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Entrevista

«Sou humana. E vivo no mundo. Não consigo, não devo, desligar-me dele»

À conversa com Ana Biscaia, ilustradora

Ana Biscaia
CréditosÁlvaro Cação Biscaia

É uma ilustradora de estilo reconhecível, em que a dor e a melancolia coabitam com a inocência, a graça, o humor. Mas também o comprometimento sociopolítico se manifesta em muita da sua criação artística, tanto nos trabalhos realizados para publicações periódicas e cartazes como em obras para adultos e em vários livros infanto-juvenis. Colabora com conhecidos grupos de teatro (Escola da Noite, Teatrão) e realiza oficinas de ilustração para crianças. O seu nome é Ana Biscaia, nasceu numa terra de combates cívicos, Marinha Grande, e, a par de outras distinções públicas, ganhou o Prémio Nacional de Ilustração 2012 – o mais importante nesta área, em Portugal – pelo livro A Cadeira que Queria Ser Sofá, texto de Clovis Levi. Criou e anima uma pequena chancela de livros ilustrados a que deu o nome de Xerefé («à tua saúde», em turco) e foi editora do jornal Postas de Pescada.

Na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo (excepcional obra de arquitectura à beira-Lima, saída do engenho de Siza Vieira), Ana Biscaia viu recentemente inaugurada uma importante exposição retrospectiva do seu trabalho, realizada sob a direcção artística de um nome referencial da nossa ilustração e da pintura, Tiago Manuel. Título: «Desenhar a sombra dos dias». Estará patente até Agosto e inclui trabalhos de ilustração para livros, capas de CD, cartazes, publicações periódicas. Não faltam, pois, razões para esta entrevista ao AbrilAbril. E, claro está, para uma visita a Viana e a esta lindíssima mostra.

Esta exposição em Viana do Castelo tem um título marcante. É elucidativo de aspectos significativos do seu trabalho como ilustradora?

Ana Biscaia – O título da exposição – Desenhar a sombra dos dias – é da responsabilidade do Tiago Manuel, director artístico da exposição. Era necessário encontrar um título e ele achou-o. Este título é provocador, porque se, por um lado, aponta para o lado sombrio do meu trabalho (um pouco melancólico e até doloroso por vezes), quer também dizer que a sombra não existe sem luz. Há também uma espécie de meninice, um pouco de doçura nas minhas ilustrações. Daí este título.

Como se processou a realização desta mostra?

A selecção dos trabalhos foi feita por mim, de acordo com as indicações do Tiago. São 50 os trabalhos expostos, todos eles publicados em livros, revistas, jornais. Seleccionei os que considero mais significativos de entre o meu corpo de trabalho. A montagem e a disposição dos trabalhos foram feitas de acordo com as indicações do Tiago Manuel.

Tiago Manuel é para muitos artistas da ilustração uma referência…

Lembro-me do livro Lua Negra, de Terry Morgan, que um dia descobri quando era estudante de design em Aveiro. Lembro-me bem da sensação que a agudez daqueles desenhos me provocou. Como era possível desenhar assim estados de alma? Durante anos pensei que Terry Morgan era uma autora, mas achei sempre estranho não haver informação disponível sobre ela. Foi o Filipe Abranches que me disse quem era ela: era o Tiago Manuel. O Tiago Manuel é um artista que decide posicionar-se no mundo tomando (passe o pleonasmo) posições sobre ele. O seu discurso é virulento e truculento, sarcástico e profundamente humano. Generoso e condoído. Para além disto, executa de uma forma exímia e é, por isso, exemplar e sempre novo (também por via dos seus heterónimos, que o defendem e nos oferecem diversas vozes, aguçadíssimas, sobre o mundo em que vivemos). Para além do artístico, e confundindo-se com ele, gosto do seu lado humano, amigo, pontual, seguro e profundamente generoso. O artista não se distingue do ser humano (e como é especial por isso «nos tempos que correm»!).

Expor num espaço, a Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, concebido por Álvaro Siza tem significado para si?

Expor em Viana do Castelo, e naquele espaço, naquela Biblioteca (que existe em Viana há dez anos), emociona-me. O espaço desenhado por Álvaro Siza é profundamente belo e profundamente digno. O espaço é político, o cuidado com o espaço também. O espaço de exposição é muito importante quando se pensa e se monta uma exposição. Portanto, ter o meu trabalho exposto num espaço tão bem desenhado é motivo de grande orgulho e satisfação.

«A geografia influencia a maneira como se desenha, como se ilustra.»

Há momentos fundamentais no seu percurso. Arriscaríamos destacar dois: o curso de mestrado em Ilustração, numa universidade em Estocolmo, e o Prémio Nacional de Ilustração 2012, atribuído no ano de 2013. Para si, que significado teve cada um destes momentos?

Na Suécia, a escola era um espaço de liberdade, e era também o espaço de trabalho. O método de ensino era muito diferente daquele a que estava habituada, e todos tínhamos uma grande autonomia e condições para realizar, experimentar. Tive a sorte de ter tido um professor chamado Andreas Berg que era, acima de tudo, um intelectual e que me ensinou sobre ilustração, conversando comigo. A ilustração é um acto de grande responsabilidade intelectual, dizia ele, repetidas vezes. Nunca mais me esqueço disto. Quando leio ilustração tenho isto sempre presente. Quando faço ilustrações também. A ilustração é um discurso, porque quando desenho está lá o que considero importante dizer e quero dizer. «Não é tanto aquilo que vejo, é muito mais aquilo que ouço», dizia-me o Andreas, quando um dia lhe perguntei o que via quando olhava para o meu projecto final de mestrado. Depois a geografia influencia a maneira como se desenha, como se ilustra (e a religião também). O desenho que eu vi na Escandinávia era monocromático e partido. A luz e o rigor do Inverno tão longo influenciam a cor do desenho. Aprendi na Escandinávia a assumir a sujidade do lápis e da mão no desenho. Há coisas que não se apagam, porque fazem parte. Aprendi na Suécia o valor do silêncio e aprendi que o Tempo é uma ferramenta de trabalho. Na Suécia aprendi o trabalho na oficina. Aprendi o valor de voltar a ter acesso a educação gratuita, e de altíssima qualidade. Depois, em 2013, o Prémio Nacional de Ilustração foi uma grande alegria. Foi nuclear, porque foi o reconhecimento do trabalho realizado (é o prémio mais importante que existe em Portugal). Receber este galardão acarreta a responsabilidade de continuar a trabalhar, com a máxima qualidade. Criam-se expectativas, naturalmente, e sinto que é meu dever não me defraudar, primeiro, e trabalhar sempre melhor, depois. No entanto, a ilustração, em Portugal, é muitas vezes um trabalho difícil, porque tudo está muito desorganizado. Muitas vezes sinto que o meu trabalho, e também o dos meus pares – apesar de ser reconhecido – muitas vezes não é valorizado como deveria.

Ilustrou livros para crianças e livros para adultos. Que diferenças?

A principal diferença está no ponto de partida, e falo do texto. A leitura que faço dos textos é fundamental para pensar na ilustração. Depois há sempre as perguntas: como é que eu posso fazer isto? O que farei eu com isto? O texto dá-me o escritor. Ou o escritor dá-me as palavras e eu tento perceber o que querem as palavras dizer. O processo criativo nem sempre é sistemático (a aventura pode acontecer de muitas maneiras), mas há um material de que gosto particularmente: o lápis de grafite. E o lápis permite-me desenhar. Mas são as palavras que me desafiam, e que me permitem ganhar (determinada) direcção. Eu gosto do jogo de dar a mão ao autor, de iluminar as palavras escritas. Não faço dentro da minha cabeça a clara distinção entre adultos e crianças. Mas ilustrar para a infância obriga-me a observar a infância – e a regressar à infância – e a reter a sua luminosidade. Algumas ilustrações para crianças incorporam a alegria mágica da infância que me é permitido testemunhar.

«Ilustrar um texto literário é ler, saber ler, gostar de ler.»

O que é para si ilustrar um texto literário? E é igual ilustrar narrativa e ilustrar poesia?

Ilustrar um texto literário é ler, saber ler, gostar de ler. Não se iluminam palavras se não se entender o sentido das palavras. Quando ilustro, leio. O ilustrador é um leitor e sendo leitor, perante o texto literário, está feito! O texto abocanha-o e não o larga. O ilustrador é apanhado pelas palavras. Depois há que fazer das palavras o melhor que pode e sabe. Daí ser importante pensar o que quero dizer. Porque enquanto autora, e apesar de ter como base de trabalho o texto, a palavra, ela muitas vezes não baliza… convida a. E esse convite é altamente sedutor. Ilustrar narrativa e ilustrar poesia não é igual, porque a poesia parece ser uma substância mágica. A poesia dá-me muito espaço, e é como se me dissesse: «faz». A poesia é sinestesia.

Não sei como surgem as imagens (não tenho uma explicação puramente lógica para o aparecimento da imagem), mas sei que a poesia me é, de alguma maneira, mais fácil ilustrar, talvez por permitir uma imagem mais gestual. O desenho surge em consonância com a palavra, brotando, como se fosse uma flor abrindo-se. Quando ilustro narrativa «a imagem» é a priori mais revelada, pelos personagens, pelos factos, pela sequência de espaços e de tempo. A narrativa oferece-me condições para melhor me situar, para tornar concreta a ilustração, mas sinto-me quase sempre tentada a subverter a ordem das coisas.

Parte da exposição é preenchida com ilustrações saídas na imprensa periódica e noutros tipos de publicação, que não livros. Há particularidades que distingam esses outros trabalhos que também realiza? E o trabalho que faz para o teatro?

Alguns dos trabalhos expostos foram realizados para jornais, revistas, discos e cartazes. Alguns dos trabalhos realizados para periódicos são políticos (falam de questões políticas, nacionais e internacionais, nomeadamente da questão turca, de refugiados, de encerramentos de fábricas e da justiça que é lutar por uma vida cheia de dignidade). Foram publicados no jornal Avante!, no i, na revista Bíblia e no Postas de Pescada – jornal sempre fresco. Outros trabalhos foram publicados na revista literária Cão Celeste, editada pela Inês Dias e pelo Manuel de Freitas. O princípio é sempre o mesmo: o que quero dizer?, mas também – e lembro-me do caso específico das ilustrações publicadas no Avante! – o que posso eu fazer? Quando Erdogan decidiu reprimir violentamente manifestações pacíficas em diversas cidades na Turquia senti uma grande aflição e decidi convidar ilustradores a fazer ilustrações para serem publicadas em jornais. Era preciso chamar a atenção para a ditadura que se instalava. Já o trabalho que fiz para Teatro, no e com o Teatrão, é um das maiores alegrias da minha vida profissional, especialmente se me lembrar da última produção para a infância baseada na obra de Manuel António Pina (em 2016 levámos Sophia ao palco). Ao trabalhar no seio de uma companhia, estreito ligações com outras pessoas: actores, actrizes, cenógrafa, designer de luz, encenadora, produtora. Ou seja, o trabalho nasce de uma camaradagem. Mas aprendi com a Filipa Malva, cenógrafa, que o trabalho faz-se para o Actor, que é quem faz tudo acontecer. O Actor acende-se (acende os pés e as mãos, como escreveu tão bem Herberto Helder) e joga com a ilustração que lhe é dada. A ilustração também ganha novas formas (pode, por exemplo, ser feita de luz ou transformar-se em brinquedo de brincar). O que é diferente é também a forma de concepção, porque a cenografia influencia o aparecimento das ilustrações. Mas o método de ilustrar, de pensar na ilustração, é radicalmente diferente, porque é na construção da peça, na presença contínua em ensaios que o trabalho se inventa. Mas é sempre o texto que se ilumina e desta vez pode ser teatro. Isso é espantoso.

Há quem reconheça um lado socialmente interventivo na sua ilustração…

É um desejo manifesto. Sou humana. E vivo no mundo. Não consigo, não devo, desligar-me dele. Durante quatro anos da minha vida trabalhei no Departamento de Habitação da Câmara de Coimbra, no gabinete de apoio ao vereador da Habitação. Lembro-me de pensar que parecia que tinha andado com uma venda nos olhos durante toda a vida. Aprendi muitas coisas. Vi, testemunhei muitas histórias terríveis, humanas, histórias de grande carestia de vida. Desenhei algumas delas. A ilustração é uma disciplina artística e, portanto, interventiva. Creio que todos os desenhos são políticos. Em 2014 quando fui convidada, juntamente com outros colegas, para participar no Festival de Ilustração e Banda Desenhada de Treviso, desenhei para o catálogo do festival várias imagens que foram inspiradas em fotografias de uma menina que recolhia livros no meio de escombros em Gaza. Nesse ano, no Verão, foram mortas mais de 500 crianças palestinas, vítimas de bombardeamentos. As fotografias daquela menina vestida de verde no meio dos escombros acabaram por me compelir a desenhar sobre elas. E daí, desse primeiro acto, acabou por nascer um livro em co-autoria com João Pedro Mésseder (que escreveu a história Que luz estarias a ler? para os meus desenhos). Em 2017 fiz, com João Pedro Mésseder e Joana Monteiro, um livro que é uma espécie de vai e vem. Chama-se Clube Mediterrâneo – doze fotogramas e uma devoração. Quantas pessoas desejaram chegar à Europa e morreram no mar? Vimos estas imagens e não nos esquecemos do que vimos. Ilustrar sobre isto é um posicionamento político.

Mas, na sua arte, também existe todo um complexo de outros elementos, de natureza mais antropológica, psíquica, emocional, não? Por exemplo, a questão da morte; elementos fantasmáticos marcam presença, e as imagens exprimem também um lirismo muito próprio.

Sim. Mas é mais difícil de discorrer sobre essa pergunta… creio que as minhas imagens são também fruto de experiências de vida vivida. E são por isso, também, memória. Creio que são também fruto da observância do mundo. As imagens são uma espécie de busca de sentido. Um dia li um pequeno texto da Ana Hatherly que diz o seguinte: «O criador de imagens é um cego a quem é dado ver numa pequena pausa fria».

Quais as suas referências no universo da ilustração e das artes em geral, nacionais e internacionais?

André Lemos. Maria Keil. Tiago Manuel. Manuela Bacelar. Carlos de Oliveira. Camilo Castelo Branco. Paul Klee. Tomas Tranströmer. Andreas Berg. Henri Matisse. Ana Teresa Pereira. José Afonso. Carlos Paredes. Camané. Aldina. Manuel António Pina. Ana Hatherly. Agnes Varda. Selma Lagerlof. Pär Lagerkvist. Manuel António Pina. Sophia. João Pedro Mésseder. Bill Watterson. Charles M. Schultz. Quino. Picasso. Modigliani. Arianna Vairo. Joanna Hellgren. Elsa Beskow. Mário Botas. Almada Negreiros. Filipa Malva. Joana Monteiro. Carlos Botelho. Pacheco. José Gomes Ferreira. Alvarez. Anna Castagnoli. Tommi Musturi. Chico Buarque. Munari. Jan Svankmajer. Stasys Eidrigevicius.

«Ser ilustrador é um trabalho precário, porque não existem regras. (…) Gostava que nos conseguíssemos organizar para criarmos para todos condições de trabalho diferentes.»

Sem medo das palavras: que grandes problemas profissionais e económicos enfrenta um ilustrador hoje, em Portugal? É possível viver desta arte? Não é inabitual ler nos media que, por exemplo, o livro infantil e juvenil em Portugal constitui um dos sectores mais dinâmicos do mercado editorial… E depois há também a ilustração para o livro escolar, que tem um peso enorme na produção e nas receitas de alguns grupos editoriais.

