Mensagem de erro

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|incêndios florestais

A realidade impõe-se sempre à ficção

A realidade, que nos quiseram fazer crer que se tinha alterado após o verão de 2017, não se alterou na sua substância. É certo que se constatam algumas melhorias. Porém, não haja ilusões.

Imagem de zona atingida pelo grande incêndio florestal de meados de Junho de 2017 na freguesia de Alvares, concelho de Góis (distrito de Coimbra)
Créditos

Durante vários meses vimos, ouvimos e lemos, não podendo ignorar, as sucessivas mensagens veiculadas por governantes e responsáveis de múltiplos serviços do Estado, no âmbito das suas áreas de competência, proclamando os excelentes resultados verificados nos últimos anos, pós- junho e outubro de 2017, no domínio da redução das ocorrências de incêndios rurais no país e dos correspondentes valores de área ardida.

Na mesma linha de mensagem, evocava-se como justificação para tanto sucesso a «reforma» decidida pelo Governo com a criação do designado Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, elaborado pela também criada Agência de Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), diretamente dependente da Presidência do Conselho de Ministros.

Entretanto, o mês de julho deste ano chegou, e com ele chegaram também as ondas de calor, o agravamento da situação de seca vivida no território do Continente e, por consequência, os incêndios rurais (que antes se designavam como incêndios florestais). Contrariamente ao que acontecera nos três anos anteriores, o quadro meteorológico gerou dias sucessivos de grande severidade, potenciador da deflagração de violentos incêndios, com particular gravidade em múltiplas zonas do Centro e Norte do Continente.

As mensagens de triunfalismo foram rapidamente substituídas pelas declarações dos mesmos protagonistas, mas desta vez insistindo nas alterações climáticas e nos seus efeitos, bem como nos comportamentos negligentes dos cidadãos e nos incêndios análogos a ocorrer em vários países da Europa, para justificar a gravidade da situação que o país tem vivido desde o início do passado mês de julho, quanto à sucessão de incêndios e às consequências destes no território, no ambiente e na economia do já depauperado mundo rural e das suas populações.

A situação vivida em julho e agosto deste ano no território do Continente, foi antecipada em múltiplos documentos produzidos pelo Observatório Técnico Independente (criado em outubro de 2018 na Assembleia da República e que funcionou até dezembro de 2020), quando alertou para a necessidade de se ter consciência de que as vulnerabilidades estruturais que provocaram os graves incêndios ocorridos em junto e outubro de 2017, estavam por resolver, podendo por isso voltar a repetir-se grandes incêndios, com gravidade equivalente, nos anos subsequentes.

Como os documentos do Observatório assumiram sempre uma dimensão crítica, mas sustentada no ponto de vista técnico e científico, eles foram considerados como obstáculos para a promoção da tal «reforma» de sucesso, que iria revolucionar a nossa floresta e reforçar a sua defesa contra o risco de incêndio, a continuidade da referida estrutura independente foi considerada dispensável.

No encadeamento dos incêndios que têm flagelado o país há mais de um mês, o Governo anunciou que a avaliação destes vai ser realizada por uma Comissão prevista na orgânica da AGIF, apoiada por um conjunto de peritos. Cabe referir que a mencionada comissão integra 17 elementos, 14 dos quais são os primeiros responsáveis de outros tantos organismos do Estado, para além dos presidentes da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Associação Nacional de Freguesias e da Liga dos Bombeiros Portugueses. Quanto aos peritos, ninguém sabe qual será a sua missão, modo de funcionamento e enquadramento.

Estamos então na presença de mais uma crise, que permitiria uma reflexão profunda e não comprometida, sobre as políticas seguidas por sucessivos governos ao longo de décadas, dos quais resultou o país com o perfil de território de risco, onde o fogo manda.

A realidade, que nos quiseram fazer crer que se tinha alterado após o verão de 2017, não se alterou na sua substância. É certo que se constatam algumas melhorias no domínio do combate e da defesa das populações, face à ameaça do fogo. Porém, não haja ilusões.

«Estamos então na presença de mais uma crise, que permitiria uma reflexão profunda e não comprometida, sobre as políticas seguidas por sucessivos governos ao longo de décadas, dos quais resultou o país com o perfil de território de risco, onde o fogo manda.»

O conjunto de informações que alguns dos grandes incêndios ocorridos nestes quase dois meses disponibilizam, através de uma análise serena e rigorosa do observado no terreno, permite concluir que há múltiplas insuficiências e fragilidades no território, que estão muito para além da tradicional discussão centrada nas técnicas e estratégias do combate.

O país hoje tem mais de 60% da população concentrada nos principais centros urbanos do litoral, e milhões de hectares abandonados, com acumulação líquida anual de material combustível, cuja gestão não é economicamente viável.

É imprescindível definir políticas de desenvolvimento e ordenamento do território, coerentes e atrativas, que criem atividades e permitam fixar localmente a população ativa, nomeadamente os mais jovens, bem como conter a desistência dos que desesperam por melhores condições de vida.

Só com a mobilização das populações, das autarquias e da comunidade técnica e científica, durante todo o ano (de muitos anos) será possível contrariar a vontade do FOGO, gerada pela negligência política de sucessivos governos.

Ou seja, só com novas políticas se poderá alterar este gravoso ciclo de incêndios e mitigar os seus efeitos, em múltiplas dimensões.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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