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Direito da Rússia a realizar manobras no seu território «não se discute»

Quando as tropas terminam exercícios, regressam às suas guarnições. «É algo habitual. Sobre outras histórias de terror, perguntem aos seus autores», disse Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin.

Tanques russos que participaram em manobras militares perto da fronteira com a Ucrânia preparam-se para regressar às suas bases, a 15 de Fevereiro de 2022 
Créditos / Ministério russo da Defesa

Unidades do Distrito Militar Sul e do Distrito Militar Oeste das Forças Armadas da Rússia começaram a regressar, esta terça-feira, às suas bases permanentes, depois de participarem em exercícios de treino de combate, informou o Ministério russo da Defesa.

A este propósito, Peskov disse à imprensa que «a Rússia irá continuar a realizar exercícios militares em todo o seu território». «Um direito que não está sujeito a discussão com ninguém», sublinhou.

No dia anterior, o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, explicou que algumas das manobras militares de grande escala tinham terminado e outras iriam terminar num futuro próximo, indica a agência Prensa Latina.

«O Ocidente foi destruído sem um tiro disparado»

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, não se poupou nos termos do contra-ataque que dirigiu à imprensa ocidental, há semanas a prever um «ataque iminente» e a falar da «agressão russa» – até nos programas matinais da TV –, que podia estar a poucas horas de acontecer, contra a Ucrânia.

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O gangsterismo como geopolítica

A Ucrânia é uma espécie de última fronteira da cavalgada imperial da NATO, do combate entre a eternização do unilateralismo e o estabelecimento gradual do multilateralismo nas relações internacionais.

«Últimas: Rússia invade a Ucrânia». O título esteve na primeira página da agência de notícias norte-americana Bloomberg, a 4 de Fevereiro de 2022. Foi depois retirado da página e a agência apresentou um pedido de desculpas aos leitores
Créditos / Anadolu

No passado dia 4 de Fevereiro, às 4 da tarde, a circunspecta agência de notícias norte-americana Bloomberg informou o seguinte, com o maior destaque, na sua página principal online: «Em directo: a Rússia invadiu a Ucrânia.» O título dando conta desta verdadeira bomba tão desejada em Washington a Bruxelas esteve no ar durante meia hora, até que foi retirado. Tratava-se, afinal, como explicou um porta-voz da empresa considerada acima de qualquer suspeita, de um «engano» porque uma das notícias elaboradas por antecipação, e prontas a disparar a qualquer momento, entrou inadvertidamente no circuito. Para a Bloomberg, e sabe-se lá quantos meios de comunicação através deste mundo, a notícia da invasão russa da Ucrânia é tão garantida que está escrita antecipadamente. E um «engano» têm-no até os mais pintados, não é verdade?

O episódio faz lembrar um outro ocorrido num jornal português já extinto no qual um renomado jornalista relatou minuciosamente uma reunião do Conselho da Revolução que afinal não se realizou. Explicação: é verdade, não aconteceu mas se tivesse havido reunião passar-se-ia exactamente assim.

«CITAÇÃO: “Em directo: a Rússia invadiu a Ucrânia.” O título dando conta desta verdadeira bomba tão desejada em Washington a Bruxelas esteve no ar durante meia hora, até que foi retirado»

Voltando à Ucrânia, não foi apenas a Bloomberg a deixar escapar um desejo afinal incontido. Neste pequeno recanto rastejando atrás de Washington e vergastando-se com o cilício sempre que a União Europeia o exige, uma «âncora» da SIC Notícias, emissora que é filha da rede de manipulação conhecida como Grupo Empresarial Bilderberg, perguntou ao enviado ou correspondente em Kiev: «Já sabes quando começa a guerra?»

Assim estamos… E Vladimir Putin que não lhes faz a vontade, insistindo nessa tecla chata da «saída diplomática» para a «crise», que afinal não se sabe muito bem o que é nem como começou. Talvez tenha sido porque a Rússia faz grandes movimentações de tropas junto à fronteira com a Ucrânia – ao que consta não é assim tão perto – por sinal enquanto a NATO, mobilizando enormes contingentes de fronteiras distantes, faz jogos de guerra todos os dias, do Mediterrâneo aos mares Negro e Báltico, não para ameaçar a Rússia, por certo, mas apenas para gastar uns milhões e municiar os cofres do império empresarial da guerra, a viver um período de abundância jamais sentido.

Por insólito que seja, algumas das mais importantes autoridades do regime plantado por Washington e Bruxelas em Kiev, desde o presidente ao chefe de espionagem e defesa, tentam pôr água na fervura e no fervor ocidental dizendo que a situação não tem nada de novo, a tensão entre os dois países existe desde a «revolução da Praça Maidan» em 2014 e, segundo as informações de que dispõem, nada indica que os russos estejam a aprontar-se para fazer qualquer acto militar hostil.

Para que conste, a União Europeia tem exactamente os mesmos relatórios de inteligência, mas não reage em conformidade. Aos seus dirigentes e respectivos ecos mediáticos parece não convir dizer que, afinal, a Rússia não está pronta para lhes fazer a vontade.

«De Washington, porém, surge o grito alarmado e alarmante do presidente Joseph Biden: “Kiev será saqueada!”. E Zelensky contrapõe: não é bem assim, não temos sinais disso»

O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, queixa-se de que a disseminação da instabilidade «e do nervosismo» no país «não é boa para os negócios e para o investimento estrangeiro». E Alexei Danilov, chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, não enxerga qualquer «prontidão das tropas russas para uma invasão».

O ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, está sintonizado com estas declarações e, conforme testemunha, «posso dizer absolutamente que até hoje as forças armadas russas não criaram um grupo de ataque capaz de fazer uma invasão vigorosa da Ucrânia».

