria que fosse evidente. A nova utopia tinha, a esses olhos, uma vantagem inestimável: os seus protagonistas combatiam o PCF. A partir daí, era «compreendida» 1.

Nestes 50 anos, a Antena1 passou uma gravação de entrevistas a protagonistas do Maio de 68, de que não retive a entidade que as tinha feito, em que um activista «maoísta» de então afirmava: «O nosso objectivo era acabar com o PCF». 

A correlação de forças sociais e políticas, apesar do PCF ter tido antes do Maio de 68, uma das suas mais importantes votações, com 22,2%, e de a classe operária não ter parado de crescer desde os tempos da Frente Popular com Léon Blum, e particularmente depois do fim da Segunda Guerra, não levou o PCF a admitir existirem condições objectivas e subjectivas, para a revolução socialista em França, apesar de, efectivamente, em boa parte do mês de Maio se ter vivido um intenso período pré-revolucionário.

Sobre esta matéria, depois dos acontecimentos de Maio correntes anarquistas, arrastou-se um debate sobre essas condições, no seio dos comunistas e de outras correntes, com os anarquistas a usarem, quase a papel químico, idênticas afirmações de Trotsky de que, com o governo de Léon Blum, o PCF e o PSF poderiam ter tomado o poder em 19362.

Uma dor de cabeça para alguns académicos

Os propagandistas da classe dominante davam como adquirido o fim do protagonismo dos trabalhadores como factor de transformação social. E influenciavam pensadores de esquerda.

Nos próprios dias dos acontecimentos, o britânico The Economist valorizava as condições de vida em França, valorizando o seu establishment e referindo que os sindicatos eram «pateticamente fracos»3.

Mas também André Gorz afirmava em A reforma e a revolução que, «no futuro previsível não haverá nenhuma crise do capitalismo europeu suficientemente radical para levar as massas de trabalhadores a greves gerais revolucionárias ou insurreições armadas em apoio a seus interesses vitais»4.

E Ernest Mandel, não o tendo passado então a escrito, em Abril, numa reunião em Londres, comentou que os trabalhadores franceses estavam aburguesados e «americanizados» e não protagonizariam nenhum acontecimento desse tipo durante os vinte anos seguintes. 

Os acontecimentos de Maio

Os factos começam na sua expressão mais viva na Universidade de Nanterre, nas imediações de Paris, no dia 3, com a agitação estudantil interna, e influência do anarquista «movimento do 22 de Março», de Cohen Bendit. 

Nos meses anteriores já existiam acções estudantis com manifestações e ocupações e no dia 4 seguinte a escola foi encerrada, os seus cursos suspensos e ocorreu a ocupação da Sorbonne pela polícia, já com uma violência despropositada a provocar confrontos.

A violência propagou-se a todo o Quartier Latin, tendo sido espancados e presos cerca 600 estudantes com uma centena deles feridos. A solidariedade com os estudantes alargou-se à população não envolvida que verberou fortemente De Gaulle e o primeiro-ministro Georges Pompidou, que não terão avaliado bem a situação. Os estudantes responderam aos CRSs com os «pavés», umas pedras de calçada maiores que as nossas…

No dia 6 dezenas de milhares de estudantes e professores universitários saíram à rua ao apelo da UNEF (União Nacional dos Estudantes de França) e do Snesup (Sindicato Nacional dos Professores do Ensino Superior), enquanto se generalizavam as greves nas universidades de França em solidariedade com os atingidos pela repressão. 

No dia 9 novas manifestações contaram já com os estudantes liceais. 
E no dia 10 ocorreu a maior manifestação, nesta fase, convocada pela UNEF (talvez centenas de milhares participantes). Alguns milhares de manifestantes destacaram-se do desfile, ergueram barricadas, realizando diversas provocações e isso «justificou» uma bárbara carga policial, que gerou reacções e levou grupos esquerdistas a ter uma influência decisiva na direcção do movimento estudantil. 

Em comício de 8 de Maio, a UNEF propôs às centrais sindicais uma manifestação «para defesa dos direitos de expressão sindical e política e contra a repressão policial». O que foi aceite depois de várias reuniões, fixando-se a data para dia 14.

