|Miguel Tiago

Os monopólios outra vez

O caso do cartel da banca, agora perdoado das coimas que devia pagar por se ter provado a prática de cartelização e combinação de preços, é bastante ilustrativo de como o Estado se coloca, em diversos momentos e de variadas formas, ao serviço dos grandes grupos económicos. 

CréditosMário Cruz / Agência Lusa

Durante os anos do fascismo em Portugal, era natural a participação do Estado no capital de empresas de grandes grupos económicos. Essa participação não tinha como objectivo a afirmação do interesse público na gestão dos grandes grupos económicos, mas o reforço de capital desses grupos e a criação de empresas cada vez maiores, capazes de concentrar a actividade de milhares de pequenas e médias empresas e de se constituírem como verdadeiros grupos monopolistas. 

«Participando no capital das grandes companhias, o Estado fascista não pretende obter lucros, antes em muitos casos os dispensa. Ele pretende apenas servir os monopólios. Em alguns casos, só a participação do Estado torna possível que os grandes capitalistas, arriscando muito pouco, possam tomar conta de gigantescos empreendimentos, tanto em Portugal, como nas colónias portuguesas.» (A. Cunhal, in Rumo à Vitória)

Essa característica do fascismo (à qual Portugal não era alheio) está na base da caracterização que Álvaro Cunhal e o PCP fizeram sobre o fascismo português enquanto ditadura violenta do capital monopolista, por um lado, e enquanto «capitalismo monopolista de Estado», por outro.

Com o apoio financeiro do Estado e a lei do condicionamento industrial, os grandes onze grupos monopolistas do fascismo asseguravam a sua posição monopolista no mercado e o volume de capital necessário para as suas aventuras de crescimento. 

No Portugal de hoje, em que se revezam pelas cadeiras do poder PS/PSD/CDS – e que os seus sucedâneos IL/CH disputam –, não existe uma participação do Estado directamente no capital das empresas, mas foram encontradas diversas formas para assegurar a proteção dos oligopólios e grupos monopolistas – aliás, o que é um oligopólio cartelizado senão um verdadeiro monopólio? Se as participações accionistas estatais e as golden shares foram eliminadas do conjunto de ferramentas aceitáveis para a intervenção do Estado na economia, não foi porque os grupos capitalistas deixaram de necessitar ou de desejar capitais e recursos públicos. O fim desse tipo de participação e a sua anatemização pelos habituais «pensadores» do sistema capitalista deve-se especialmente ao facto de permitirem ainda algum tipo de intervenção na gestão. 

Daí que hoje se recorra muito mais ao benefício fiscal, ao financiamento com fundos europeus, à isenção de cobranças de taxas e impostos, à disponibilização de linhas de financiamento bancário e a outras mais ou menos criativas formas de apoio público, que permitem total liberdade aos accionistas privados, sem os privar dos recursos e capitais públicos. Um verdadeiro oligopolismo capitalista de Estado.

O caso do cartel da banca, agora perdoado das coimas que devia pagar por se ter provado a prática de cartelização e combinação de preços, é bastante ilustrativo de como o Estado se coloca, em diversos momentos e de variadas formas, ao serviço dos grandes grupos económicos. 

«A Caixa Geral de Depósitos, ao invés de representar o interesse público e intervir no mercado bancário em função das necessidades da economia nacional, tem tido opções ao serviço da aglutinação do sector e do favorecimento das instituições privadas que nele actuam.»

Recordemos a participação da Caixa Geral de Depósitos nesse cartel. Ora, o que faz o banco detido exclusivamente por capitais públicos, participando num cartel com instituições privadas? 

O mesmo que fazia quando participava nas aventuras privadas (da banca e não só) que levaram a uma situação de potencial incumprimento das necessidades de capital regulatório e que forçaram uma recapitalização pública da instituição. 