De Washington, porém, surge o grito alarmado e alarmante do presidente Joseph Biden: «Kiev será saqueada!». E Zelensky contrapõe: não é bem assim, não temos sinais disso.

O presidente ucraniano foi ainda mais explícito numa conferência de imprensa realizada em fins de Janeiro e que foi qualificada como «um encontro surreal» pela jornalista da BBC Sarah Rainsford, por certo formatada em modo de guerra. Disse Zelensky que «os problemas do seu país vêm mais do Ocidente do que de Leste porque a presença de tropas russas na fronteira não é invulgar, ainda há um ano aconteceu o mesmo». Ainda de acordo com o mesmo alto dirigente, a ameaça real à Ucrânia não é a Rússia «mas a desestabilização no interior do país».

Talvez por essa razão o próprio e fiel servidor Zelensky esteja a perder utilidade nos círculos do poder na capital federal norte-americana onde, segundo o antigo diplomata britânico Alastair Crooke, citando três fontes da administração e do Capitólio, já é considerado «irritante, enfurecedor e completamente contraproducente».

Daqui à substituição do actual presidente ucraniano por ordem dos seus tutores o caminho poderá não ser longo; enquanto no Ocidente corre o vaticínio de que Moscovo dará um golpe em Kiev, previsão ridicularizada na própria capital ucraniana.

Os ucranianos não contam para nada

Uma das características mais notáveis deste processo é o desprezo absoluto manifestado para com os cidadãos da Ucrânia. Como se não lhes bastasse viverem num país em bancarrota, governado por nazis, impedido de contrair empréstimos nos mercados monetários internacionais porque os juros seriam incomportáveis; e também sem gás e dinheiro para o comprar. Um país onde falta quase tudo, excepto armas norte-americanas de restos de colecção que era preciso despachar para algum lado, preferencialmente de maneira a ameaçar a Rússia. E toda a situação decorre do processo de «democratização» iniciado na Praça Maidan há sete anos, que foi o tiro de partida para o saque do país por cliques internas e externas, entre elas a família Biden; e para a entrada em guerra civil uma vez soltados os nazis, que logo se voltaram contra as populações russófonas do Leste. Um conflito entretanto suspenso com a derrota de Kiev e os consequentes Acordos de Minsk – que o regime assinou mas não cumpre, mantendo a pressão terrorista sobre o Leste.

«Estão reunidas, portanto, condições para que uma provocação seja desencadeada de um momento para o outro algures na Ucrânia, quando convier a Washington e provavelmente sem que os aliados europeus sejam informados»

Há mais quem se esqueça dos Acordos de Minsk, por exemplo o chefe da política externa da União Europeia – seja lá o que isso for – Josep Borrell, que em Janeiro se deslocou à linha da frente da guerra civil, do lado onde pontificam os nazis, avalizando assim os seus comportamentos; e que aproveitou a viagem para tornar efectivo o cruel e total bloqueio da União contra a Transnístria, território russófono secessionista da Moldávia.

O desprezo pelos ucranianos nota-se igualmente na ligeireza com que se fala em «guerra» e «invasão», como se o território não fosse habitado e valesse apenas como plataforma da NATO para instalar tropas e mísseis que podem atingir Moscovo em cinco a sete minutos.

No Kremlin, entretanto, diz-se que não existe interesse algum em apoderar-se da Ucrânia, por um lado porque uma guerra iria perturbar o relançamento do país, principalmente a sua ancoragem a Leste em termos de integração regional e convergências com a China, virando as costas ao Ocidente; e, por outro lado, porque não pretende ocupar-se de um território falido e infestado de nazis.

Outro sinal inequívoco da falta de respeito atlantista pelos ucranianos é a infiltração ocidental de agentes provocadores no Leste da Ucrânia, com o objectivo de desencadear acções que reactivem a guerra civil de uma maneira susceptível de forçar a Rússia a algum tipo de intervenção militar. Um soldado da República Popular de Lugansk deu conta da chegada à área de Lisichansk de «grupos subversivos treinados por instrutores britânicos». Existem igualmente provas da infiltração no Leste da Ucrânia de mercenários pertencentes à empresa norte-americana Academi, nova designação da mal-afamada Blackwater, contratada pelo Pentágono e responsável por processos de tortura e assassínios selectivos em territórios invadidos pelos Estados Unidos, designadamente o Iraque.

Estão reunidas, portanto, condições para que uma provocação seja desencadeada de um momento para o outro algures na Ucrânia, quando convier a Washington e provavelmente sem que os aliados europeus sejam informados.

Percebe-se assim que a hipotética entrada da Ucrânia da NATO seja uma linha vermelha para a Rússia e da qual Putin não abdicará, garantindo que tal não acontecerá. Se a NATO insistir em engolir a Ucrânia então essa será a razão para a Rússia reagir, segundo Moscovo através de «medidas técnico-militares» que não especificou mas que, de acordo com o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Alexander Grushko, a NATO conhece muito bem porque «não fazemos segredo das nossas possibilidades e agimos com muita transparência».

Macron e as «sanções infernais»

Da confusão em que está mergulhada a União Europeia a propósito da «crise na Ucrânia», vítima do seguidismo em relação aos Estados Unidos, agravado com a chegada de Biden à Casa Branca, emergiu o presidente francês, Emmanuel Macron, com a sua propagandeada visita a Moscovo e a Kiev.

Só por coincidência poderá associar-se a «mediação» de Macron ao facto de a França ter a presidência semestral da União Europeia. A viagem do presidente francês às duas capitais tem muito mais a ver com a factura a pagar pelos 27 em caso de guerra ou da aplicação das «sanções infernais» que Biden prometeu contra a Rússia; e também com a campanha para as eleições presidenciais de Abril no seu país, apesar de Macron ainda não ser formalmente candidato.