Os estudantes convocaram várias manifestações para esse dia. 
Mas condições políticas impuseram que a CGT propusesse uma greve geral de 24 horas e manifestações para 13 de Maio, a que a CFDT deu o seu acordo, juntando-se-lhe as organizações estudantis.

Esta manifestação teve uma preparação ímpar com plenários de trabalhadores nas empresas conduzidos pelos sindicatos. Apresentou uma grande vivacidade e exuberância e a sensação nova de operários e estudantes desfilarem lado-a-lado. Da Place de la République ao Latin Quartier sentia-se o pulsar das lutas mas também a alegria, os sonhos a busca de utopias libertadoras. A greve abrangeu dez milhões de assalariados, isto é, dois terços da sua totalidade.

Em 27 de Maio, governo e patronato já se revelaram com outra disposição para concluírem os Acordos de Grenelle, a que nos referimos atrás. 

O PCF afirmara, em várias ocasiões – como no comício a 10 de Maio e aderindo à greve e às manifestações –, o seu apoio a um movimento cada vez mais largo, cujas implicações políticas eram perceptíveis mas de que não se podia ainda medir a extensão.

Mas, paralelamente nos dois meses anteriores, os comunistas e a CGT defrontaram desafios de liderança na contestação ao gaullismo. Vários grupos esquerdistas pretendiam excluí-los dos movimentos de protesto, alcunhando-os de burocratas e mesmo inimigos. 

Numa reunião com a CGT ainda em Maio, Mitterrand propôs que se não negociasse com o governo porque isso lhe iria devolver credibilidade perdida e dificultaria o programa comum da esquerda, e propôs aos sindicalistas que aceitassem reduções salariais e moderassem as reivindicações. Para ele era evidente ser mais importante cavalgar o movimento para ceder ao poder do que consagrar vitórias sociais importantes. Mas as conquistas de Grenelle acabaram por se impor.

Os 15 mil trabalhadores da Renault-Billancourt apoiaram, em plenário, os esforços dos comunistas para se caminhar para um governo alternativo com uma política alternativa. Mas o coração de Mitterrand já estava noutro lado, o que exigiu múltiplos alertas para que o apoio popular aos estudantes e trabalhadores em Maio não fosse carreado eleitoralmente para a FGDS (Miterrand) e para a deriva do movimento para apoio à gestão de «esquerda» do sistema.

Implicou também que não se ficasse o movimento resumido às conquistas de Grenelle. E já não refiro aqui, a não ser para os referenciar por serem oportunistas à boleia do movimento, Jean-Jacques Servan-Shreiber, do «modelo americano», Lecanuet e Duhamel do «despertar da França» e mesmo as referências elogiosas de Giscard d’Estaing.

Um combate clarificador à esquerda

Num primeiro instante, os comunistas e a CGT confundiram a árvore com a floresta e arriscaram-se a perder influência entre a juventude universitária como se novos anseios e expressões de luta pudessem ser resumidos à expressão provocatória de uma minoria.

A experiência de décadas de luta levou-os a precaver o movimento de actos provocatórios por preverem as suas consequências na disposição política dos franceses, depois de uma ampla condenação da repressão e do autoritarismo gaullista. Demorou a interpretação desses sentimentos e atitudes entre os estudantes e o seu acolhimento na acção comum. 

Foi possível, apesar disso e das tensões existentes nas relações entre a CGT, a CFDT, a UNEF e o Snesup realizarem-se por todo o país plenários de trabalhadores nas empresas com a participação de estudantes sobre as lutas destes e a aspiração a lutas comuns. Isso não aconteceu em poucas empresas em que os trabalhadores receavam actos de estudantes contra o equipamento com que laboravam.

Paralelamente, os socialistas da FGDS (Federação da Esquerda Democrática e Socialista) que Mitterrand vinha formando em torno do Partido Socialista desde 1958, já fugiam ao programa comum da esquerda e preparavam-se para um posterior aproveitamento político eleitoral do movimento que estava em marcha. 

Pompidou acusava os comunistas de terem preparado um golpe de força. E Michel Rocard, de um ponto de vista pretensamente de «esquerda» acusava-os de não terem tomado o poder que se tinha esvaído e estava prostrado (Rocard abandonaria o seu PSU para entrar depois no PS pela esquerda, chegando a primeiro-ministro, de que saiu pela direita, feito liberal).

Os grupos anarquistas e esquerdistas acusavam o PCF de ser esclerosado e «incapaz», e que «a CGT tinha abandonado os estudantes». Como referiu na altura Lauren Salini: «Os ataques convergiam sobre o PCF e todos tinham por finalidade enfraquecê-lo, dividi-lo, destruí-lo se possível, acabar, enfim, com um partido que a classe operária francesa há meio século vinha construindo»5.

De tudo isto Mitterrand beneficiou mais tarde, mas não sem antes, em 1969, a direita francesa ter tido uma retumbante vitória, na sequência de grandes manifestações da burguesia francesa que receava a perda de privilégios e correcções nos desequilíbrios sociais. Mas De Gaulle viria a demitir-se nesse ano, depois da derrota desastrosa num referendo sobre a reforma do Senado e a regionalização.

O regresso de De Gaulle, que tinha fugido para a Alemanha e deixado Pompidou ao leme do barco, foi preparada como rejeição dos desacatos e o medo do comunismo. A esquerda teve então uma derrota na ressaca de acontecimentos atribuídos à esquerda, como as provocações, as barricadas, as destruições e a insegurança.

Se, no plano político, o sectarismo nesta difícil relação foi motivo de uma reflexão crítica entre os comunistas, já o mesmo não se verificou com os dirigentes mais destacados do movimento estudantil, alguns dos quais, nas eleições posteriores a estas se iriam lançar nos braços de Mitterrand, que capitalizaria da reiterada política desastrosa do presidente e do seu primeiro-ministro.

O objectivo ambicioso, que foi assumido por muitos dirigentes estudantis, com a solidariedade popular à sua luta foi, em vez de dar mais força à vaga de fundo contra a direita, a de se transformarem rapidamente numa alternativa à influência dos comunistas e dos sindicatos no mundo do trabalho. E subestimar as vitórias de negociações obtidas no calor da luta a troco de consignas mais ou menos idealistas ou vazias de conteúdo reivindicativo concreto.

O movimento já em meados de Maio começou a sofrer em benefício de outras forças políticas, divisão que se acentuava. Reagindo a esta situação, a CGT privilegiou o «tous ensemble» nas negociações com a UNEF em vez de ter tido uma relação directa com os estudantes.

Subestimaram-se, assim, os debates sobre os novos valores do quotidiano individual e de grupo, as novos preocupações que, não podendo obviamente substituir os valores da movimentação social conjunta, deveriam ter estimulado mais a compreensão, a convergência e a criatividade próprias que, em larga medida, acabou por se limitar a adoptar expressões originárias de outros países, mesmo no caso de ícones e consignas do Maio de 68, que não foram por ele criadas mas importadas dos EUA e do Reino Unido
Os seus efeitos culturais existiram e foram importantes mas a sua presença ao nível dos valores foi mais duradoura. 

O PCF a partir de 22 de Maio fazia uma reflexão sobre as jornadas «A Universidade está doente de gaullismo. A Universidade francesa está esgotada nas estruturas, conteúdos e métodos. É uma universidade de classe, que nem apenas admite mais de 10% dos filhos de operários e reflecte uma imagem invertida da sociedade. O quadro conservador em que se fechou, mutila a ciência, a cultura, a técnica, e tornou-se insuportável para estudantes e professores. Para esconder a realidade e difundir mais facilmente ideologias reaccionárias, a grande burguesia esforçou-se por isolar a Universidade da vida política e social (…)».

