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Porta a Porta. Programa do Governo ficará conhecido como «Mais Especulação»

O movimento pelo direito à habitação contesta o pacote de medidas do Governo, que começa a ser votado na especialidade, esta quinta-feira. «A situação que vivemos é dramática», mas vai ficar pior, alerta. 

Créditos / Adérito Machado

As medidas do famigerado «Mais Habitação» foram aprovadas na generalidade, em Maio, apenas com o voto favorável da bancada parlamentar do PS, cenário que deverá voltar a repetir-se na especialidade, apesar de, censura o Porta a Porta – Casa para Todos num comunicado, o pacote de medidas agravar os problemas existentes na habitação em Portugal.

Segundo o movimento, o programa a que o «Governo chamou de Mais Habitação ficará para sempre conhecido como o Mais Especulação», e são várias as críticas apontadas às propostas do executivo. «O Governo anunciou apoios às rendas – o que temos é a manutenção da especulação pelos senhorios, agora subsidiada e garantida por dinheiros públicos», denuncia o movimento, salientando que o executivo de António Costa «nada fez» para garantir a renovação dos actuais contratos de arrendamento e que o «suposto travão ao aumento das rendas continua a ser superior à maioria das actualizações salariais».

Este grupo de cidadãos critica a manutenção da especulação pela banca, «agora subsidiada e garantida por dinheiros públicos» e a inacção do Governo quanto a garantir que «nenhuma família é confrontada com uma prestação de crédito superior a 35% dos seus rendimentos líquidos».

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BCE continua a ameaçar direito à habitação

O Banco Central Europeu (BCE) sobe as taxas de juro para o valor mais alto dos últimos 15 anos, tornando insuportável o pagamento da mensalidade ao banco para a esmagadora maioria das famílias. 

Christine Lagarde durante a conferência de imprensa a 8 de Setembro. 
CréditosRONALD WITTEK / EPA

O BCE decidiu subir as suas taxas de juro directoras em 50 pontos base, colocando a taxa de juro das principais operações de refinanciamento em 3%. Esta foi a quinta subida consecutiva e, apesar do garrote sentido pelas famílias, confrontadas com um violento aumento do custo de vida, o banco central indicou que tenciona aprovar um novo aumento de 50 pontos base na sua reunião de Março.

Em conferência de imprensa realizada após a reunião, esta quinta-feira, a presidente da instituição, Christine Lagarde, referiu que a decisão do Conselho do BCE sobre os aumentos deste e do próximo mês tiveram «um amplo consenso», alegando que são necessários aumentos mais significativos das taxas de juro para que a inflação, em parte gerada pelas opções tomadas pela União Europeia, regresse à meta de 2% fixada pelo BCE.

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A inflação não é igual para todos

Na economia não há buracos negros. Se uns perdem, outros ganham na proporção inversa e a inflação não é exceção.

CréditosNuno Veiga / Agência Lusa

A inflação está na ordem do dia. Na União Europeia e em Portugal, ouvem-se mais uma vez os burocratas de serviço, travestidos de peritos em ciência económica, a clamar por uma contenção salarial. O argumento falacioso assenta basicamente na guerra da Ucrânia e no seu caráter temporário. Mais cedo ou mais tarde, a coisa volta à normalidade, com a inflação nos 2% como manda o BCE, e, nos entretantos, os trabalhadores perdem mais uma boa fatia do seu rendimento.

Sucede que na economia, não há buracos negros. Se uns perdem, outros ganham na proporção inversa. E a inflação não é exceção. Do lado dos que ganham, temos as grandes empresas que beneficiam da alta de preços mantendo os custos de produção, e acumulando assim os tais lucros anormais de que se fala. Outro ganhador é o Estado, que beneficia com receitas fiscais acrescidas, designadamente a partir do IVA que incide sobre os preços inflacionados. Fala-se num acréscimo de 10 mil milhões de euros a mais relativamente ao que estava orçamentado. Este número estará um pouco acima dos dados da OCDE que atribuem um acréscimo de receita de 0,6% por cada ponto percentual de inflação acima do previsto. Mas a inflação (não compensada) beneficia igualmente o estado por via da dívida pública. Voltaremos a este ganho que é significativo num próximo artigo.

Os perdedores são, no fundamental, os trabalhadores e suas famílias. Mas mesmo deste lado, a inflação não atinge todas as famílias por igual. Como iremos ver, as médias tanto do lado da inflação como do lado do rendimento, escondem um padrão de desigualdade que não pode ser desvalorizado. Com base nos dados do INE, vamos decompor o cabaz de preços que serve de referência para o cálculo da inflação e verificar que nem todos os produtos evoluem da mesma maneira. Vamos ver depois que a composição do cabaz de consumo varia dos agregados mais ricos para os agregados mais pobres. Cruzando os dados, vamos verificar que a perda de poder de compra que decorre da inflação é mais pesada junto dos agregados mais pobres.

Tabela 1 : Despesa média das famílias (em %) com base no inquérito ao consumo do INE, e respetiva inflação.
 1º quintil2º quintil3º quintil4º quintil5º quintilInflação
Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas19,2016,9015,7014,0011,0015,34
Vestuário e calçado2,502,903,103,504,20-1,57
Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis35,1034,3032,8031,6029,6014,92

Neste primeiro quadro colocámos em evidência o peso relativo das três principais categorias de bens essenciais que mais pesam no orçamento das famílias. Como seria de esperar, os produtos alimentares e os custos de habitação representam uma parcela maior nas famílias do primeiro quintil, que são as mais pobres.1

Podemos igualmente ver, na última coluna, que a inflação não foi a mesma nas várias categorias de bens. Apesar de termos uma inflação média homóloga em agosto de 8,94%, os preços dos bens alimentares, que representam uma maior proporção da despesa dos agregados mais pobres, aumentou bastante mais, tal como os custos associados à habitação.