O chefe de Estado francês assumiu a iniciativa depois de uma caótica reunião recente dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 na qual, para que a família estivesse completa, participaram o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, e o próprio presidente Biden, este por vídeo chamada. A França e a Alemanha deram conta das inquietações sentidas em muitos países da União quanto aos efeitos nefastos resultantes das sanções que os Estados Unidos querem obrigar a Europa a assumir contra a Rússia: temem que sejam mais prejudiciais para o continente do que para Moscovo.

«A visita de Emmanuel Macron a Moscovo e Kiev, realizada à revelia dos Estados Unidos, acabou por ter como consequência a recuperação dos Acordos de Minsk como um instrumento diplomático capaz de permitir uma saída pacífica para a situação»

A propósito recorda-se que o processo de sanções montado pelos Estados Unidos e a União Europeia contra a Rússia em 2015, quando a população da Crimeia votou em massa o regresso, como região autónoma, à Federação Russa, não teve as consequências terríveis que os estrategos ocidentais previram. Os serviços secretos alemães conseguiram mesmo convencer a chanceler Merkel de que as sanções teriam uma eficácia tão contundente que levaria Moscovo a retirar-se da Crimeia e o próprio Vladimir Putin a demitir-se. Um tiro na água.

Agora os receios no interior da União Europeia em relação à estratégia norte-americana, cujas consequências, claro, não serão sentidas nos Estados Unidos, têm a ver com o efeito de boomerang sobre os 27 provocado pelas «sanções infernais» a impor à Rússia no caso de não se comportar na Ucrânia como Washington exige.

O assunto transformou-se mesmo num pesadelo para o secretário de Estado Blinken na recente reunião do Conselho de Segurança da ONU dedicada à «crise na Ucrânia».

À demonstração de que a imposição de sanções à revelia da ONU é uma violação do direito internacional, feita pela China e pela Rússia, juntaram-se os receios da França quanto aos efeitos perversos de tais práticas, de que Macron faz eco no interior da União Europeia.

A resposta de Putin às eventuais «sanções infernais» de Biden pode, de facto, ser arrasadora para uma União Europeia em crise, espelhada principalmente nas questões energéticas. Se a Rússia fechar a torneira do gás, que representa 40% do consumo europeu, os preços da energia disparam ainda mais, agravando a já problemática inflação e podendo degenerar numa nova crise financeira internacional. A Rússia tem mercados para escoar a produção remanescente de gás e outros combustíveis fósseis, devido aos canais abertos através da integração euroasiática; as alternativas de abastecimento europeu, porém, são muito mais caras, sendo que a oposição absoluta dos Estados Unidos ao funcionamento do gasoduto Nord Stream 2 é um factor mais a considerar. Biden não descartou a possibilidade, ao usar a expressão «todos os meios» no que diz respeito ao bloqueio do gasoduto russo-alemão, de bombardear a estrutura – já concluída e que só não funciona devido às hesitações de Berlim e às contradições na coligação governamental.

Além do gás e do petróleo, a Rússia tem outros instrumentos para manobrar em desfavor da União Europeia como resposta às sanções. Por exemplo, a suspensão da exportação de matérias-primas necessárias para o fabrico de fertilizantes para a agricultura poderá ter como consequência o aumento dos preços de produtos alimentares. Acresce ainda que a Rússia é, actualmente, o maior exportador mundial de cereais.

Ao invés, uma das sanções mais agitadas pelos Estados Unidos, a expulsão da Rússia do sistema internacional de compensações financeiras SWIFT, tem um alcance limitado porque Moscovo e Pequim criaram sistemas próprios, CIPS e SPFS, que dispensam em 70% a utilização do dólar norte-americano. Além disso, a Reserva Federal norte-americana, o banco central dos Estados Unidos, considerou a expulsão da Rússia do SWIFT «uma ideia totalmente errada».

O caso da «crise ucraniana» explica como o recurso ao gangsterismo geopolítico é cada vez mais uma arma dos Estados Unidos para impor a continuação do unilateralismo contra o multilateralismo, que ganha terreno como ainda há dias se percebeu na cimeira entre Vladimir Putin e o presidente chinês Xi-Jinping.

A visita de Emmanuel Macron a Moscovo e Kiev, realizada à revelia dos Estados Unidos, acabou por ter como consequência a recuperação dos Acordos de Minsk como um instrumento diplomático capaz de permitir uma saída pacífica para a situação, apesar de ser boicotado por Kiev e Washington. Segundo Macron, o respeito pelos Acordos de Minsk é a garantia de que a Rússia não irá invadir a Ucrânia.

Onde entra o direito internacional

Os Acordos de Minsk, de 2015, foram assinados pelo governo da Ucrânia e pelos representantes das regiões do Leste do país, garantidos sob tutela da Rússia, da França e da Alemanha. Prevêem o fim dos confrontos armados entre as duas partes ucranianas e a concessão de uma autonomia à região do Donbass, de maioria russófona, estabelecida segundo as leis ucranianas – que poderão ter de ser adaptadas para dar forma ao sistema autonómico.

Estes acordos passaram, entretanto, a integrar o direito internacional porque foram garantidos em 2015 pela resolução 2022 do Conselho de Segurança da ONU, com voto favorável inclusive dos Estados Unidos.

«Os Acordos de Minsk, de 2015, foram assinados pelo governo da Ucrânia e pelos representantes das regiões do Leste do país, garantidos sob tutela da Rússia, da França e da Alemanha. Prevêem o fim dos confrontos armados entre as duas partes ucranianas e a concessão de uma autonomia à região do Donbass»

Outra das frentes diplomáticas invocadas frequentemente pela Rússia é o respeito pelo princípio da «indivisibilidade da segurança», que «os colegas ocidentais não apenas ignoram mas do qual se esqueceram completamente», segundo o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

O princípio em causa foi estabelecido nas reuniões de Istambul (1999) e Astana (2010) da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Estabelece que qualquer país tem liberdade de escolha das alianças, desde que a decisão não ponha em causa a segurança de outro país.

A integração da Ucrânia na NATO é, por razões óbvias, uma ameaça à segurança da Rússia e violaria o princípio da «indivisibilidade da segurança».

O respeito por esta norma da OSCE, organização a que a Rússia pertence juntamente com os países ocidentais, é considerado fundamental por Moscovo para se encontrar uma solução diplomática da questão ucraniana.

A definição da posição individual de cada país da União Europeia e da NATO perante este princípio foi solicitada por Moscovo em carta assinada por Lavrov. O respeito pela «indivisibilidade da segurança» é, como se percebe, absolutamente contrário à defesa da entrada da Ucrânia, da Geórgia, da Bielorrússia na NATO, pelo que os países ocidentais são confrontados com uma contradição de fundo em termos de direito internacional. É difícil entender as razões pelas quais a segurança da Ucrânia ou da Geórgia é mais importante do que a segurança da Rússia, como resulta das posições da NATO.

Ignoram-se publicamente os conteúdos das respostas à carta de Lavrov, se as houve. Em Portugal, o ministro Santos Silva, que mais parece um eco do Departamento de Estado, prometeu que iria responder, certamente depois de perguntar aos seus parceiros o que deveria escrever. Seja como for, ele distingue-se por pretender falar grosso, mas os efeitos do que diz são irremediavelmente fininhos e inócuos na arena internacional. Responder ou não responder é mais ou menos a mesma coisa do que, por exemplo, ter ficado em silêncio perante o golpe fascista na Bolívia em 2019 ou ser um apoiante do terrorista Guaidó e cúmplice das atrocidades e dos congelamentos de bens praticados pelos Estados Unidos contra a Venezuela.

Quanto vale a palavra dada?

Em boa verdade, nada disto estaria a ser discutido e provavelmente não haveria «crise na Ucrânia» se os Estados Unidos e aliados cumprissem a palavra dada nos idos de 1990, conforme consta de vária documentação tornada pública.

A muito pouco tempo da dissolução da União Soviética e três meses depois da queda do muro de Berlim, em 9 de Fevereiro de 1990, o secretário de Estado da administração Clinton, James Baker, disse ao presidente soviético, Mikhail Gorbatchov, que «a NATO não se moverá uma polegada para Leste» em relação às posições então vigentes.

«A NATO não perdeu o apetite voraz no seu avanço sempre «defensivo»; mas agora, com evidente nostalgia dos bons tempos de Ieltsin, depara-se com uma realidade que não se lhe verga e continua a fazer do direito internacional a sua cartilha, por muito que a propaganda que sequestrou o direito de informar se desdobre para tentar fazer crer o contrário»

Segundo o Arquivo do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, essa garantia foi pronunciada não uma mas três vezes. Ainda de acordo com as mesmas fontes, Baker concordou com Gorbatchov em que a «expansão da NATO para Leste é inaceitável». E o mesmo secretário de Estado acrescentou: «Nem eu nem o presidente pretendemos extrair vantagens unilaterais do processo que está a decorrer. Não apenas para a União Soviética mas também para outros países europeus é importante ter a garantia de que, se os Estados Unidos mantiverem a sua presença na Alemanha dentro da estrutura da NATO, nem uma polegada da actual jurisdição da NATO se alargará em direcção a Leste».

Mais ou menos o mesmo disseram, imagine-se, a Embaixada dos Estados Unidos em Bona, o chanceler alemão Helmut Kohl – «a NATO não deve expandir a sua esfera de actividade» – e a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher – «devemos encontrar maneira de dar à União Soviética a confiança de que a sua segurança será garantida».

Palavras levou-as o vento; à honra e dignidade dos Estados membros da NATO também. Se assim não fosse que seria do gangsterismo geopolítico?

Pouco depois deu-se a extinção e desagregação da União Soviética, começou a destruição catastrófica da Jugoslávia e a Alemanha Federal fez um takeover sobre a RDA. Desde 1997 não foi só «uma polegada» que a NATO se expandiu: engoliu 14 países, sem contar com a RDA.

Entretanto os Estados Unidos e os países ocidentais colocaram o alcoólico e boneco da CIA Boris Ieltsin à frente da Rússia, facilitando a pilhagem dos bens do que fora a União Soviética pelas grandes empresas transnacionais e as máfias de oligarcas russos a elas ligadas.

A Rússia foi humilhada e deixada exangue. O Ocidente, porém, cometeu um erro fatal ao menosprezar o nacionalismo russo, partindo do princípio de que a extinção da União Soviética representaria o desaparecimento da Rússia como realidade histórica, económica e estratégica nas relações internacionais.

A NATO não perdeu o apetite voraz no seu avanço sempre «defensivo»; mas agora, com evidente nostalgia dos bons tempos de Ieltsin, depara-se com uma realidade que não se lhe verga e continua a fazer do direito internacional a sua cartilha, por muito que a propaganda que sequestrou o direito de informar se desdobre para tentar fazer crer o contrário.

«A política do Ocidente é minar a estrutura das relações internacionais baseada na Carta da ONU para a substituir pela sua lei internacional baseada em regras», definiu o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

Regras naturalmente estabelecidas pelos Estados Unidos para vigorar em todo o mundo, tal como o Consenso de Washington que em 1989 instaurou a ditadura económica neoliberal com vocação globalista e absolutamente unipolar.

A Ucrânia é uma espécie de última fronteira da cavalgada imperial da NATO, do combate entre a eternização do unilateralismo e o estabelecimento gradual do multilateralismo nas relações internacionais.

