1 de Maio de 1886. Nesse sábado e nos dias seguintes, em Chicago, nos Estados Unidos da América, dezenas de pessoas foram feridas e mortas pela polícia. Massacradas por se unirem numa greve a reclamarem por algo que hoje, no trabalho, não só é elementar como direito ao descanso mas, mesmo, um abuso (por regra, em pelo menos 4 horas semanais) desse direito: a limitação do horário de trabalho a oito horas diárias e 48 horas semanais.
Ao longo destes 43 anos, o primeiro de Maio transformou-se numa das mais belas e ao mesmo tempo mais poderosas jornadas de luta dos trabalhadores, tendo sempre presente a defesa da democracia e das conquistas de Abril. «…instituir uma grande manifestação internacional, numa data fixada de uma vez para sempre, de modo a que em todos os países e em todas as cidades, simultaneamente, neste dia, os trabalhadores exijam dos poderes públicos que a jornada de trabalho seja reduzida para 8 horas e que se cumpram todas as decisões do congresso internacional…». Foi com esta resolução que os congressos internacionais, realizados em Paris, em 1889, decidiram instituir o 1.º de Maio como Dia Internacional do Trabalhador, tendo como objectivos, prestar homenagem aos oito dirigentes operários, que ficaram conhecidos como os Mártires de Chicago e dar continuidade ao poderoso movimento de greves e manifestações, iniciado pelos trabalhadores americanos, a 1 de Maio de 1886, pela redução do horário de trabalho. Luta que, embora num contexto diferente, continua a ter plena actualidade. Vítimas da violenta repressão patronal sobre os trabalhadores em luta, que provocou vários mortos e feridos em vários Estados, estes oito dirigentes de Chicago foram acusados e condenados – sete deles com pena de morte – por um crime que não cometeram, como mais tarde ficou provado, tendo quatro acabado na forca, gerando um forte movimento internacional de indignação e solidariedade. Realizado pela primeira vez em 1890, com manifestações em várias cidades, incluindo Lisboa e Porto, o 1.º de Maio nunca mais deixou de ser comemorado, passando a constituir uma referência na luta dos trabalhadores, contra a exploração capitalista, estando indelevelmente associado às mais importantes realizações e conquistas dos trabalhadores de todo o mundo. Em Portugal, com a consolidação do sindicalismo revolucionário, no inicio do século XX, particularmente após a implantação da República, o 1.º de Maio contribuiu para impulsionar a acção de massas que levou à conquista de importantes direitos, com relevo para a fixação das 8 horas de trabalho para a indústria e o comércio, em 1919. Durante o fascismo, não obstante a supressão das liberdades e a repressão sobre a organização dos trabalhadores, o 1.º de Maio constituiu sempre um momento alto da luta contra a ditadura, ficando gravadas a letras de ouro na história do movimento operário as grandes mobilizações do Maio de 1962, com milhares de manifestantes nas ruas de Lisboa e Porto e mais de 200 mil trabalhadores agrícolas em greve, o que levou à conquista das 8 horas de trabalho nos campos do Alentejo e Ribatejo e deu um forte abalo nos alicerces da ditadura fascista. Mas o Maio de todos os Maios surgiu em 1974, oito dias após o 25 de Abril – o primeiro 1.º de Maio em liberdade, declarado feriado pelo poder saído da Revolução, na sequência da reivindicação da Intersindical Nacional. A gigantesca mobilização de massas, que encheu ruas e praças de todo o País, não só aclamou o 25 de Abril, como contribuiu decisivamente para que o levantamento militar se tivesse transformado num processo revolucionário, abrindo caminho para a consolidação das liberdades e para a conquista de direitos políticos, económicos, sociais e culturais que transformaram a vida dos trabalhadores e das populações, tais como, a implementação do salário mínimo nacional, o aumento generalizado dos salários através da expansão da contratação colectiva, o direito a férias e aos subsídios de férias e de Natal, a proibição dos despedimentos sem justa causa e todo um acervo de direitos fundamentais dos trabalhadores, que vieram a ser consagrados na Constituição da República. Ao longo destes 43 anos, o primeiro de Maio transformou-se numa das mais belas e ao mesmo tempo mais poderosas jornadas de luta dos trabalhadores, tendo sempre presente a defesa da democracia e das conquistas de Abril; a plena concretização das