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|Comissão de inquérito à TAP

Guia de leitura para uma carta de David Neeleman

David Neeleman fez parte, com o Governo PSD/CDS primeiro, e depois com o próprio Governo PS, de um conluio para esconder do povo português que a TAP estava a ser comprada com dinheiro da própria TAP. 

David Neeleman (E) e Humberto Pedrosa (D) riem à saída do edifício da Parpública, após a empresa gestora de participações do Estado lhes ter vendido 61% do capital da TAP. Lisboa, 13 de Novembro de 2015
CréditosManuel de Almeida / Agência Lusa

Reagindo aos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito à TAP, David Neeleman publicou a semana passada uma carta no Observador. Antes de abordar o seu conteúdo, talvez seja de recordar uma outra entrevista, dada à Visão a 14 de Janeiro de 2016. Porquê? Porque passaram já sete anos, muita coisa se descobriu entretanto sobre o processo de privatização, e essa leitura resulta importante para perceber a seriedade da pessoa que assina aquela carta.

Comecemos pela questão dos 12 A350, ou seja, da opção de compra que a TAP detinha, e pela qual sabemos hoje, David Neeleman ofereceu 132 milhões de euros em Maio de 2015, na primeira proposta vinculativa apresentada. Que cada um compare o que se sabe hoje com aquilo que David Neeleman respondeu em Janeiro de 2016, quando o negócio dos Airbus estava ainda escondido do povo português.

«Visão: A TAP foi a quarta empresa no mundo a encomendar os A350 que deveriam ser entregues em 2017. As ordens de encomenda que estavam feitas têm um valor monetário?

David Neeleman: Não. Todos os contratos dizem que não se podem vender os slots. Isso é um princípio inabalável. Se eu comprar uma aeronave hoje não a posso vender enquanto não estiver em meu poder.

(...)

Visão: Seja quais forem as contas, no meio aeronáutico diz-se que a venda das ordens de encomenda dos A350 poderia render cerca de 150 milhões de euros?

David Neeleman: Dizer que se podia vender os slots por 150 milhões ou 200 milhões é completamente errado.»

Da mesma forma, hoje todos podemos saber que os fundos utilizados por Neeleman para comprar a TAP vieram da Airbus como comissão paga antecipadamente pela compra de 3,6 mil milhões de euros de 53 aviões que David Neeleman faria a TAP executar. Vejam-se as respostas de David Neeleman em 2016 a este propósito:

David Neeleman: «O mais fácil era dizer devolvam-me o dinheiro e eu vou-me embora». «Se o projecto falhar o Estado não perde nada. Nós os privados é que perdemos quase 400 milhões que colocámos na TAP.»

Visão: «Questionado quanto dinheiro é que colocou na TAP, Neeleman garante que o consórcio já colocou 180 milhões de euros em dinheiro, fora os 860 milhões de ganho com as negociações dos novos aviões da frota. "Iremos colocar mais 200 milhões na empresa". E de onde vem o dinheiro? "Da minha conta em Nova Iorque e da Barraqueiro directamente para o consórcio Gateway. E depois deste para a TAP".»

Ou seja, apesar de agora vociferar que toda a gente conhecia a origem do dinheiro, David Neeleman fez parte, com o Governo PSD/CDS primeiro, e depois com o próprio Governo PS (Pedro Marques informou a CPI que descobriu essa informação em 2016), de um conluio para esconder do povo português a verdade sobre esse processo. Para esconder que a TAP estava a ser comprada com dinheiro da própria TAP (o valor da opção de compra dos A350 mais o valor das comissões adiantadas a David Neeleman pelos aviões que a TAP iria comprar).

É com essa informação em mente que deve ser lida toda a carta de 2023 de David Neeleman.

Desta carta vamos apenas tratar aqui de uma frase. A mais difundida pelo conjunto da comunicação social: «Muito conveniente para quem quer diabolizar o investidor estrangeiro e passar a mensagem de que o "mau" do empresário americano privado (que levou a companhia de um valor negativo de 512 milhões até ao valor positivo de 1000 milhões sem um euro de investimento público) é o culpado da ruinosa gestão pública da TAP.»

Comecemos pela verdadeira evolução dos capitais próprios (a diferença entre o activo e o passivo) da TAP entre 31 de Dezembro de 2015 e de 2019. Ela evoluiu de menos 530 milhões para menos 692 milhões, e não, como afirma David Neeleman, de menos 512 para 1000 milhões positivos. Piorou, em vez da melhoria radical que finge ter acontecido.

E como constrói David Neeleman esse número de mil milhões? Dizendo que tinha uma avaliação de uma consultora privada muito séria. Uma avaliação que ele garante ter enviado para a Parpública. Mas isso altera a realidade contabilística da empresa? Altera o Relatório e Contas de 2019? Em nada. É um truque, é ilusionismo, é aquilo em que David Neeleman se mostrou especialista.

E tudo isto para tentar esconder o outro facto objectivo que salta à vista. Ou devia saltar. No final de 2015, um grupo capitalista pagou 10 milhões de euros por 61% da TAP. Geriu a TAP durante quase cinco anos, até Setembro de 2020. Nessa altura, a empresa foi reestruturada, e tinha, além do buraco atribuído pela Comissão Europeia à Covid (640,5 milhões de euros) outras necessidades de capitalização superiores a 1,5 mil milhões de euros (e já estamos a descontar dos 3,2 mil milhões de apoios públicos, os cerca de mil milhões que lá ficam para o próximo accionista privado).

Para terminar, queremos sublinhar que nada temos contra o investimento estrangeiro nem contra os investidores estrangeiros. Mas não só não incluímos na categoria de investimento a compra de empresas estratégicas nacionais, como ainda não encontrámos um euro de David Neeleman investido na TAP.


Este artigo integra a série de apontamentos de análise à comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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