A evolução dos acontecimentos permite perceber que a Rússia não está pronta a invadir a Ucrânia – por muito que Washington e Bruxelas o desejem – mas também não está disposta a permitir que hordas militares transnacionais acampem à sua porta e armas de destruição massiva sejam aí instaladas e fiquem com Moscovo à vista.

Não estamos perante questões ideológicas; o que está em causa é, tão só, o respeito pelo direito internacional de modo a que não seja substituído por regras arbitrárias estabelecidas por gangsters incapazes de tolerar qualquer concorrência no mundo.

E a relação de forças talvez não seja assim tão favorável ao eixo Washington-Bruxelas. Caso contrário, a propaganda global não precisava de gritar tanto as suas mensagens manipuladas, chegando até a tomar os desejos por realidade noticiando o que não aconteceu.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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Sem se poupar nas palavras, Zakharova designou 15 de Fevereiro de 2022 como o dia do «falhanço da propaganda ocidental», destacando que o Ocidente tinha sido «envergonhado e destruído sem um único disparo», refere a RT.

Pouco depois de Zakharova, o titular da pasta, Sergei Lavrov, classificou a campanha mediática ocidental sobre a alegada «invasão iminente» como «terrorismo informativo».

«Sobre os exercícios militares, quero sublinhar, mais uma vez, que a Rússia os está a realizar no seu território», disse o diplomata numa conferência de imprensa com o seu homólogo polaco, acrescentando que as manobras têm lugar «independentemente de quem pense o quê, da histeria que se monte em redor, do verdadeiro terrorismo informativo, não hesito em usar esta palavra».

Putin reafirma que Rússia é contra a guerra

Nunca conferência de imprensa conjunta em Moscovo com o chanceler alemão, Olaf Scholz, Vladimir Putin reafirmou, esta terça-feira, que o seu país não quer a guerra e, nesse sentido, propôs a realização de negociações para garantir a segurança na Europa.

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Esses espiões que tratam da nossa informação

O tratamento do problema da Ucrânia é realmente um caso exemplar da maneira mistificadora, desinformativa, alienante e até atemorizadora como a comunicação social dominante se comporta.

CréditosLarry Downing / Reuters

A «Operação Mockingbird» foi uma linha de montagem da propaganda imperial montada pela Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana logo no início da guerra fria para interferir nos principais meios de comunicação social dos Estados Unidos, da Europa e através do mundo.

Os numerosos autores que investigaram o processo revelam que a CIA inscreveu centenas de jornalistas de numerosas nacionalidades nas suas folhas de pagamentos de modo a tornar dominantes as posições do regime norte-americano, se possível em todo o mundo.

O jornalista Carl Bernstein informou, na sequência de uma investigação realizada nos finais dos anos setenta do século passado, que a CIA pagava a mais de 400 jornalistas de 25 empresas jornalísticas proprietárias de publicações sonantes como a Newsweek, Time, Miami Herald, das televisões ABC e NBC e das principais agências de notícias mundiais: AP, UPI e Reuters. O jornal Washington Post, através dos seus proprietários e editores, era uma parte da operação.

«a CIA inscreveu centenas de jornalistas de numerosas nacionalidades nas suas folhas de pagamentos de modo a tornar dominantes as posições do regime norte-americano, se possível em todo o mundo»

William Scharp, advogado que foi uma figura de relevo no caso da morte de Martin Luther King, explicou que a CIA financiava milhares de jornalistas, além de ter as suas próprias organizações de media. Para a agência, revelou um antigo membro da rede de propaganda, «era mais barato pagar a um jornalista do que a uma prostituta». E Thomas Braden, chefe de divisão de um departamento governamental de Washington, testemunhou que «não havia limite de dinheiro para gastar, não havia limites para as actividades a realizar na guerra fria secreta». A «Operação Mockingbird» funcionava, segundo a mesma fonte, «como uma multinacional».

Um relatório de 1976 do Congresso dos Estados Unidos concluiu que centenas de indivíduos em todo o mundo tentam influenciar as opiniões através de propaganda dissimulada, graças ao acesso directo a jornais e outros periódicos, serviços de imprensa, agências de notícias, rádios, televisões, editoras e outros meios de comunicação estrangeiros.

Coisa do passado?

Terá sido a «Operação Mockingbird» uma coisa do passado?

A realidade diz-nos que não. E os factos comprováveis todos os dias, tanto nas causas como nos efeitos, explicam sem rodeios que o processo de imposição de uma opinião única, fazendo dos interesses do regime norte-americano os dominantes e legítimos em todo o mundo, tem vindo a consolidar-se de maneira asfixiante.

«factos comprováveis todos os dias, tanto nas causas como nos efeitos, explicam sem rodeios que o processo de imposição de uma opinião única, fazendo dos interesses do regime norte-americano os dominantes e legítimos em todo o mundo, tem vindo a consolidar-se de maneira asfixiante»

Dados que é possível obter através de pesquisas pouco mais do que sumárias revelam-nos que a «Operação Mockingbird» pode até ter perdido a designação com o passar das décadas, mas os seus objectivos estão mais vivos do que nunca e os métodos utilizados refinaram.

Nada indica que a CIA tenha deixado de pagar a jornalistas, mas a realidade actual ultrapassa em muito esse processo e adaptou-se à dinâmica vertiginosa da circulação das mensagens emitidas pelos media, proporcionada pelas novas tecnologias e a multiplicação de plataformas de emissão e partilha de conteúdos.

