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Privatização da ANA: um assalto do tamanho de 30 mil milhões de euros! (I)

Se saísse à Vinci o Euromilhões todas as semanas, demoraria uns 30 anos a atingir o lucro que vai conseguir em 50 anos, com a compra da ANA. 

CréditosJoão Relvas / Agência Lusa

A Auditoria do Tribunal de Contas (TC) à ANA, publicada na sexta-feira, é completamente arrasadora para a privatização, para quem a decidiu, para quem a apoiou e para quem a fiscalizou. O PCP já propôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito, sendo ainda de esperar que o Ministério Público pegue em muitos dos indícios de crime que a auditoria deixou expostos. O PSD veio a público acusar o Tribunal de Contas de ser parcial, e de não ter ouvido os ministros do PSD que tudo poderiam explicar. Esperemos que agora esteja disposto a apoiar a proposta do PCP para que esses ministros sejam chamados a dar explicações ao país e à Assembleia da República. 

A auditoria do TC é pública, está publicada no site do Tribunal de Contas, e fica o convite para que todos a leiam. Ficarão seguramente com um rico quadro sobre o que são – na realidade – as privatizações, e de como estas criam a maior parte das oportunidades de corrupção em Portugal. 

Neste e num próximo artigo irei tentar resumir o que está na auditoria.

Por quanto foi a venda? 

Desde logo, o Tribunal de Contas estabelece que o preço da privatização foi de 1127 milhões de euros, e não os 3080 milhões de euros que o então Governo PSD/CDS comunicou ao país. Foi por esse valor – 1127 milhões – que a ANA foi vendida. 

Para chegar a esse valor, o Tribunal de Contas expõe que o Governo fez um truque e cometeu uma ilegalidade. O truque é que o valor anunciado publicamente era o valor da venda da ANA (1198,5 milhões) mais o valor da dívida da ANA (1,2 mil milhões para pagar a concessão, 647 milhões de dívida corrente da ANA e 44 milhões de outras responsabilidades). Um truque que o PCP já denunciara publicamente, mas a que agora o Tribunal de Contas – com acesso a toda a documentação – vem colocar os valores definitivos. 

A dívida da empresa não pode ser somada ao valor de venda, pois a esse passivo corresponde algum activo, no caso da ANA, por exemplo, os 1,2 mil milhões de dívida pela compra da concessão no passivo (o Pagamento Inicial, como lhe chamaram) implicavam a existência no activo de um valor da concessão por 50 anos de dois mil milhões de euros (completamente subestimado, mas já lá vamos), e as outras dívidas existentes – no essencial ao BEI – também tinham no activo o reflexo do valor patrimonial acrescido dos aeroportos modernizados nos anos anteriores, nomeadamente no Porto e Faro. Aliás, é por isso mesmo que, como refere o TC, «o Eurostat não aceitou que a receita gerada pelo Pagamento Inicial fosse contribuir para abater o défice público de 2012, alegando que esta operação não iria gerar valor adicional.» 

«A auditoria do TC é pública, está publicada no site do Tribunal de Contas, e fica o convite para que todos a leiam. Ficarão seguramente com um rico quadro sobre o que são – na realidade – as privatizações, e de como estas criam a maior parte das oportunidades de corrupção em Portugal.»

Mas o truque é isso mesmo: um truque. Foi uma forma de o Governo mentir ao povo português, abusando do facto de só ele e a Vinci (até agora) conhecerem os detalhes da privatização. Mas mentir ao povo português ainda não é crime. E o Tribunal de Contas prossegue: «O Estado concedeu à VINCI os dividendos de 2012, quando a gestão ainda era pública, e suportou o custo financeiro da ANA para cumprir o compromisso assumido no contrato de concessão, tendo o preço da privatização (1127,1 Milhões de euros) sido 71,4 milhões de euros inferior ao oferecido e aceite (1198,5 milhões de euros).» E aqui já começa a fronteira que exige o apuramento das eventuais responsabilidades criminais. Porquê? Porque é que o Governo aceitou reduzir 71,4 milhões ao preço da ANA? Porque é que os dividendos de 2012, com a ANA sob gestão pública, são creditados à Vinci mas aparecem na Parpública como tendo sido recebidos? Quem decidiu? Com base em quê?

Esse dinheiro, recebido pela venda da ANA, foi usado em 90% para abater à dívida pública, como informou então o Ministério das Finanças: 992,5 milhões de euros. Só que, demonstra o TC, para poder fazer a venda, o Estado pagou primeiro 286 milhões ao Município de Lisboa (para ficar na posse dos terrenos do Aeroporto de Lisboa) e 80 milhões à Região Autónoma da Madeira (pelos direitos do Aeroporto), pelo que, na realidade, o contributo desta venda para a amortização da dívida pública deve ser subtraído desses valores, ficando pelos 626 milhões de euros.

E quanto valia?

Por fim, o TC dedica-se por vários ângulos ao tema do valor da concessão, que no essencial era o valor da ANA quando foi vendida.

Começa por destacar que «A urgência em concluir a privatização fez iniciar e aprovar o respectivo processo sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência, estabilidade, equidade e maximização do encaixe financeiro. Agravando os riscos destes desfasamentos, a avaliação intempestiva da ANA não supriu a sua falta de avaliação prévia, que era legalmente exigível.» Desta conclusão, o que a generalidade da imprensa escolheu destacar é a crítica à pressa. Mas a questão central é outra: a operação foi ilegal, não cumpriu a lei. O Governo avançou para a venda de um activo – estratégico! – sem sequer ter uma avaliação do mesmo. 