Ser ilustrador é um trabalho precário, porque não existem regras. O mercado pode ser dinâmico, mas é desregulado. Não há valores indicativos (tabelados) do preço do trabalho de um ilustrador. Quando trabalho com editoras, o trabalho de ilustração é, na maioria dos casos, mal pago e muitas vezes não o é sequer. O ilustrador acaba por fazer o projecto gráfico do livro e o pagamento que recebe paga o projecto gráfico e as ilustrações. Há grandes grupos editoriais que pagam hoje menos do que pagavam há quase dez anos e alguns exigem ficar com os originais. É difícil estabelecer contacto com as grandes editoras (a resposta tarda e muitas vezes nem sequer existe). Nalguns casos a escolha dos ilustradores é pouco transparente. Recebi já convites/propostas para ilustrar livros escolares (para os quais enviei ilustrações) e sabia que o trabalho não estava garantido à partida, porque este convite foi também enviado a outros colegas. Mas decidi arriscar porque gostei dos textos. Depois a editora decidiu que o trabalho seria feito por outro ilustrador. Nada disto foi pago. Quando se tenta perceber quem são as pessoas que «separam o trigo do joio» não nos dão qualquer informação. O trabalho do ilustrador é, nestas e noutras tantas situações, maltratado, pouco respeitado. Gostava que nos conseguíssemos organizar para criarmos para todos condições de trabalho diferentes. Mas não conseguimos fazê-lo. Entretanto há que pensar em criar formas de subsistência, gerando valor, para se viver deste trabalho. Portanto, há quem edite, quem faça workshops, oficinas, sessões com alunos nas escolas, há quem projecte e invente livros, colaborações, organize exposições, enfim, faça trinta por uma linha para poder pagar as contas… É penoso não ter um salário. Desorganizada a vida económica, como se pode projectar a vida que se quer vivida? E o futuro?


«Ser trabalhadora da cultura implica uma grande noção de dignidade do trabalho que fazemos.»

Como encara a política de apoio às artes e à cultura no nosso país? Que problemas enfrentamos?

A política de apoio às artes e à cultura é tão pobre no nosso país. Só há dois anos voltámos a ter Ministro da Cultura, mas esta reversão por si só não é garantia de uma real política de apoio às artes e à cultura. O desenvolvimento e a soberania do nosso país deveriam ser desencadeados e estar intimamente ligados ao desenvolvimento cultural. Mas esta não é claramente uma questão prioritária para quem nos governa e governou. A cultura (a cultura a sério) está intimamente ligada a todas as outras questões que nos dizem respeito a todos, colectivo. Como é que pode haver cultura sem o apoio à habitação? Como é que pode haver cultura sem o pleno direito à saúde, ao emprego, à educação? Como é que pode haver cultura num país em que a escola não ensina o justo posicionamento sobre o mundo? Como é que pode haver cultura com salários baixos? Como é que pode haver cultura sem floresta? Sem indústria? Como é que pode haver cultura num país despovoado, em muitos lugares vazio? No entanto, os agentes culturais e alguns municípios desempenham, localmente e não só, papéis fundamentais na criação e na divulgação cultural. Mas tudo acontece muito lentamente. Ao não cuidarmos da cultura corremos o risco de não deixarmos de ser um país (ainda) atrasado e perdido. Lembro-me sempre de um sketch do Herman que acontecia numa pequena terriola onde havia uma livraria, que tinha sido assaltada e vandalizada durante a noite. O jornalista entrevista uma mulher para lhe perguntar sobre o assalto e o ataque à cultura. Ela responde: «cultura, cultura… cultura não enche barriga!» É caricato, mas é sempre isto. Ontem o meu pai perguntou-me: quando anunciam os programas de apoio às artes ficas ansiosa? Tens vontade de concorrer? Respondi-lhe com um pronto não. Há coisas que me deixam sempre de pé atrás: as chamadas indústrias culturais e a mercantilização da cultura. A entrega de equipamentos públicos a privados, as grandes empresas a comerem tudo. As movimentações de gente duvidosa… A tecnologia a dominar as cabeças de todo o mundo. Por tudo isto sei que ser trabalhadora da cultura implica uma grande noção de dignidade do trabalho que fazemos e que temos de continuar a fazer, todos os dias, atentos, perseverantes, lutadores (escrevo no plural propositadamente).

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