«dezenas de ex-operacionais das várias agências de espionagem internas e externas [...] transferiram-se e transferem-se para lugares de «analistas», «comentadores» e «especialistas» das grandes cadeias de televisão e dos principais jornais, onde funcionam como fontes inquestionáveis e acima de qualquer suspeita das quais bebem os principais órgãos de manipulação social em todo o mundo»

A agência central de espionagem dos Estados Unidos descobriu um novo ovo de Colombo, que lhe permite até poupar nas despesas: dezenas de ex-operacionais das várias agências de espionagem internas e externas, alguns que desempenharam até recentemente cargos de chefia máxima, transferiram-se e transferem-se para lugares de «analistas», «comentadores» e «especialistas» das grandes cadeias de televisão e dos principais jornais, onde funcionam como fontes inquestionáveis e acima de qualquer suspeita das quais bebem os principais órgãos de manipulação social em todo o mundo. As mensagens da CIA, a propaganda imperial, fluem assim directamente para milhares de milhões de pessoas que consomem unicamente os meios dominantes ditos de informação. Não é verosímil, de facto, que essa nova espécie de «analistas», «comentadores» e «especialistas» de âmbito globalista abdiquem da sua experiência de espiões acumulada durante décadas para se tornarem «independentes» ao sentar-se nos grandes estúdios que propagam veneno embrulhado em verdade, liberdade e rigor de informação.

Um dos casos mais relevantes dos últimos anos é a transformação do director da CIA entre 2013 e 2017, John Brennan, em analista sénior de segurança e inteligência nas televisões NBC News e MSNBC, cargo para o qual transitou mal deixou Langley. Na sua nova posição foi reencontrar Juan Zarate, que foi conselheiro de segurança nacional da Administração Bush. Um serviu Obama, outro o seu antecessor, e assim se verifica não haver querelas partidárias nestas matérias onde o partido é único, tal como a informação dominante e a opinião que induz.

Escritórios da CNN em Washington DC, EUA CréditosJohn Nacion / STAR MAX/IPx

A CNN monopoliza

Não há, porém, como a CNN para integrar espiões, super polícias, operacionais do contra-terrorismo e generais do Pentágono, de preferência com ligações à indústria da morte, nas suas equipas informativas.

É uma realidade que faz todo o sentido. A CNN é o veículo internacional por excelência das mensagens do regime norte-americano, o que acontece desde a sua fundação, e a criação do mito da «informação em directo» servida logo na primeira guerra contra o Iraque – abafando todo e qualquer contraditório. De tal maneira que os jornalistas empenhados em trabalhar «à antiga», isto é, dando a conhecer outros lados da situação foram rapidamente olhados como «cúmplices» de Saddam Hussein. Tal como acontece actualmente aos meios de comunicação verdadeiramente independentes, imediatamente acusados de estarem «ao serviço da Rússia» quando abordam outras realidades que não coincidam com as versões oficiais de Washington, da NATO, da União Europeia e da engrenagem de manipulação social.

«Tendo em consideração o número de CNN’s franchisadas que se multiplicam através do planeta – operação à qual Portugal não escapou – entende-se como este processo associa as agências do poder imperial à construção de uma opinião única formatada segundo os interesses do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos, além da NATO e da União Europeia como seus ramos militar e político»

Ao serviço da CNN, como «comentadores independentes», estão, por exemplo, James Clapper e Michael Hayden, ex-directores de inteligência nacional norte-americana; Chuck Rosenberg, ex-director da DEA, agência dita antidroga mas com a reputação manchada por vínculos pouco claros com meios do narcotráfico, tal como acontece com a CIA em relação ao ópio/heroína do Afeganistão; James B. Conney, ex-conselheiro do director do FBI; Frank Figliuzzi, ex-chefe de contra-espionagem no FBI; Asha Rangcapo e James Galiano, ex-destacados agentes do FBI; Mike Rogers, ex-presidente da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes; Steven L. Hall, antigo oficial de operações da CIA com mais de 30 anos de experiência em postos de comando na Eurásia e América Latina; Philip Mudd, ex-operacional da CIA; Andrey McCabe, ex-director adjunto do FBI; John Campbell, ex-supervisor especial do FBI.

Neste mundo selecto existem, com regularidade, algumas mudanças – também elas muito significativas. Por exemplo, Anthony Blinken, ex-conselheiro de segurança de Obama, trocou recentemente o lugar de «comentador independente» da CNN pelo de secretário de Estado, isto é, a segunda figura da administração Biden; e Samantha Vinograd, também membro do Conselho de Segurança de Obama, deixou agora o cargo de «comentadora de política externa» da CNN transitando para o Departamento de Segurança Interna de Biden; Fran Townsend, ex-conselheiro de Segurança Nacional, trocou há pouco a CNN pela CBS News.

A CNN tem, portanto, a parte de leão no recrutamento de membros do aparelho de espionagem, militar e governamental dos Estados Unidos.

«[No Reino Unido] o público é bombardeado com opiniões e informações seleccionadas apoiando as prioridades dos fazedores de política; Os media fornecem de forma rotineira informação deturpada e estão longe de actuar com independência»

Declassified UK

Tendo em consideração o número de CNN’s franchisadas que se multiplicam através do planeta – operação à qual Portugal não escapou – entende-se como este processo associa as agências do poder imperial à construção de uma opinião única formatada segundo os interesses do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos, além da NATO e da União Europeia como seus ramos militar e político.

O recrutamento de personalidades como as constantes da lista não exaustiva aqui publicada é comum a todas as grandes cadeias norte-americanas de televisão, da Fox à MSNBC. E também a jornais olhados como «bíblias» da independência – New York Times, Washington Post e Wall Street Journal, por exemplo. Susan Hennessy trocou recentemente o lugar neste último jornal por um cargo na Divisão de Segurança Nacional da Administração Biden.

E em alguns casos não existe exclusividade. Michael Hayden é uma espécie de deus do comentário. Além da CNN, pode dizer-se que está em todo o lado: MSNBC, Fox News, programa The Late Show, New York Times, Washington Post e Wall Street Journal. Uma rendição absoluta do aparelho informativo à sua experiência de director da espionagem nacional dos Estados Unidos.