funções sociais do Estado nos domínios da segurança social, da saúde e da educação; a valorização dos trabalhadores, através da melhoria dos salários e da conquista de novos direitos, de que são exemplo, a conquista das 40 horas semanais em 1996 e a luta em curso pelas 35 horas para todos; mas também a resistência à política de direita e à ofensiva do patronato e de sucessivos governos contra os direitos sociais e laborais e, nos anos das troikas, nacional e internacional, a luta contra o programa de exploração e empobrecimento implementado pelo governo PSD/CDS. Por todas estas razões, não espanta que os inimigos dos trabalhadores tudo façam para desvirtuar e desvalorizar o significado do 1.º de Maio. Desde as pressões para considerar este dia como dia normal de trabalho, quer seja através da imposição da abertura das grandes superfícies comerciais, ou do trabalho extraordinário forçado, até à designação, aparentemente inocente, de «dia do trabalho», em vez de dia do trabalhador, passando pelas «promoções extraordinárias» intencionalmente programadas para transformar este dia num apelo ao consumismo, ou pelo incentivo ao aproveitamento do feriado para «programas familiares», de tudo se servem para tentar afastar os trabalhadores menos atentos dos locais onde a luta se desenvolve e a solidariedade e a consciência de classe se reforçam. A resposta a esta ofensiva ideológica será, uma vez mais, dada pelos trabalhadores, fazendo deste 1.º de Maio uma grande jornada, que seja, simultaneamente, de homenagem, de solidariedade de classe, de festa e de luta. Homenagem, não só aos mártires de Chicago por aquilo que simbolizam, mas a todos os Homens e Mulheres que, com grande coragem, espírito de sacrifício e abnegação, contribuíram com a sua luta, muitas vezes com o sacrifício da própria vida, para tornar possível a conquista dos direitos políticos, sociais e laborais de que hoje usufruímos e pelos quais nos batemos, para defender e melhorar. Solidariedade de classe, para com todos os trabalhadores que, em Portugal e no mundo, são atingidos pelo desemprego, a precariedade, baixos salários, e que são privados dos mais elementares direitos sociais e humanos; solidariedade traduzida no prosseguimento da luta, pela paz, pela defesa dos direitos, pela melhoria das condições de vida e de trabalho e contra a exploração capitalista, tendo no horizonte a construção de uma sociedade onde não mais exista a exploração do Homem pelo Homem. Festa, para comemorar as conquistas alcançadas pela acção colectiva dos trabalhadores. Comemorar especialmente a liberdade alcançada com o 25 de Abril de 1974; as conquistas da Revolução; a resistência que barrou o caminho à ofensiva do patronato e de sucessivos governos contra os direitos económicos, sociais e laborais; a derrota do governo PSD/CDS, de má memória e o seu programa de exploração e empobrecimento; as vitórias alcançadas através da acção reivindicativa e da luta dos trabalhadores nas empresas e serviços. De luta, pelo muito que ainda existe para defender e conquistar. Tal como a CGTP-IN reafirmou no seu último Conselho Nacional, neste 1.º de Maio é tempo de vir para a rua exigir medidas concretas para acabar com as injustiças, as desigualdades e a pobreza, nomeadamente a pobreza laboral. Respondendo a esta mensagem, centenas de milhar de trabalhadores e suas famílias vão convergir para as manifestações do 1.º de Maio, convocadas pela CGTP-IN, em mais de 40 cidades e localidades, em todo o País. Na bagagem trazem as faixas, as bandeiras e a voz com que vão dar expressão pública às suas lutas, valorizar as vitórias alcançadas através da acção reivindicativa nos locais de trabalho e exigir respostas, do patronato e do Governo, para os seus problemas e para as suas justas aspirações. O 1.º de Maio será uma grande jornada de convergência do enorme caudal de luta que, nos últimos meses, mobilizou muitos milhares de trabalhadores, em acções gerais e sectoriais, da Administração Pública, central e local, Sector Empresarial do Estado, professores, enfermeiros, call center, comércio e serviços, indústria transformadora, aviação e aeroportos, transportes, entre outros, dando um sinal claro ao Governo de que tem de romper com os constrangimentos impostos pela União Europeia, para investir no desenvolvimento do País, concretizar a reposição de todos os rendimentos e direitos, cortados ou restringidos pelo Governo PSD/CDS, e avançar com urgência na valorização do trabalho e dos trabalhadores, o que implica, designadamente: - o aumento geral dos salários, incluindo o salário mínimo nacional, tendo presente a exigência de alcançar mais justiça na distribuição da riqueza produzida pelos trabalhadores; - o fim dos bancos de horas, dos horários concentrados e de outras formas de desregulação, que impõem o prolongamento dos horários, com graves consequências para a saúde e a vida familiar dos trabalhadores; - a redução do horário de trabalho para todos, que não só é possível, como se torna cada mais um imperativo, à medida que avança a aplicação tecnológica no sector produtivo e nos serviços, gerando grandes ganhos de produtividade; - o fim da precariedade, garantindo a todos os trabalhadores que ocupam postos de trabalho permanentes um contrato efectivo, tanto na Administração Pública como no sector privado; - a revogação das normas gravosas do Código do Trabalho e a reposição de direitos, entre os quais os 25 dias de férias para todos; - a reposição plena do direito de contratação colectiva, com o fim da caducidade das convenções, a reposição do princípio do tratamento mais favorável e dos direitos que foram livremente negociados; - o desbloqueamento das carreiras e o aumento dos salários na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado; - a garantia do direito à reforma, sem penalização após 40 anos de carreira contributiva e reposição da idade legal de acesso à reforma aos 65 anos; - a valorização das pensões e das prestações sociais, de desemprego e outros; - investimento na melhoria dos serviços públicos, designadamente no Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social e Ensino. Não se trata de pedir o impossível. Trata-se de medidas urgentes e necessárias, para melhorar as condições de vida e de trabalho e para dinamizar a economia do País, que estão ao alcance do Governo e do patronato. Neste 1.º de Maio, é preciso deixar claro, que os mesmos trabalhadores que tudo fizeram para derrotar o Governo PSD/CDS e a sua política e que valorizaram, e valorizam, os avanços verificados, só possíveis devido à alteração da correlação de forças na Assembleia da República, não hesitarão no recurso às formas de luta necessárias pela defesa dos direitos e por melhores condições de vida e de trabalho. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
As origens e a actualidade do 1.º de Maio
O 1.º de Maio em Portugal
Contribui para uma boa ideia
Então, há 138 anos, o Trabalhador (ainda) não tinha Dia. Era um trabalhador «sem dia». E até sem horas. Para a família, para dormir, até para comer. Enfim, porque o tempo é (a) vida, para viver. Mas lutar pela vida pode ter por risco a morte.
Morreram a lutar pela vida, por uma míngua de descanso pessoal e de disponibilidade para a família, por porem cobro a jornadas de trabalho que podiam ir até às 12, 14 e mesmo 16 horas por dia.
A História regista esse período em que, contexto da chamada Revolução Industrial, preponderava o ultraliberalismo económico («neutralidade do Estado») e, daí, falta de regulamentação (consagração legal de direitos e obrigações), logo, de regulação das chocantes desigualdades sociais de que é instrumento a exploração laboral desenfreada: salários miseráveis, trabalhos penosos e insalubres, condições de segurança e saúde no trabalho e horários de trabalho desumanos, trabalho infantil.
Enfim, exploração, desumanização e submissão extrema dos trabalhadores, assentes (ainda) na concepção (da qual, ainda que em novas formas, há evidentes sinais de recrudescimento) do trabalho como uma mercadoria1 como qualquer outra e não como consubstanciando-se nas pessoas que o realizam.
O Trabalhador, ainda que com sangue, acabou por conseguir o seu Dia2 e, em resultado da sua organização e luta como colectivo e do envolvimento de instituições internacionais e europeias e da própria Igreja, em cada vez mais países, o Estado alterou a sua posição «neutral» perante essa importantíssima Questão Social, sendo que – sintetizando toda uma evolução legislativa, institucional, cultural, económica, social e política até aos dias de hoje – isso levou ao progressivo reconhecimento e enquadramento institucional e político-legal do trabalho como central e determinante nas condições de vida de cada um e, por isso, na sociedade.
«Enfim, exploração, desumanização e submissão extrema dos trabalhadores, assentes (ainda) na concepção (da qual, ainda que em novas formas, há evidentes sinais de recrudescimento) do trabalho como uma mercadoria (...).»
Contudo, porque até poucos dias antes de há precisamente 50 anos e então desde há pelo menos 48 anos, (ainda) vinha de um trabalho em que a qualquer momento e sem explicação ou causa (justa ou injusta) podia ir para «o olho da rua» (ou até preso, se reclamasse muito), de facto, com o significado de se reconhecer e ser reconhecido e respeitado como pessoa e cidadão livre no seu trabalho, o Trabalhador continuava sem o seu «Dia».
Por isso, nesse Primeiro de Maio como Dia do Trabalhador de há meio século, ainda que não tendo passado pela prévia violência e morte de há 138 anos, o Trabalhador acreditou com convicção na esperança do direito exercício de um trabalho seguro, reconhecido e recompensado dignamente e sem a incerteza, o medo de ter sempre a vida (o sustento, a família, a dignidade), sob a ameaça do «olho da rua» ou da prisão.
E daí que se emocionasse, empolgasse, ao reconhecer-se nessa esperança generalizada e exuberantemente expressa em massa nas ruas e praças do país. Na esperança de, também em Portugal, finalmente, tal dia, tendo por sustentação e horizonte aqueles dois dos três DD – Democracia e Desenvolvimento – referências essenciais do Vinte e Cinco de Abril de uma semana antes e com significado substantivo nas suas condições de trabalho e de vida, passar doravante a ser o seu dia, o Dia do Trabalhador.
Mas agora, 1 de Maio de 2024, não obstante também ser uma quarta-feira como há 50 anos e do reconhecimento do progresso social e político no trabalho que a Democracia impulsionou, novamente e já desde há umas décadas o aflige e revolta a dúvida de se tal dia lhe significa ser (ainda) o Dia do Trabalhador, naquele seu genuíno sentido social, de identidade colectiva no e pelo trabalho. Ou se, com tal identidade progressivamente «esmigalhada» (parafraseando Georges Friedman há 70 anos), por «flexibilizações» legais e de facto assentes em privatizações, reestruturações e externalizações de toda a ordem, lhe passou a ter um significado meramente individual(izado): o de ele próprio, tal como cada um dos trabalhadores em geral, ter passado a ser o «trabalhador do dia»: um dia, um; outro dia, outro; outro dia, outro...
O significado e a incerteza de um trabalho (logo, uma vida) a prazo, temporário, ou em variantes esquisitas, como a de «esverdeado» por um recibo falso ou tendo por patrão um algoritmo. Enfim, uma vida que pela precariedade do que lhe é sempre central como suporte e condicionante – o trabalho –, se torna também cada vez mais permanentemente precária em tudo o que dia-a-dia a consubstancia: saúde, educação, alimentação, habitação, cultura, participação social. Em síntese, na «liberdade a sério».
Unidade. Sejam operários ou empregados, funcionários administrativos ou enfermeiros, professores ou investigadores ou médicos, efectivos ou precários. Para a luta dos trabalhadores ser frutífera. Ao perfazer cento e trinta e dois anos sobre a brutal repressão patronal e policial que se abateu sobre os trabalhadores em Chicago, e tendo em consideração a actual situação sócio-política, será oportuno questionarmo-nos sobre o seguinte: – Quais os interesses que se escondem na «justificação» das políticas de desvalorização crescente da remuneração da força de trabalho, das específicas reivindicações de vários grupos profissionais e do contributo das correspondentes lutas para a construção de uma sociedade mais justa? – Quem ganha com a aceitação, por parte dos trabalhadores, dos preconceitos ideológicos inculcados na população pelas estruturas que visam perpetuar o poder dominante? A reflexão sobre questões deste tipo ajudam-nos a compreender a existência de uma oposição insanável entre os interesses comuns de quem trabalha e os interesses de classe do capital, realidade presente no assassínio dos mártires de Chicago, na brutal repressão policial do 1.º de Maio de 1982, no Porto, da responsabilidade de Ângelo Correia, ministro social-democrata do Governo PSD/CDS de então, ou nas orientações da Troika orgulhosamente excedidas pelos serventuários do capital instalados no anterior Governo. Sendo essa oposição uma realidade fácil de ilustrar, há quem recuse ver o antagonismo de interesses entre as classes que diariamente conflituam na nossa sociedade, considerando-a uma invencionice derivada de Marx e Engels. E os ignorantes mais profundos, ou os preconceituosos militantes, suporão até, reflectindo assim uma certa cultura herdada a partir do berço, que a denúncia da exploração do proletariado surgiu com o Partido Comunista Português, de constituição contemporânea, em 1921, cuja depuração programática se consolidou com a reorganização de 1940/41. Será surpreendente, para tais preconceituosos, saber que não era um perigoso radical esquerdista quem, já em 1831, exaltava o proletariado, colocava em evidência a oposição entre os trabalhadores e os capitalistas e denunciava a desigualdade das leis feitas pelos possidentes para protecção dos seus interesses particulares à custa dos interesses dos desfavorecidos. Essa atitude veio de um padre e filósofo católico francês, Hugues-Felicité Robert de Lamennais, na sua obra Da Escravatura Moderna. Por sua vez, na mesma época, Robert Owen, industrial têxtil escocês, denunciou a sobre-exploração dos operários, propôs uma nova ordem económica e social através da cooperação, do socialismo, da apropriação colectiva do valor da mercadoria, e tentou que diversos governos legislassem segundo as suas ideias. E também Buret e Villermé, em 1840, Ducpétiaux, em 1843, e Friedrich Engels, em 1845, entre outros, denunciaram o dramatismo da condição operária – jornadas de trabalho até 20 horas seguidas, crianças de 6 a 8 anos coagidas a trabalhar até 12 a 14 horas diárias, habitação em antros miseráveis, promiscuidade, doenças endémicas, esperança média de vida de pouco mais de 30 anos, sujeição à total arbitrariedade dos patrões e capatazes. Foi nesse contexto que Karl Marx ponderou criticamente as análises, as teses e as propostas de outros filósofos de matriz socialista, confrontou-as com o próprio conhecimento directo da condição operária, identificou a origem da exploração do proletariado, e editou com Engels, em 1848, O Manifesto do Partido Comunista, após o que ambos se lançaram á elaboração do materialismo histórico. Os movimentos liberais de meados do século XIX levaram ao poder a burguesia. Porém, aí instalada, a burguesia negou por lei às classes trabalhadoras a liberdade individual e de grupo que para si própria reivindicou desde a transição para o século XV. E logo usou a repressão de Estado para conter manifestações de revolta popular contra as injustiças sociais e contra as lutas proletárias. Por isso, essas lutas cresceram e diversificaram-se pelos países, tornando necessária a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1864; conduziram à primeira experiência histórica do exercício do poder político pela classe operária na Comuna de Paris, em 1871; e causaram o alargamento da influência da I Internacional ao continente americano, até à sua extinção em 1876. Entretanto, a meio do século XIX, o nosso país mantinha-se estagnado por interesses voltados para a exploração da terra, das colónias e do comércio marítimo. Sintomaticamente, os primeiros teares mecânicos chegaram à Covilhã apenas em 1848, meio século após o início da chamada Revolução Industrial. Na fase embrionária do movimento operário português, ainda dependente da iniciativa e direcção da pequena burguesia filantrópica, mas da indispensável confiança do regime no poder, a produção de bens de consumo mantinha-se artesanal ou com origem em pequenas empresas manufactureiras. E o operariado, diminuto, reflectia as carências infra-estruturais do país, indispensáveis à industrialização. Contudo, no terceiro quartel desse século, o movimento operário já evoluíra o bastante para se integrar no tipo de organização influenciada pela I Internacional, onde pontificava Karl Marx. A internacionalização da luta operária, a partir do 1.