|Índia

Jornada histórica de protesto na Índia contra as leis agrárias de Modi

No Dia da República, centenas de milhares de agricultores participaram numa «marcha de tractores» em Nova Déli, num ambiente de revolta crescente. No país, foram poucos os estados onde não houve protestos.

Centenas de milhares de agricultores realizaram uma jornada histórica, em Nova Déli e por toda a Índia, em defesa da agricultura e contra as leis aprovadas por Narendra Modi
Créditos / newsclick.in

As mobilizações dos agricultores acampados nos arredores de Nova Déli e pela Índia fora já duram há mais de dois meses, e têm vindo a crescer, apesar das detenções, dos entraves à mobilidade, das proibições de manifestação e das tentativas do governo indiano de fazer quebrar o movimento de protesto pela exaustão e pela desmoralização, apresentando pacotes cheios de nada em muitas das reuniões com os representantes dos agricultores, as chamadas rondas de negociação, 11 até agora.

Apesar de tudo, os protestos dos agricultores têm-se intensificado contra a legislação aprovada em Setembro, que os deixa à mercê dos grandes grupos económicos e que, denunciam os sindicatos, põe fim ao preço mínimo garantido, ameaça a segurança alimentar do país e conduz à destruição da pequena agricultura pelo agronegócio.

A marcha dos tractores, esta terça-feira, foi histórica, mostrou a força dos agricultores em luta e a capacidade de organização dos sindicatos, bem como o grande apoio de que gozam em vários sectores da sociedade e nos quatro cantos do país.

Mesmo assim, como em Nova Déli houve «desvios» ao trajecto, actos de violência (com muita coisa ainda por explicar...), a «invasão» da capital e a «violação» de espaços simbólicos como o Forte Vermelho, na Déli Antiga, a imprensa de trazer ao colo (os mainstream media e alguns progressistas também) é disto que está a falar – mesmo com a organização promotora dos protestos, que abriga cerca de 500 organizações e sindicatos agrícolas, a dizer que não apoia a violência e a lembrar que, em dois meses de protestos, estes têm sido sobretudo «pacíficos».

Muita «paciência» têm tido os agricultores indianos, que vêem em risco o sector e a sua subsistência, e se confrontam com um governo que privatiza o sector público e está a mando dos grupos económicos. A organização tem sido enorme, de aldeia em aldeia, de distrito em distrito, em cada estado.

Por isso, há que falar muito da «violência» de ontem, de alguns manifestantes que derrubaram barreiras metálicas e contentores, e danificaram autocarros, de polícias que ficaram feridos (manifestantes também e um deles morreu), que é para não falar do «desvio» fundamental em todo este trajecto: a recusa do governo de Narendra Modi em revogar as leis que foram aprovadas sem debate no Parlamento.

Vaga de protestos sem precedentes pelo país fora

Se, nos arredores de Nova Déli, as filas de tractores alcançaram dezenas de quilómetros de comprimento junto aos limites com a cidade, na grande maioria dos estados indianos houve marchas de tractores e de motorizadas, e manifestações convocadas pela Comissão de Coordenação da Luta dos Agricultores de Toda a Índia (All India Kisan Sangharsh Coordination Committee), e, segundo o portal newsclick.in, não foi coisa pequena – nos estados de Kerala, Tamil Nadu, Andhra Pradesh e Telangana realizaram-se protestos em todos os distritos.

Dezenas de milhares de agricultores de Uttar Pradesh, Uttarakhand, Punjabe e Haryana – estados nas imediações de Nova Déli – partiram para a capital de modo a participarem na marcha do Dia da República. A estes juntaram-se grupos mais pequenos de outros estados, como Odisha, Chhattisgarh, Madhya Pradesh, Rajastão ou Bengala Ocidental.


Neste último, já se tinha realizado uma concentração de 72 horas, bem como marchas de tractores e assembleias em vários distritos. Também houve protestos contra as leis agrárias da direita no estado de Assam, no Leste no país, e em Gujarate, na parte ocidental, onde grupos de agricultores tiveram de enfrentar as proibições decretadas pelo governo local, tendo-se registado várias detenções.

No estado de Maharashtra, as acções dos agricultores tiveram lugar nos dias que antecederam o Dia da República, com mais de 15 mil a convergirem para Mumbai, onde ontem realizaram um comício. Com o apoio de sindicatos de vários sectores, de organizações de estudantes e de mulheres, em muitos distritos de Madhya Pradesh, Karnataka e Uttar Pradesh realizaram-se marchas de tractores e outras acções em defesa da agricultura e dos agricultores.

Em Uttar Pradesh, os protestos reuniram muitos milhares de trabalhadores do campo e a Polícia, que, segundo os sindicatos, já tinha andado a manter as acções organizadas no terreno debaixo de olho, impediu muitos deles de se juntarem à marcha em Nova Déli. Além disso, alguns agricultores denunciaram que dirigentes locais foram colocados em prisão domiciliária no dia 25 para não poderem participar na marcha dos tractores.

PCI(M) sublinha necessidade de revogar as leis agrárias de Modi

Numa nota hoje emitida, o Partido Comunista da Índia (Marxista) exige ao governo de Modi que revogue de imediato as leis daninhas para os agricultores indianos e saúda a «gigantesca marcha de tractores organizada pelos sindicatos de agricultores no Dia da República», com a «participação pacífica» de mais de 100 mil tractores e muitas centenas de milhares de agricultores em Nova Déli, bem como as marchas semelhantes e outras acções em todo o país.

Sobre os incidentes em Nova Déli, o PCI(M) afirma que não podem retirar o foco da exigência principal, e caracteriza-os «como obra de agentes provocadores, alguns com ligações ao partido no governo»,  sublinhando ainda que foram denunciados pelo movimento agrícola.

Em simultâneo, os comunistas indianos lembram que a acção policial «não pode ser aprovada», uma vez que a Polícia carregou com bastões e usou gás lacrimogéneo sobre os agricultores em vários locais, «provocando uma natural reacção».

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui