O que o Governo propõe é uma ligeira redução nos escalões. O quadro seguinte mostra como varia a taxa normal e a taxa variável (a normal aplica-se aos rendimentos colectáveis inseridos em cada escalão, a média aplica-se a todo o rendimento colectável). O Governo nunca usa a taxa média, porque esta é a que ilustra bem que o maior benefício é para os rendimentos colectáveis superiores a 28 400 euros.
Para continuar a fazer demagogia, o Governo conta com a ignorância da maioria dos contribuintes sobre como se faz – em concreto – o apuramento do imposto a pagar.
Olhando de relance para a proposta, parece que o último escalão é o que é menos beneficiado pela proposta do Governo, pois a «sua» taxa não varia. Ora, é exactamente ao contrário. Com esta proposta, em termos brutos, o escalão mais beneficiado é o último escalão. A média do último escalão não se pode calcular porque não tem limite superior, e de facto fica a ideia que ali nada varia. Mas o IRS é progressivo, e pode-se calcular o valor bruto que um contribuinte do último escalão vai ver reduzido no IRS, pelas reduções nos escalões anteriores, pois estes são os únicos que beneficiam de todos os descontos. Recorda-se que os 48% só se aplicam aos valores acima dos 83 696 de matéria colectável, aos restantes aplicam-se os valores dos diferentes escalões (como se pode ver no cálculo infra).
Ou seja, um contribuinte do escalão máximo verá, com a proposta do Governo, o seu IRS sofrer um corte bruto de 400 euros, seja qual for o seu rendimento.
São trocos para quem ganha 100 000 euros anuais ou mais? Talvez. Mas deixam de ser receita pública e passam a ser receita desses contribuintes. Sem beneficiar em nada os menores rendimentos
A outra armadilha é que os escalões menores quase nada pagam de IRS na realidade. Se olharmos para a estatística do IRS de 2023, a última disponível, veremos que dos 6,0 milhões de agregados, apenas 4,7 milhões têm rendimento colectável, e desses, apenas 3,4 milhões liquidam IRS. São 2,6 milhões de agregados, por norma de baixos rendimentos, que não liquidam IRS. Dos escalões que liquidam IRS, há ainda 780 mil agregados que têm rendimentos abaixo de 13 500 euros/ano, e que tão pouco pagarão – de facto – IRS.
A todos estes, o que o Governo faz é reduzir-lhes o imposto que eles não pagam. Porque estes milhões de trabalhadores e pensionistas não pagam, na realidade, IRS, mas pagam IVA e um conjunto de impostos indirectos, e nesses o Governo não mexe.
Mas mesmo que não quisesse mexer nos impostos indirectos, também no IRS haveria uma medida que permitiria maior justiça fiscal: se o Governo colocasse o valor da dedução específica onde ela deveria estar pela aplicação da taxa de inflação desde a altura do congelamento, ou seja, muito acima dos 5000 euros1 em vez dos 4462,15 euros actuais, reduziria o IRS a pagar de todos os primeiros 6 escalões, sem reduzir um cêntimo aos restantes escalões.
A retenção na fonte
Para agravar, o Governo já anunciou que vai, a pretexto desta alteração nos escalões, repetir o truque do ano passado: alterar os escalões da retenção na fonte do IRS. Vai assim fazer o que já fez o ano passado: aumentar o salário líquido na véspera das autárquicas fingindo que esse valor é o da redução de IRS aprovada, para depois, em Maio, passadas as eleições, o povo descobrir que é chamado a pagar muito ou tudo o que lhe tinham «oferecido» em Setembro. Mas, pensará o Governo, se funcionou uma vez porque não funcionará duas?
Concluindo
Temos assim uma proposta de lei que é o retrato deste Governo: muita propaganda sobre a redução de impostos, para depois se traduzir numa redução de impostos apenas para os que mais têm (a oferta, no último escalão, é de meio salário mínimo, o que é pouco à escala dos restantes rendimentos, mas é dinheiro) sem reduzir em nada os impostos dos que menos têm.. E sem colocar os mais ricos a pagar os impostos que podem e devem pagar.
(E se alguém tem dúvidas que os mais ricos podem pagar muito mais impostos, como alguém chamava a atenção esta semana, basta olhar para a sucessão de extravagâncias e demonstrações de poder que é o casamento de Jeff Bezos).
- 1. Ainda assim, e para ser justo, sublinhe-se que o actual Governo descongelou a Dedução Específica, ainda que sem compensar os anos de congelamento. O PS manteve-a oito anos congelada (que se somaram aos anos de congelamento PSD/CDS Passos Coelho/Portas!
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