º de Maio de 1886, foi a consequência resultante da generalização da já referida sobre-exploração dos assalariados, forçados a longuíssimas jornadas de trabalho, vivendo em condições miseráveis, sujeitos a todas as arbitrariedades patronais, sem direitos laborais inscritos na lei e protegidos pelo Estado. Em Portugal, onde os tabaqueiros, em Março de 1889, já tinham conquistado o direito às 8 horas de trabalho diário, o primeiro 1.º de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, ocorreu em 1890, mais participado no Porto, onde a polícia manteve uma presença intimidatória, mas sem impedir a aprovação das reivindicações a entregar no Governo Civil; também significativamente participadas as comemorações aconteceram em Lisboa, e foram continuadas nos dias seguintes, designadamente em Coimbra e Silves. Na ocasião, houve paralisações de trabalho apesar da proibição das greves. Forçados pelas reivindicações operárias, os governos da Alemanha, França, Inglaterra, Bélgica e Suíça reuniram na 1ª. Conferência Internacional do Trabalho, em Maio de 1890, em Berlim, onde acordaram (o que Portugal veio a subscrever) princípios da regulamentação do trabalho na Indústria. Logo em Agosto desse ano foi a vez dos caixeiros do Porto obterem as 8 horas de trabalho diário. Ainda nesse ano saíram as leis do descanso dominical na indústria e da protecção das mulheres e dos menores, bem como a lei do direito legal à constituição de associações de classe A luta internacional do Primeiro de Maio já levava 3 anos de crescimento e o poder político no país, entalado entre as reivindicações operárias e o avanço da oposição liberal, receou por si: o Rei D. Carlos saiu de Lisboa para Vila Viçosa a 30 de Abril de 1890, regressando à capital em 2 de Maio; neste período foram colocadas de prevenção Companhias de Cavalaria da Guarda Municipal e houve a mobilização da Polícia. Em 1893, o Ministério do Reino proibiu um cortejo que estava a ser organizado pelos socialistas, em Lisboa, onde a polícia só deixava seguir pequenos grupos. Mas realizaram-se comícios na Serra do Pilar, no Porto, e houve comemorações no Algarve, Setúbal, Barreiro, Almada e Coimbra. Pouco depois, o Dia Internacional dos Trabalhadores comemorava-se já em Ponta Delgada. Em 1898, envolvia a representação de 120 associações de Lisboa, chegava à Figueira da Foz, Tomar, Portalegre, Fronteira, Alenquer e Paço de Arcos… e continuou a crescer, mau grado as divergências ideológicas que se iam afirmando no movimento operário nacional, que prosseguia vencendo proibições das autoridades e a acção intimidatória da polícia. No início, a jornada de luta internacional o 1.º de Maio desenvolveu-se centrada na conquista do direito a 8 horas de trabalho, 8 horas de estudo e 8 horas de descanso. Todavia, a situação social tornou-se mais complexa em resultado de várias crises económicas que atingiram gravemente os trabalhadores de diferentes países, designadamente os portugueses. Então, o 1.º de Maio de luta passou progressivamente a integrar as reivindicações que se generalizavam ao nível dos locais de trabalho, dando suporte prático à consideração de Marx, que afirmou não ser bastante ao êxito da luta a força do número do operariado, se não houvesse unidade na acção em defesa dos interesses comuns da classe. A Primeira República provocou a frustração das expectativas criadas pelo movimento operário quanto ao progresso dos direitos laborais, donde resultou o acentuado aumento do volume de greves nas empresas e sectores diversos. Durante o regime fascista, estando proibido o livre associativismo sindical e as greves, sob a principal influência da orientação clandestinamente divulgada pelo PCP os trabalhadores formaram Comissões de Unidade nas empresas para reclamarem do patronato melhorias salariais e de condições de trabalho, realizaram paralisações do trabalho e participaram em concentrações e desfiles, incluindo nas comemorações do Dia Internacional dos Trabalhadores, enfrentando a brutalidade da repressão policial e as cadeias da PIDE. O Primeiro 1.º de Maio em Liberdade, em 1974, convocado para todo o país pela Central histórica dos trabalhadores portugueses e participada massivamente pela população, constituiu a promoção de um acto de indiscutível legitimação popular da Revolução levada a cabo pelos Capitães de Abril. E na fase de recuperação do poder do capital, os 1.