«Como a burguesia supera essas crises? Por um lado, pela destruição forçada de uma massa de forças produtivas; por outro, conquistando novos mercados e explorando mais os antigos. A que isso leva? Preparar crises mais gerais e formidáveis e diminuir os meios para preveni-las.»
Manifesto do Partido Comunista, 1848, Karl Marx - Friedrich Engels
O ano 2023 começou com mais uma crise financeira, rotulada já como a maior crise bancária desde 2008. Dois importantes bancos norte-americanos, o Silicon Valley Bank (SVB) e o Signature Bank entraram em colapso. Dias mais tarde, o Crédit Suisse era resgatado por outro banco, com o aval do governo. Ninguém pode prever se a turbulência se ficará por aqui ou se mais episódios estão na calha. O que sabemos é que, apesar de todas as falácias sobre regulação, já foram gastas mais uma vez, somas colossais de fundos públicos para salvar bancos que supostamente, estavam bem capitalizados e supervisionados.
É sintomático que a falência tenha ocorrido no SVB, um banco de referência da indústria de tecnologia (e principalmente das startups). Um banco dito sólido, mas que foi aniquilado em poucas horas depois de uma corrida aos depósitos assim que foram anunciadas as primeiras perdas. Os pedidos de levantamento totalizaram só no dia 9 de março a soma de 42 mil milhões de dólares. Esta foi a segunda maior falência de bancos na história dos EUA (desde o Washington Mutual em 2008). Pouco tempo depois, em 12 de março de 2023, o Signature Bank (líder em empréstimos em criptomoedas) seguiu o mesmo caminho, colapsando na sequência de mais uma corrida aos depósitos que acabaria por provocar a terceira maior falência bancária da história dos EUA. O Credit Suisse faleceu uns dias mais tarde, a 19 de março, quando foi comprado a preço de saldo pelo UBS, outro banco suíço, sob os auspícios do governo que fez questão de acompanhar a prenda com uma almofada financeira de 108 mil milhões de dólares.
As explicações para esta crise são as habituais. Primeiro foi a pandemia. Depois a guerra na Ucrânia que afetou as cadeias de abastecimento mundial, provocando escassez de matérias-primas e componentes essenciais, acabando por gerar taxas de inflação às quais já não estávamos habituados. E finalmente, cereja em cima do bolo, vieram as subidas das taxas de juro, postas em prática pelos bancos centrais precisamente para combater a inflação. Qualquer destas explicações, desmentidas por factos (vejam-se os lucros das grandes multinacionais), tem o propósito óbvio de lançar uma cortina de fumo que impeça qualquer reflexão séria sobre esta crise bancária. Até porque esta reflexão iria colocar a nu todo o discurso pós-2008 que sustentou os acordos de Basileia III e a criação da União Bancária, com as juras a pé juntos que nunca mais os fundos públicos iriam cobrir os prejuízos dos bancos.
Hoje sabemos que todas estas medidas não passam de meras operações de cosmética. Ao mesmo tempo que se reforçava a supervisão financeira, continuaram as fusões entre bancos, aumentando as chamadas empresas too big to fail (demasiado grandes para falir) e acentuando a completa subordinação de quem supervisiona face ao supervisionado. Usando os esquemas da contabilidade criativa, transformaram-se rácios de alavancagem de 1 a 2% para rácios de capitais prudenciais de 12 a 13% (rácios Tier e outros). À falta de capital, criaram-se títulos obrigacionistas híbridos, também chamados de contingentes, que podem ser uma coisa ou outra, conforme as necessidades.
«Esta crise, expressão de uma crise maior e sistémica que coloca de forma cada vez mais evidente os limites do sistema capitalista, desmente todas as piedosas intenções daqueles que prometiam «regrar» o sistema financeiro, evitando assim os seus "excessos"».
Esta crise, expressão de uma crise maior e sistémica que coloca de forma cada vez mais evidente os limites do sistema capitalista, desmente todas as piedosas intenções daqueles que prometiam «regrar» o sistema financeiro, evitando assim os seus «excessos». Mas esta crise confirma, por outro lado, a forma diligente com que os governos imediatamente acorrem quando se trata de socializar as perdas do grande capital financeiro. Nos Estados Unidos, existe um sistema que garante os depósitos até 250 mil dólares. Contudo, no caso do SVB, que se gabava de ter como clientes cerca de metade das empresas tecnológicas entre os quais alguns dos gigantes digitais, a maioria dos seus depósitos excediam aquele limite. Ora, como diz o povo, para grandes clientes, grandes remédios.
Num comunicado da secretária do Tesouro, Janet Yellen, em conjunto com a Reserva Federal (Fed) e a Deposit Guarantee Agency (FDIC), após consulta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, era anunciado que todos os depósitos do SVB seriam garantidos pelo estado federal, numa operação que viria a ser estimada em 170 mil milhões de dólares. O caso do Crédit Suisse merece também algumas linhas. O Crédit Suisse já tinha beneficiado, uns dias antes, de um empréstimo público de 54 mil milhões de dólares. Na compra do banco pelo UBS, o governo helvético alavancou o negócio com um aval de 108 mil milhões de dólares e usou os seus poderes legais para prescindir do voto dos acionistas. É bom lembrar que o banco UBS, conhecido como o maior gestor de fortunas do mundo, teria falido na sequência da crise de 2008, não fosse a pronta intervenção na altura do governo e do Banco Central Suíço.
O dinheiro é demasiado importante para deixar a sua gestão aos bancos privados. A história demonstra que os bancos privados, mais cedo que tarde, tornam-se eles próprios a fonte de problemas e de instabilidade. A economia precisa de um sistema financeiro sólido e alinhado com as necessidades de desenvolvimento do país. Uma rede de bancos públicos que assegure uma presença dominante no sistema financeiro prevalece hoje e cada vez mais como uma condição necessária para romper com esta políticas neoliberais e encetar um novo modelo de desenvolvimento para o país.
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