O Governo foi obrigado a publicar em Diário da República uma rectificação à Resolução do Conselho de Ministros (RCM) que criava a Comissão Promotora das Comemorações dos 50 anos do 25 de Novembro de 1975, para rectificar uma mentirola que lá colocara.
A mentirola estava na frase «Com o 25 de Novembro afirmou-se a autoridade legítima do Estado democrático, contribuiu-se para estabilizar as instituições, assegurou-se o ambiente político e social propício à adopção e à plena entrada em vigor da Constituição da República, aprovada meses depois e, cumprindo-se o espírito originário da revolução, foi possível realizar em 25 de abril de 1976 as primeiras eleições livres e democráticas em Portugal, por sufrágio directo e universal.»
Ora, esta frase é falsa. Objectivamente falsa. As «primeiras eleições livres e democráticas em Portugal, por sufrágio directo e universal» realizaram-se a 25 de Abril de 1975, um ano antes, e estava o país naquilo que a própria RCM define como «Período Revolucionário em Curso», que situa entre o 11 de Março de 1975 e o 25 de Novembro de 1975. As eleições realizaram-se com a maior participação de sempre, o PS foi o partido mais votado, o PSD o segundo, o PCP o terceiro. Os três integravam a coligação no governo provisório e os três prometiam ao povo português «o socialismo».
A falsidade, ao ser objectiva, factual, desfaz a tese. A tese é que só com o 25 de Novembro de 1975 se realizaram eleições «livres e democráticas». Mas não é verdade. E não se trata sequer de uma questão de opinião. É um facto, daqueles que se pode fingir ignorar, mas não negar a existência. É com este tipo de mentirolas que se constrói a mitologia contra-revolucionária. Só que aqui, colocada num documento oficial, ela expõe-se, fragiliza. Sozinha desmente todo o documento. Convoca cada um a pensar na falsidade da mitologia novembrista.
A correcção, ao optar por uma falsidade não objectiva, que manipula a realidade, que induz em erro, é muito mais o tipo de mentira com que se constrói o mito novembrista.
Com a rectificação «Com o 25 de Novembro […] foi possível realizar em 25 de Abril de 1976 as primeiras eleições legislativas livres e democráticas em Portugal, por sufrágio directo e universal» a RCM deixou de contradizer a realidade factual. Continua a ser falsa – sem o 25 de Novembro, ter-se-iam realizado na mesma as eleições de 1976 – mas já não contradiz os factos. A falsidade passou a residir naquele «foi possível», resulta da leitura, da especulação, da interpretação. O terreno onde a ideologia dominante se sente à vontade pois controla quase tudo.
E para as tais «novas gerações» que a RCM diz querer informar, se não souberem que houve antes umas eleições livres e democráticas a 25 de Abril de 1975, as frases que situam em 25 de Abril de 1976 «as primeiras eleições livres e democráticas em Portugal» ou «as primeiras eleições legislativas livres e democráticas em Portugal» são rigorosamente iguais. Como diz o ditado, «com a verdade me enganas».
Mas aquele dia 25 de Abril de 1975, onde um povo se ergueu para exercer o direito pelo qual lutara 48 anos, e como um só foi exercer o seu direito ao voto, ficará para sempre na história. O dia em que o Movimento das Forças Armadas (MFA) cumpriu a sua mais solene promessa ao povo português: a realização de eleições livres, democráticas e universais, um ano depois do golpe de Estado. Era primeiro-ministro um militar chamado Vasco Gonçalves.
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