A Caixa Geral de Depósitos, ao invés de representar o interesse público e intervir no mercado bancário em função das necessidades da economia nacional, tem tido opções ao serviço da aglutinação do sector e do favorecimento das instituições privadas que nele actuam. Em vez de definir, como podia e devia, taxas de juro, margens, taxas e comissões que compitam com a voragem dos grupos privados da banca, a CGD senta-se muitas vezes com esses grupos à mesa para definir preços.

Deu o jornal Público (3/9/2025, Diogo Cavaleiro) notícia de que as autoridades de concorrência da Bélgica e dos Países Baixos concluíram que a banca nesses países funcionava como um oligopólio financeiro, estando significativamente concentrada em quatro instituições bancárias. Para chegar a essa conclusão, as referidas autoridades terão partido de um estudo motivado pela discrepância existente entre as taxas de juro de referência fixadas pelo Banco Central Europeu e as taxas de remuneração dos depósitos praticas pelas instituições bancárias nesses países. Lá, como cá, a remuneração dos depósitos ficou sempre muito aquém das taxas de juros de referência para depósitos fixadas pelo BCE. 

Ora, a autoridade da concorrência desses países, curiosamente ali mesmo ao lado da sede do BCE, em Frankfurt, e mesmo em cima da capital da União Europeia, Bruxelas, deve agora retirar também a conclusão de que a política de aglutinação e concentração do capital bancário definida pela União Europeia é um risco prudencial e um tremendo risco para a qualidade e custo do serviço bancário. 

A concentração da propriedade bancária, a criação de mega-bancos «todo-poderosos», de estruturas de crédito que dominam políticas de nações e estados inteiros é a estratégia basilar da política financeira da União Europeia, bem patente na formação e no desenvolvimento da União Bancária. A União Europeia não olha para o oligopólio bancário como um problema, mas como o estado ideal do sistema financeiro, como lei. Aliás, tudo tem vindo a ser feito para que, em cada Estado-membro, não proliferem instituições bancárias e para que se estruturem bancos supra-nacionais a pretexto da dimensão e da «massa crítica» para a estabilidade do sistema financeiro, apesar de ser notória a contradição entre concentração bancária e estabilidade financeira. 

«A concentração da propriedade bancária, a criação de mega-bancos «todo-poderosos», de estruturas de crédito que dominam políticas de nações e estados inteiros é a estratégia basilar da política financeira da União Europeia, bem patente na formação e no desenvolvimento da União Bancária.»

O perdão da dívida do cartel da banca – no mínimo por ineficácia da Autoridade da Concorrência e do Banco de Portugal – vem expor uma vez mais os riscos da concentração da propriedade bancária num reduzido punhado de grupos económicos, mas igualmente expor o quão necessária é, mas nunca suficiente, a propriedade pública de instituições financeiras: a CGD é pública no capital, mas está ao serviço dos privados na gestão. 

O controlo público da banca que reclamamos e exigimos não pode ficar-se pela participação do Estado no capital acionista das instituições, deve impor o interesse nacional ao funcionamento da banca e deve colocar as potencialidades da banca inteiramente ao serviço do povo e do país, para valorizar a produção e os salários, para promover o investimento em investigação e desenvolvimento, para assegurar o melhoramento nas atividades agrícolas e nos setores fundamentais da economia. 

Um só caso: a cartelização. 

Tantas lições: 

1. A regulação e supervisão do sector bancário que está implementada são farsas montadas ao serviço dos próprios supervisionados.

2. O oligopólio favorece as práticas de cartelização.

3. A gestão da Caixa Geral de Depósitos tem estado afastada dos interesses nacionais e próxima dos interesses da banca privada.

4. A estratégia da UE com vista à constituição da União Bancária de grandes mega-bancos constitui-se como deliberada e forçada constituição de oligopólios bancários.

Só uma política de real controlo público da banca – a começar pela instituição detida pelo Estado – com o enquadramento da acção da banca nos objectivos e necessidades económicos nacionais, só uma determinada política económica de resgate da soberania nacional (financeira, económica e monetária) podem eliminar ou diminuir de forma substantiva as práticas de cartelização, esbulho, chantagem e condicionamento que a banca privada impõe aos trabalhadores, às famílias, às MPME e ao país. 

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