A marcação da greve geral para o dia 11 de Dezembro trouxe para o espaço mediático a discussão sobre o pacote laboral e deu uma centralidade ao trabalho que, estando sempre presente no nosso dia-a-dia, não está tanto naquilo que vemos, ouvimos e lemos nos meios dominantes de comunicação social.
As alterações à legislação laboral, embrulhadas pelo Governo num pacote com mais de cem medidas, reflectem a opção pela intensificação da exploração e, caso se concretizassem, aprofundariam o que de pior afecta a vida de quem trabalha e amarrariam ainda mais o país ao modelo de baixos salários e precariedade. Seriam um retrocesso social, mas também económico, um travão ao desenvolvimento que só aceleraria as desigualdades.
O AbrilAbril tem desmontado muitas das consequências, mas também das motivações, daquilo que está em discussão. Estamos perante um pacote que vai ao núcleo da relação laboral, apresentado com a perspectiva que a lei do trabalho protege em demasia quem trabalha e que o futuro se constrói com o retrocesso social que procura individualizar ainda mais as relações de trabalho, como se quem vende a sua força de trabalho estivesse nas mesmas condições de quem a compra.
Vendem-nos o pacote como sendo o resultado natural de uma adaptação às novas condições do século XXI, como elemento indispensável para melhorar a competitividade, como instrumento para o aumento da produtividade, com «novas» regras que seriam benéficas para todos.
«Estamos perante um pacote que vai ao núcleo da relação laboral, apresentado com a perspectiva que a lei do trabalho protege em demasia quem trabalha e que o futuro se constrói com o retrocesso social que procura individualizar ainda mais as relações de trabalho, como se quem vende a sua força de trabalho estivesse nas mesmas condições de quem a compra.»
O pacote laboral, apelidado pelo Governo de «Trabalho XXI», não tem nada de novo, nem responde a novas condições, antes segue e aprofunda uma linha e uma política com décadas. Uma política que está na base dos défices estruturais do país, das desigualdades e dos atrasos que temos de superar. Recuperemos uma redacção de 29 de Julho de 1986, no primeiro acordo em sede de CPCS subscrito pela UGT, CAP, CCP e CIP: «O contexto actual da economia portuguesa aconselha a que (…) se retenham objectivos estratégicos como o emprego, a modernização da economia, o aumento da produtividade – em cujos ganhos os salários devem participar –, o crescimento dos salários reais e a formação da poupança». Mais à frente lê-se «o crescimento dos salários nominais deverá ter por base a inflação esperada e ter em conta os ganhos esperados de produtividade e a competitividade das empresas».
A mesma ladainha do patronato e do Governo ao seu serviço é usada hoje, com mais anglicismos, mas não menos hipocrisia. Passaram 39 anos e aqui estamos com um projecto de alteração da legislação laboral para promover a competitividade e o aumento da produtividade como condições a satisfazer primeiro, para depois, sempre num «depois» que tarda em chegar, fazer crescer os salários.
A produtividade1 numa economia depende de um conjunto vasto de factores, que vão do seu perfil de especialização (aquilo que é produzido), às condições materiais em que essa produção é realizada (que se pode medir, por exemplo, pelo stock de capital por trabalhador2), ao enquadramento institucional, ao nível de formação e educação da força de trabalho, às condições do espaço em que a produção ocorre, entre outras.
Ao longo dos anos, e no quadro da discussão da proposta do Governo PSD/CDS em particular, dizem-nos que os salários são baixos porque a produtividade é baixa, usando comparações com a média da União Europeia (UE). Dados do Eurostat indicam o salário médio por trabalhador em Portugal é 62% do da da média da UE3, mas a produtividade (medida em paridades de poder de compra) é 80%, ou seja, há uma maior distância entre aquilo que recebemos em salário do que entre aquilo que produzimos.
Mas a questão central nem é esta. A riqueza produzida hoje é suficiente para o aumento geral e significativo de todos os salários, bastando para tal uma melhor distribuição. Assim, mais do que uma «consequência», os baixos salários são cada vez mais uma causa para a baixa produtividade. Uma economia que estruturalmente se organiza alicerçada em baixos salários e precariedade atrai actividades dependentes de… baixos salários e precariedade. É uma economia que se alimenta e fomenta este modelo, que o reproduz e perpetua, cujas actividades não requerem nem elevadas qualificações, nem salários mais altos. Podem haver excepções nesta ou naquela empresa, neste ou naquele sector, mas serão sempre isso, excepções à regra.
Com o pacote laboral, o que o Governo – apoiado pelo CH e a IL, com entusiasmo indisfarçado do capital e das suas organizações – quer, é dar mais poder ao patronato para usar vínculos precários, para mexer nos horários e no tempo de trabalho, para despedir mais facilmente, para negar direitos aos filhos dos pais e mães trabalhadores. Um pacote que, caso fosse aprovado, degradaria ainda mais as condições em que se desenvolve o direito à contratação colectiva, à liberdade sindical e o direito à greve.
Com este pacote, teríamos uma legislação que não só não iria potenciar nem atrair actividades geradoras de maior valor, como só iria criar ainda mais mecanismos para intensificar a exploração e esmagar os salários.
A greve geral de 11 de Dezembro é um momento alto para que cada trabalhador rejeite estas alterações e o retrocesso que implicam, mas também para exigir mais salários, mais direitos e mais serviços públicos. Um momento para exigir o futuro a que temos direito e romper com o modelo que nos trouxe até aqui.
- 1. A produtividade aparente do trabalho é dada pelo rácio PIB/n.º de trabalhadores.
- 2. Dados para este indicador, que nos indicam o valor dos meios de produção usados numa economia, estão disponíveis aqui. Na comparação com a média da União Europeia, em Portugal um trabalhador opera com meios de produção cujo valor é inferior em 43% ao da média da UE. Em 2003, o valor situava-se nos 40%. Estamos a regredir nas condições para o aumento da produtividade.
- 3. Aqui para o valor do salário médio, aqui para a produtividade.
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