No fundo, ambos os partidos querem enredar o Governo nas suas mentirolas e trazer Fernando Medina para o inquérito. Quando o último inquirido do dia revelou possuir um papel que ainda não tinha sido pedido nem entregue à Comissão de Inquérito – neste caso, a deliberação escrita do accionista (DGTF e Parpública) para a demissão da CEO da TAP – o PSD logo exigiu a leitura pelo inquirido das 12 páginas da dita deliberação, substituída por um mais razoável intervalo de 10, 20 ou 30 minutos para que os deputados lessem o papel, o que acabou por não acontecer devido à classificação do documento como secreto. O papel vai para a sala dos segredos, onde amanhã poderá ser lido pelos deputados, sem telemóvel.
A matéria que deu o pretexto para a criação desta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) está mais que clarificada. Trata-se da indemnização de Alexandra Reis de 500 mil euros, que só seria legal se a TAP continuasse privada, portanto ilegalmente autorizada pelo Governo. Embora também tenha havido, no período de gestão da TAP pelos privados, casos de ordenados e indemnizações muito maiores, pagos de forma ainda mais ilegal. Entretanto, é o Governo quem acaba por contribuir para que o tom suba ao mesmo tempo que desce a relevância do que está a ser apurado, como é o caso do comunicado da ministra dos Assuntos Parlamentares, a explicar as razões de interesse nacional pelas quais não entrega um papel que afinal não existe.
Mas algo se torna claramente necessário ser mais bem apurado: o rombo que a gestão privada deu na TAP, sintetizada pelo deputado do PCP na pergunta que colocou aos três inquiridos de ontem: «Em 2015, 61% da TAP foram vendidos por 10 milhões de euros. Seguem-se quatro anos de gestão privada, com tudo o que já fomos conhecendo neste inquérito. Com a pandemia, os privados abandonam a TAP para não a capitalizarem. A Comissão Europeia (CE) faz então as contas: a pandemia custou à TAP 640,5 milhões de euros. Nem mais um tostão. Para qualquer outro apoio, a CE exige uma reestruturação. É feita a reestruturação para injectar mais 2,6 mil milhões de euros que faziam falta na TAP. Só vemos três opções: as contas da CE foram feitas por baixo; nos quatro anos de gestão privada foi aberto um buraco gigantesco nas contas da TAP; ambas as hipóteses são verdadeiras.»
Raciocínio que nenhum dos três inquiridos soube ou quis contrariar, sendo que estamos a falar de três administradores da Parpública, accionista da TAP, com a maioria das participações do Estado até o final de 2021.
De resto, as três inquirições deram um triste retrato do funcionamento da Parpública. Por exemplo, nenhum dos três administradores, sendo um deles o actual presidente da Parpública, teve alguma vez conhecimento dos fundos Airbus, ou seja, da forma como a TAP foi comprada com dinheiro da própria empresa, no fundo, como a TAP foi oferecida a David Neeleman pelo governo PSD/CDS. Como Bruno Dias destacou, a questão não aparece referida na Auditoria do Tribunal de Contas à privatização (o PCP já chamou o juiz relator à CPI), nem em nenhum relatório e contas da Parpública e nunca foi discutida pela sua administração. Uma questão central da privatização foi escondida do povo português e da maioria dos próprios intervenientes no processo. Todos admitiram que, quando muito, a questão pudesse ser conhecida pelos presidentes da Parpública na altura, Pedro Pinto e Miguel Cruz, que ainda serão ouvidos pela CPI. E, claro, estar em algum papel, enterrado algures na Parpública. Transparente, sem dúvida.
O mesmo se passou com os 55 milhões pagos a David Neeleman. Ninguém foi capaz de explicar porque foram pagos 55 milhões, e não 15, ou 75, ou 200, ou zero, como aconteceu aos trabalhadores cujas acções foram para o lixo, ou como terá acontecido ao capital de Humberto Pedrosa, apesar de ser pouco claro que capital colocou e perdeu na TAP ou se chegou a colocar algum capital. Aliás, se o capital que Neeleman colocou na TAP tinha origem nos fundos Airbus, que a TAP estava e está a pagar na compra dos 53 aviões, o que é que o Governo comprou por 55 milhões?
A única matéria onde a Parpública, segundo o seu actual presidente, fez gala de ter um papel mais central, foi no pagamento a caçadores de cabeças americanos para fazerem pequenas listas de nomes para o Governo escolher os administradores públicos a nomear. Sendo público que só a pequena lista de onde saiu o nome de Christine Ourmières-Widener custou 186 mil euros à Parpública, e tendo ontem esta reconhecido que utilizou esse mecanismo em outras situações, falamos de cerca de um milhão de euros em processos de recrutamento de gestores públicos completamente à margem do normal funcionamento do sector público e que importa que não se generalizem.
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