ºs de Maio mantiveram-se como pontos altos da luta da CGTP-IN em defesa das conquistas da Revolução de Abril e da Constituição da República, que em grande parte as continua a consagrar. A evolução mais recente do sistema económico-social acentuou a tendência da crescente assalariação dos profissionais de actividades que já foram geralmente praticadas em regime dito «liberal», bem como a desvalorização do custo do trabalho mais qualificado. Curiosamente, mas não por acaso, os propagandistas do capital, talvez estribados na aceitação por parte de instituições sindicais constituídas para concertar, insistem em referir-se aos assalariados em geral como colaboradores, na linha do que preconizava o salazarismo. Mas a existência do conflito de interesses de classe antagónicos, fundamentado por Marx e Engels, não se diluiu ou desapareceu com a substituição de Passos Coelho e do PSD por António Costa e pelo PS na chefia do Governo, apesar dos acordos à Esquerda, em sede de conteúdo do Orçamento do Estado. De facto, a natureza da política em prática continua intocável: o Governo mantém a intenção de não corrigir o retrocesso da legislação laboral do tempo do governo de Passos Coelho, teima na caducidade dos antigos contractos colectivos, valoriza mais o ritmo da redução do défice do que as necessidades de investimento para resolução dos problemas existentes no Serviço Nacional de Saúde e no Ensino Público, e o da depreciação da parte dos salários na repartição do rendimento. Em resumo, o essencial da política continua submetida aos ditames dos interesses dominantes na nossa sociedade e protegidos pela União Europeia – é isso que evidenciam as movimentações sociais recentes, e outras que já se anunciam, e os objectivos fixados para este 1.º de Maio de 2018 da CGTP-IN. O êxito das diferentes lutas específicas contra a tentativa neoliberal de manter a reversão dos justos anseios dos membros dos vários sectores de actividade e dos direitos laborais obtidos com a luta organizada dos trabalhadores, a todos desafia a envolverem-se em unidade. Sejam operários ou empregados, funcionários administrativos ou enfermeiros, professores ou investigadores ou médicos, efectivos ou precários. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
O 1.º de Maio, ou as razões de somar o número à unidade
Desigualdade e antagonismo de classes: uma longa história
Em Portugal como em todo o mundo: exploração, desigualdade, luta dos oprimidos
Os pioneiros do 1.º de Maio em Portugal
Da frustração da Primeira República ao primeiro 1.º de Maio em liberdade
Ao desafio neoliberal, hoje, responderão os trabalhadores com a sua luta
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O significado de que a esperança assente nas expectativas deste Dia, há 50 anos, retrocedeu em não poucos domínios das suas condições de trabalho. Inclusive, para além das desigualdades sociais (em que os baixos salários suportam lucros desproporcionados e «extraordinários» por tão exorbitantes) que recrudescem, até pelo menos num que então foi o essencial da luta desses trabalhadores em Chicago, há 138 anos: a sobre-intensificação do trabalho.
De facto, quanto a não poucos trabalhadores, quer na duração, quer agora mais no ritmo e organização do tempo de trabalho praticado (que não é garantido ser o legalmente previsto e registado), a inovação tecnológica (e nomeadamente a «digitalização» do controle e avaliação do desempenho) e gestionária, com consequências humanas e sociais (desde logo na saúde pessoal e pública) estudadas e evidenciadas, têm vindo a acentuar a sobre-intensificação do trabalho, quer físico, quer mental.
Daí que seja humana, social e politicamente legítimo, mesmo indispensável na perspectiva de melhoria das condições de trabalho (de um Trabalho Digno) e até da economia (em qualquer organização, qualidade e produtividade variam na razão directa de salários e condições de trabalho dignas), que os «trabalhadores do dia» de hoje (e de amanhã), assentes na realidade mas também na memória e na História, se (re)únam e (re)organizem na criação de condições que, nessa perspectiva, confiram de novo significado, como há 50 anos, ao Dia do Trabalhador.
- 1. «O trabalho não é uma mercadoria» é, desde 10/05/1944, com a Declaração de Filadélfia, na 26.ª Conferência da OIT, o primeiro dos princípios fundamentais da Constituição desta organização internacional.
- 2. Breve síntese histórica, instituído a nível internacional em 1889 pela Segunda Internacional Socialista, em Portugal, o Dia do Trabalhador, passou a assinalar-se como feriado em 1890 e, depois de durante 48 anos reprimida a sua manifestação como tal pela polícia política da ditadura, pela primeira vez em liberdade conferida pela democracia, em 1 de Maio de 1974.
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