Depois de 1969, Léo Ferré, numa sucessão de belas canções6, ilustra bem a sensação de ressaca e de desilusão de alguns com o curso dos acontecimentos, que é compreensível na medida em que o movimento de ideias, em 1968 e 1969, foi para eles apenas remissível para a satisfação do prazer individual ou libertário, para o verbalismo, em vez de resultado nas transformações da sociedade e para a sua contraditória pretensão do exercício de uma influência hegemónica ao nível das ideias e das organizações.

O Maio de 68 e Portugal

O Maio de 68 em Portugal influenciou o movimento de ideias nomeadamente entre estudantes mas não teve influência directa na sua acção reivindicativa.

Politicamente não os influenciou mais que as Cheias de 67, em que se envolveram e adquiriram uma consciência política marcante para os seus percursos futuros. Esteve presente, sim, nesse espaço de «liberdade» que eram algumas associações de estudantes como a do Técnico Associação, com «emissões» da nossa cabina sonora e em convívios.

Nesse ano de 1968, o movimento estudantil português travou importantes lutas, nomeadamente em defesa da Cantina do Técnico, que levou ao seu encerramento, e ao da AEIST, o plenário dos estudantes que aprovou o «luto académico» de Lisboa, na Cidade Universitária contra esses encerramentos, as assembleias magnas de Coimbra com o mesmo objectivo e com a aprovação, em Coimbra, dos «Oito pontos» reivindicativos dos estudantes portugueses.

Mas também se realizaram concentrações e greves, com reivindicações próprias na Faculdade de Ciências e Instituto Superior de Economia (actual ISEG) e nos Institutos Industriais de Lisboa e Porto. Mas também a manifestação contra a intervenção dos EUA na Guerra do Vietname e uma outra pela PIDE ter deixado morrer, sem assistência médica, o estudante da Universidade de Lovaina, Daniel Teixeira.

Ao movimento estudantil, à escala mundial, não escapou o significado de outros acontecimentos internacionais, que os influenciaram como os assassinatos de Luther King e Robert Kennedy, a Guerra do Vietname a chegar ao seu fim com a derrota dos EUA, as inúmeras manifestações estudantis em todo o mundo, com destaque pelo dramatismo superior ao do Maio em França, das do México e EUA, o acentuar das ditaduras da América Latina, a Sexta-feira Sangrenta no Rio de Janeiro e o cerco a Cuba ou a Primavera de Praga.

Se este último não teve problemas com a censura fascista, os restantes chegavam-nos por outras vias, já então muito eficazes para propagar a informação onde fosse possível, se bem que num âmbito reduzido.

Concluindo 

Quatro mitos ficam esclarecidos. A de que o Maio de 68 foi o alfa e o ómega do movimento estudantil à escala mundial. O de que os comunistas e a CGT se tinham oposto aos estudantes. Que o Maio de 68 tinha sido obra de arruaceiros que destruíam tudo. E que os comunistas só tinham estado interessados em garantir acordos com o patronato, virando costas a uma insurreição.

Com todas as suas contradições, sonhos não realizados e, apesar do amargo da suposta «derrota», o Maio de 68 introduziu mudanças ao nível do quotidiano, nas nossas vidas, na sensação renovada da força de estudantes e trabalhadores, nas relações homem-mulher e na emancipação das mulheres, a rebeldia e o inconformismo na procura de outras formas de viver, que se mantêm como património de valor universal. 

  • 1. Sérgio Ribeiro, «As lições de Maio de 68 em França», O Militante, ed. 294, de Maio/Junho de 2018
  • 2. Léon Trotsky, On France, p. 178.
  • 3. Norman Macrae, suplemento especial do The Economist, Maio de 1968
  • 4. André Gorz, Reform and Revolution, The Socialist Register, Maio de 1968
  • 5. Laurent Salini, Mai des prolétaires, Editions Sociales/NotreTemps, Novembro de 1968
  • 6. A sequência do espírito revolucionário e a nostalgia de promessas dos acontecimentos foram cantados por Léo Ferré, com «L'Été 68» (1968), «Comme une fille» (1969), «Paris je ne t'aime plus» (1970), «La Violence et l'Ennui» (1971), «Il n'y a plus rien» (1973) e «La Nostalgie» (1979)

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