Com estes dados, usámos os valores da despesa dos agregados nos diferentes quintis e aplicámos os valores da inflação homóloga da Tabela 1 para calcular as perdas de rendimento em euros e depois calcular as perdas relativas de cada estrato. Só à conta daquelas três categorias de bens essenciais, as famílias mais pobres perdem cerca de 970 euros anuais. As famílias com maiores rendimentos perdem mais em valor absoluto, mas são menos penalizadas em termos relativos. Conforme pode ser visto no gráfico, as quebras de rendimento real em termos relativos são de 8,14% nas famílias do primeiro quartil. No lado oposto, verificamos que a quebra é de 6,04%.

Tabela 2 : Perdas monetárias em função da inflação.
 1º quintil2º quintil3º quintil4º quintil5º quintil
Despesa total anual média por agregado11 911,12 €15 395,12 €19 630,00 €24 414,00 €34 115,12 €
Perda de rendimento em euros- 969,92 €- 1 179,96 €- 1 423,86 €- 1 661,95 €- 2 059,80 €
Perda relativa-8,14%-7,66%-7,25%-6,81%-6,04%

Confirmam-se aqui três coisas. Em primeiro lugar, as perdas de rendimentos são significativas. Note-se que aqui apenas contabilizamos três categorias de bens. Associando as outras, as perdas são ainda maiores. Em segundo lugar, as perdas de rendimento causadas pela inflação afetam de forma mais severa as famílias mais pobres porque os bens essenciais são aqueles onde a subida de preços é maior. Em terceiro lugar, confirma-se que as medidas propostas pelo governo ficam muito aquém do necessário para compensar as perdas dos trabalhadores e das famílias. Três boas razões para participar nas manifestações da CGTP, em Lisboa e no Porto, no próximo dia 15 de outubro!


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

  • 1. Os quintis são obtidos dividindo as famílias em cinco fatias iguais e ordenadas das mais pobres às mais ricas. Os primeiros 20% são os mais pobres, o segundo grupo de 20% são mais remediados, e assim até aos últimos 20% que são as famílias mais ricas.
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Neste sentido, Lagarde, com um vencimento anual acima de 400 mil euros, não exclui a possibilidade de novos aumentos das taxas de juro ao longo de 2023, encarecendo o crédito das famílias, e são mais de um milhão e 400 mil os empréstimos à habitação no nosso país, mas prejudicando também a dívida pública e as empresas. Este cenário de dificuldades contrasta com o aumento extraordinário dos lucros da banca, de que é exemplo o Santander, que ontem divulgou um crescimento de 90% em 2022 face ao ano anterior, tendo registado um lucro de 568,5 milhões de euros. Esta sexta-feira foi a vez de o BPI anunciar lucros de 365 milhões de euros, um aumento de 19% face a 2021. 

Apesar disso, a estratégia do BCE é acatada obedientemente pelo Banco de Portugal e pelo Governo de António Costa, que se tem recusado a implementar medidas para controlar a inflação, como a fixação dos preços do cabaz de bens essenciais e o aumento dos salários. Enquanto isso, a Deco tem vindo a denunciar que, apesar das regras aprovadas pelo Executivo no final de 2022, há bancos que estão a dificultar a renegociação do crédito à habitação. 

O BCE já aumentou as taxas de juro em 250 pontos base desde o Verão passado. Tendo em conta os vários indexantes utilizados, o novo aumento aprovado pelo BCE, simulou recentemente o ECO, conduz a aumentos da prestação mensal em Fevereiro entre mais de 73 euros e perto de 300 euros, para créditos de 150 mil euros a 30 anos, com um spread de 1%.  

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No seguimento dos alertas do primeiro-ministro ao Banco Central Europeu (BCE), na semana passada, a propósito de nova subida das taxas de juro, o Porta a Porta lembra que o Governo falhou ao não ordenar ao banco público a prática de um spread máximo de 0,25%. Por outro lado, acrescenta, «o Governo que diz que são necessários apoios públicos é aquele que à última hora veio garantir que as sociedades comerciais, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento imobiliário e demais entidades que se dediquem à promoção e ao investimento imobiliário usufruam de isenções fiscais, aumentando assim os seus já chorudos lucros e não promovendo a arrecadação fiscal devida e necessária ao Estado».

No âmbito do alojamento local, a crítica passa pelo facto de o Governo «deixar tudo como está, não diferenciando a necessidade de regredir nos centros urbanos altamente densificados e carentes de habitação». 

«Continua sem dizer quantos imóveis do Estado vai afectar ao arrendamento habitacional e promover o parque público de habitação, no nosso país, aquele que tem o parque mais pequeno da Europa», aponta o movimento, realçando ainda que o Executivo de António Costa, que «não promoveu medidas de aumento da habitação disponível, é aquele que neste pacote vem agilizar os despejos, desocupações e demolições».

Tendo em conta que quem vive e trabalha em Portugal não consegue fazer face às despesas com a habitação, devido aos «salários miseráveis que se auferem» e à «especulação desenfreada da banca e dos senhorios», o Porta a Porta insiste na necessidade de outra política e anuncia o desenvolvimento de novas acções de luta para os próximos dias, «num patamar de elevação da contestação social às políticas de direita deste Governo».

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