E foi ao longo do acelerado processo de venda que o Governo vai, primeiro, receber uma avaliação financeira, e, depois, alterar as condições dessa avaliação, com um conjunto de decisões que alteram o valor da ANA, que aumentam brutalmente o valor da ANA.

«A generalidade da imprensa escolheu destacar é a crítica à pressa. Mas a questão central é outra: a operação foi ilegal, não cumpriu a lei. O Governo avançou para a venda de um activo – estratégico! – sem sequer ter uma avaliação do mesmo.»

Desde logo, o Governo só formaliza a assinatura do contrato de concessão depois dos concorrentes à privatização terem apresentado as suas primeiras propostas de preço e condições. Fá-lo, usando mais um truque: apesar da assinatura do contrato de concessão decorrer durante um processo de privatização, e do mesmo contrato ter sido negociado com os putativos compradores, o Governo usa o regime de concessão a empresa pública para fugir a um conjunto de obrigações que teria se a concessão fosse a uma empresa privada. «Ora, configurando o contrato de concessão celebrado com a ANA uma PPP, como o Governo assume em 2018, essa PPP foi gerada com a privatização da ANA em 17/9/2013, sem esse contrato de concessão (celebrado entre o Estado e uma empresa pública em 14/12/2012) ter sido objecto de qualquer alteração».

O contrato de concessão assinado, já durante o processo de privatização, altera o valor da ANA. Como alterou o valor da concessão a alteração introduzida sobre o NAL: «a construção do NAL é indissociável do processo de privatização da ANA sendo intenção do Governo que fosse, primordialmente, construído e explorado pela ANA privatizada visto, já no decurso do processo de privatização, lhe atribuir o direito exclusivo de apresentar uma proposta para a concepção, construção e exploração desse aeroporto. Com essa decisão e com a opção contratual de o desenvolvimento do NAL implicar o pedido do reequilíbrio económico e financeiro da concessão e/ou prorrogação da concessão, o Estado contribui para aumentar o valor da empresa durante o processo de privatização.» Por fim, o Governo altera a lei durante o processo, alterando o valor da concessão: «as disposições sobre a regulação económica da concessão transitaram, durante o processo de privatização, da lei aplicável para o contrato, fragilizando a regulação e com prejuízo para a estabilidade processual e para a transparência e publicidade daquelas.»

20 a 30 mil milhões de receita pública desviada

Começamos por citar: «O Grupo ANA acumulou 1436 M€ de resultados líquidos, de 2014 a 2022 (9 anos), 25% do seu volume de negócio no mesmo período (5838 M€). A manter-se este nível de rentabilidade para o volume de negócios (Receita Bruta da Concessão) previsto pela ANA de 2013 a 2062 (50 anos) – 93204 M€ – seriam gerados 23301 M€ de resultados líquidos acumulados, dos quais seriam pagos ao Estado português 2947 M€ entre 2023 e 2062 (conforme consta do Quadro 4.26 na página 175 do Relatório do Orçamento de Estado para 2024). Mesmo com o Pagamento inicial da Concessão (1200 M€) e o preço da privatização (1127 M€), mas deduzindo os 366 M€ que pagou, o Estado receberia 21% desses resultados e a concessionária ficaria com os restantes 79%». 

«O contrato de concessão assinado, já durante o processo de privatização, altera o valor da ANA. Como alterou o valor da concessão a alteração introduzida sobre o NAL (...).»

Esta é a síntese feita pelo TC sobre o valor da ANA. Dá para tirar várias conclusões:

(1) Em 9 anos, o privado já ganhou tudo o que investiu e já tem um lucro de 309 milhões de euros. E a concessão tem mais quarenta anos. E acrescentamos nós, que a bom rigor o Tribunal de Contas deveria ter acrescentado a estes valor o Resultado líquido de 2013, 50 milhões, que a ANA privada também embolsou.

(2) Com a taxa de rentabilidade destes 9 anos (25%), a ANA gerará um total de 23 301 M€ de resultados líquidos até ao final da concessão, dos quais terá que entregar 2947 M€ ao Estado, ficando com 20 054 milhões para si própria. Ou seja, que a multinacional comprou, por mil milhões de euros, o direito a arrecadar vinte mil milhões.

(3) Que somando o valor pago pela empresa (1127 M€) aos 2947 M€ que o Estado ainda receberá, e descontando os 286+80 milhões já explicados acima, a divisão entre o privado e o público das receitas desta PPP é de 71% para o privado e 29% para o público. Quando o privado nem sequer tem quaisquer obrigações de investimento!

(4) Ora, a concessão à ANA da rede aeroportuária nacional por 50 anos, que é o que permite à Vinci este tipo de lucros, estava avaliada por 2 mil milhões de euros no Relatório e Contas da ANA, e por valores similares nas avaliações encomendadas. A discrepância entre estes valores é a dimensão do assalto e da fraude nesta privatização.

(5) A estas contas, acrescentamos nós outras. A taxa de rentabilidade em 2022 foi de 38%, e não os 25% registados entre 2013/2022. Porquê esta diferença? Desde logo porque houve dois anos brutalmente impactados pela pandemia. Se usarmos para os próximos 40 anos uma taxa similar àquela que a ANA apresenta em 2019 e 2022, os 38%, chegaremos a um valor superior em mais 10 mil milhões de euros. O que colocaria o volume de lucros arrecadados pela Vinci em 30 mil milhões, e a sua parte nas receitas acima dos 80%. Repetimos: com um investimento de mil milhões de euros. Se saísse à Vinci o Euromilhões todas as semanas demoraria uns 30 anos a atingir tal lucro. Com a compra da ANA vai consegui-lo em 50.

No próximo artigo trataremos das restantes questões levantadas pela auditoria do TC à privatização da ANA. Sim, porque ainda há muito mais!

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