Fora dos Estados Unidos, a desclassificação, no ano passado, de alguns documentos governamentais no Reino Unido veio provar que a imprensa do país, «do Times ao Guardian, ajuda rotineiramente a diabolizar Estados identificados pelo governo como inimigos enquanto tenta branquear os que são aliados». A conclusão é da publicação Declassified UK.

De acordo com a mesma fonte, «o público é bombardeado com opiniões e informações seleccionadas apoiando as prioridades dos fazedores de política; Os media fornecem de forma rotineira informação deturpada e estão longe de actuar com independência».

Um casal escapa de uma casa em chamas após um bombardeamento da força aérea ucraniana em Luganskaya, Leste da Ucrânia, em 2 de Julho de 2014. Os bombardeamentos sistemáticos de alvos civis pelas forças de Kiev contaram com o silêncio cúmplice do Ocidente. CréditosValery Melnikov / Rossia Segodnya

É o que temos

À luz destes factos indesmentíveis, e que desmontam a «verdade» cultivada pelo aparelho de comunicação funcionando à escala globalista, não temos de nos surpreender com o tom histérico da abordagem da actual situação na Ucrânia e a «iminência», que já se prolonga há alguns meses, de uma invasão russa.

«o cidadão que se considera informado ao frequentar a comunicação dominante desconhece, por exemplo, que o governo ucraniano é sustentado por grupos paramilitares nazis, os mesmos que integram as forças de repressão que fazem guerra às populações das regiões do Leste do país, onde grande parte dos habitantes são russófonos»

Aos consumidores dos órgãos de manipulação social basta saber que a Rússia quer ocupar a Ucrânia, não se sabendo bem porquê, talvez porque sim, é uma inerência própria dos «maus». E, para concretizar a invasão, 100 mil efectivos militares russos movimentam-se na fronteira com o território ucraniano. Então, desde âncoras de telejornais a «especialistas» e «analistas», passando por peças montadas supostamente informativas, todos tratam o tema sob este único ângulo, máquinas repetidoras das opiniões de espiões reciclados em «comentadores» actuando nas imperiais cadeias de televisão e outros meios.

A razão assim gritada não tolera contraditório. E ai dos que tentam, baseados em factos comprovados, demonstrar que há muito mais para saber sobre o actual cenário ucraniano. Quem o fizer é «cúmplice» dos russos, quiçá um disseminador de «mensagens de ódio» prontas a cair na alçada censória das redes sociais.

Por este caminho, o cidadão que se considera informado ao frequentar a comunicação dominante desconhece, por exemplo, que o governo ucraniano é sustentado por grupos paramilitares nazis, os mesmos que integram as forças de repressão que fazem guerra às populações das regiões do Leste do país, onde grande parte dos habitantes são russófonos.

Não é por isso, porém, que existe o risco de uma intervenção russa: a situação tensa prolonga-se há sete anos, desde o golpe dito «democrático» dado em Kiev pelos Estados Unidos com o apoio da União Europeia.

«Nos termos do documento [Acordo de Minsk], o governo de Kiev e os representantes das populações de Donetsk e Lugansk comprometeram-se a encontrar uma solução para os seus diferendos que proporcione uma autonomia àquelas regiões dentro do que está previsto na lei ucraniana. A Rússia, ao contrário do que é comum ouvir-se e ler-se, não é parte activa: actua como um dos países mediadores, tal como a França e a Alemanha»

Outro dos comportamentos manipuladores assumidos pela comunicação dominante é a desinformação em torno do Acordo de Minsk sobre uma saída política para a situação ucraniana. Nos termos do documento, o governo de Kiev e os representantes das populações de Donetsk e Lugansk comprometeram-se a encontrar uma solução para os seus diferendos que proporcione uma autonomia àquelas regiões dentro do que está previsto na lei ucraniana. A Rússia, ao contrário do que é comum ouvir-se e ler-se, não é parte activa: actua como um dos países mediadores, tal como a França e a Alemanha.

Ao abordar a situação existente na região os meios de comunicação evitam tratar e comentar a ideia de que as tropas russas na fronteira com a Ucrânia se movimentam com pleno direito, porque estão no interior do seu país. Já o mesmo não pode dizer-se das tropas da NATO, que estão fora dos territórios das suas nações, colocadas ameaçadoramente nas imediações das fronteiras com a Rússia. Explica a comunicação que temos, fazendo eco de generais, espiões e políticos sem coluna vertebral, que esse gigantesco aparelho militar é para nos «defender», tal como foi invocado para as agressões ao Afeganistão, Iraque e Líbia. E o cidadão comum, contaminado e intoxicado, acredita.

Também não é explicado aos envenenados leitores e telespectadores que os Estados Unidos e o seu braço armado da NATO estão ansiosos que a Rússia proceda à sempre «iminente» invasão. Estão mesmo dispostos a provocá-la e, para isso, há indícios de infiltrações de agentes especiais de países da NATO no Leste da Ucrânia para cometerem um atentado, admitindo-se que com armas químicas, De acordo com a eventual estratégia atlantista, a acção criminosa seria atribuída por Moscovo ao regime de Kiev, seguindo-se a intervenção militar para proteger as populações do Donbass.

Sejamos lúcidos, ao contrário do que pretende a manipulação social: que interesse tem a Rússia numa guerra quando se encontra em fase de desenvolvimento económico e de afirmação como grande potência do multilateralismo, a par da China? Uma Rússia empenhada em processos de integração multifacetada para Oriente carece de estabilidade, não do envolvimento numa aventura militar.

Aliás, a recente tentativa de «revolução colorida» no Casaquistão, através de um golpe à maneira da Praça Maidan em Kiev, teve a ver com o objectivo de multiplicar os acontecimentos que obriguem Moscovo a desperdiçar meios e energias necessários para desenvolver a estratégia traçada. Porém, desta feita Estados Unidos e aliados saíram-se mal: a lição da Ucrânia foi aprendida pelo regime russo – a resposta estava preparada e funcionou.

