O Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) tem sido apresentado como um motor de inovação. Na prática, tem funcionado como um buraco negro orçamental que canaliza recursos que deveriam ser públicos para grandes empresas, muitas das quais pouco ou nada contribuem para o progresso científico nacional. O que era para ser um incentivo ao serviço do desenvolvimento e da produtividade, transformou-se num esquema opaco, com benefícios desproporcionados e sem qualquer escrutínio sério. Debater o Programa de Governo e o próximo Orçamento do Estado enquanto centenas de investigadores enfrentam o desemprego exige que se ouça, de forma clara, o que cada partido propõe para responder a esta realidade.
O SIFIDE, criado em 1997, foi sofrendo várias mudanças ao longo dos anos, mantendo-se com o principal meio de financiamento da ciência junto das empresas privadas. Trata-se de mais um mecanismo de transferência de recursos públicos para o setor privado, sustentado na premissa de que o aumento da produtividade e do emprego trará benefícios sociais amplos. Em termos gerais, o SIFIDE permite às empresas deduzirem até 82,5% à coleta do IRC uma parte significativa das despesas com atividades de investigação e desenvolvimento (I&D), realizadas de forma interna ou contratadas a entidades terceiras. O sistema é gerido pela Agência Nacional de Inovação (ANI), que valida os projetos, sendo frequentemente criticado pela falta de controlo sobre a natureza efetiva das atividades financiadas.
Só em 2021, as deduções ultrapassaram os 450 milhões de euros — um valor superior ao orçamento de várias universidades públicas combinadas. Em 2022, foram entregues pelo mesmo mecanismo 558,6 milhões de euros. No ano seguinte, o montante subiu para 608,8 milhões de euros. Olhando para a despesa em I&D do Orçamento do Estado (Fonte: DGEEC), verificamos que esta borla fiscal às empresas representa 75% da dotação orçamental total. Ou seja, a manter-se esta tendência, é possível que o montante atribuído às empresas supere o valor total gasto pelo Estado em despesa pública de I&D! Não deixa de ser sintomática o facto desta despesa ter diminuído de forma drástica sobre tudo no tempo da troika mas igualmente nos últimos anos como pode ser visto no gráfico (Figura 1).
«Trata-se de mais um mecanismo de transferência de recursos públicos para o setor privado, sustentado na premissa de que o aumento da produtividade e do emprego trará benefícios sociais amplos.»
Como tem sido reconhecido, incluindo pelo Tribunal de Contas, não existem mecanismos de controlo dignos deste nome sobre a forma como as empresas usam estes benefícios fiscais. Na prática, as empresas não têm sequer de provar o impacto social ou científico dos projetos apoiados. Basta preencher relatórios com a chancela de «investigação» ou «desenvolvimento experimental», muitas vezes sem qualquer validação externa independente. Num esquema sobejamente conhecido e permitido pelo sistema, os apoios são canalizados através de fundos de capital de riscos, mas sem qualquer acompanhamento para fiscalizar como é depois investido o dinheiro que acaba em muitos casos para ser aplicado em compras de equipamentos que nada têm a ver com investigação!
Perante mais este regabofe orçamental, os centros públicos de investigação são deixados à míngua com milhares de investigadores precários. Muitos destes, apesar de décadas a trabalhar nas instituições, foram pura e simplesmente despedidos no final dos seus contratos. Apesar da retórica oficial sobre «transição digital» e «economia do conhecimento», Portugal continua a investir pouco em I&D. Em 2022, a despesa total (pública e privada) em I&D foi de 1,71% do PIB, segundo o INE — ainda longe da meta de 3% fixada pela União Europeia para 2030. É tempo de mudar de rumo. A inovação não se faz com truques fiscais, faz-se com investimento público estratégico, com estabilidade para os investigadores, com laboratórios equipados e com salários dignos. A luta sindical deve exigir o fim dos privilégios fiscais do SIFIDE e a canalização desses recursos para fortalecer o sistema científico e tecnológico público, que é a verdadeira coluna vertebral do desenvolvimento sustentável e democrático!
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