Os Estados Unidos e a NATO têm efectivamente todo o interesse em desviar Moscovo dos seus principais objectivos, comprometendo-os num conflito desestabilizador e contraproducente no plano internacional que, ao mesmo tempo, travaria a fase de consolidação e afirmação do país. Quando Putin garante que não pretende intervir na Ucrânia não é para ser «bonzinho» ou especialmente cordato; na verdade, tem todas as razões objectivas para o dizer. E também não o vemos a mexer um dedo que seja para erradicar o poder fascista em Kiev. Só um agravamento provocatório da violência do regime ucraniano sobre as populações do Leste seria susceptível de obrigar Moscovo a fazer o que realmente não quer.

E não o deseja porque, nessas circunstâncias, a Rússia seria também obrigada a rever a sua presença militar na Síria para ajudar o governo legítimo a combater o terrorismo objectivamente ao serviço dos Estados Unidos e da NATO, que têm assim mais uma razão para empurrarem Moscovo em direcção à Ucrânia.

A resposta à hipotética acção russa no território ucraniano, tudo o indica, não seria dada pela colocação de tropas norte-americanas no terreno – coisa que até os desinformados consumidores da informação asfixiante já sabem. O que desconhecem é a previsível intenção da NATO de promover e treinar uma miríade de estruturas armadas de «resistência ucraniana», a partir dos grupos paramilitares nazis, para criar, segundo militares norte-americanos, um «pântano» onde se enterrem as tropas russas invasoras. Isto é, um «novo Afeganistão» agora desenvolvido pelo apoio ocidental a «combatentes da liberdade» oriundos dos sectores saudosistas de Hitler no lugar dos terroristas islâmicos que deram origem à al-Qaeda.

«É evidente que os múltiplos ângulos sob os quais os acontecimentos podem ser vistos obrigariam os consumidores de informação a pensar. E pensar é tudo quanto os poderes dominantes pretendem evitar – como também se percebe na actual campanha eleitoral portuguesa – porque assim não conseguiriam cultivar a robotizada opinião única»

A comunicação social também tem silenciado, certamente seguindo o comportamento dos espiões transformados em «comentadores», a proposta apresentada pela Rússia aos Estados Unidos de um tratado escrito capaz de garantir a paz e a segurança entre os dois países desde que a Ucrânia não seja admitida na NATO e esta aliança não instale mísseis nas fronteiras com o território russo. Proposta razoável sabendo-se que a seguir ao desmembramento da União Soviética a administração do presidente William Clinton se comprometeu com Moscovo a manter o status quo da NATO, significando isso que a Aliança Atlântica não se deslocaria para Leste na sequência da derrocada do muro de Berlim. Do compromisso de Washington, pela voz de Clinton, resta aquilo que sempre foi: uma deslavada mentira.

Os Estados Unidos evitam dar qualquer resposta à nova proposta de Moscovo. Isso diz muito sobre os reais interesses de Washington servidos pela crise actual – que é artificial e cultivada de Ocidente para Oriente. O que ajuda a explicar a movimentação das tropas russas no interior das suas fronteiras, de facto para as defender.

O tratamento do problema da Ucrânia é realmente um caso exemplar da maneira mistificadora, desinformativa, alienante e até atemorizadora como a comunicação social dominante se comporta.

É evidente que os múltiplos ângulos sob os quais os acontecimentos podem ser vistos obrigariam os consumidores de informação a pensar. E pensar é tudo quanto os poderes dominantes pretendem evitar – como também se percebe na actual campanha eleitoral portuguesa – porque assim não conseguiriam cultivar a robotizada opinião única.

Para isso é essencial a informação do tipo fast food, cozinhada com sound bites, frases feitas, mentiras repetidas e métodos próprios do marketing publicitário. Uma lavagem cerebral, em suma.

Uma tarefa onde pontificam brigadas de espiões reciclados em «analistas» fazedores de opinião e os respectivos batalhões de máquinas repetidoras que envenenam o mundo. Um sistema que faz parecer os primeiros tempos da «Operação Mockingbird» uma brincadeira de crianças.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

Tipo de Artigo: 
Opinião
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Ao abordar a ameaça de guerra no continente, o presidente russo lembrou que a NATO já desencadeou uma: o bombardeamento da Jugoslávia. Esclareceu ainda que Moscovo não recebeu propostas substanciais sobre as garantias de segurança e que não pode fazer vista grossa ao facto de Washington e a Aliança Atlântica estarem a «interpretar de forma bastante livre e em seu benefício» os «princípios-chave da segurança igual e indivisível, consagrados em muitos documentos europeus», indica a TASS.

Lembrando que este princípio estipula que a liberdade de escolher alianças fica limitada pela necessidade de evitar que alguns países fomentem a sua segurança à custa da segurança dos outros, Putin falou das exigências fundamentais da Rússia, que passam pelo fim da expansão da NATO para leste, a não instalação de armamento ofensivo perto das fronteiras russas e o regresso do potencial e da infra-estrutura militar do bloco atlântico na Europa à situação de 1997, quando foi assinada a Acta Fundacional Rússia-NATO.

Ocidente precisa de mais «provas»

Reagindo à notícia de que algumas tropas russas tinham começado a regressar às suas guarnições, depois de concluídos os exercícios militares em que participavam, o presidente norte-americano, Joe Biden, afirmou ontem que os EUA não tinham «confirmado» essa informação.

Em conferência de imprensa, disse ainda que a invasão da Ucrânia por parte da Rússia podia acontecer. Outros dirigentes ocidentais e a imprensa ao seu serviço também se mostraram cépticos, refere a RT, tendo alguns chegado a afirmar que as tropas se estavam a reposicionar no terreno – para um ataque.

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