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Encarar de frente a luta pela erradicação do abuso de menores

O relatório trazido a público sobre os abusos a crianças no seio da Igreja Católica deve servir de motor, honrando o sofrimento destas vítimas, a uma acção colectiva em nome da erradicação deste flagelo, e em defesa das crianças.

CréditosCarlos Barba / EPA

As conclusões, recentemente apresentadas, da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica, geraram muita discussão e ainda muita tinta há-de correr sobre esta questão: até porque os abusos que se registaram no seio da Igreja representam certamente um espelho de uma realidade social mais ampla, que é preciso conhecer e combater eficazmente.

Que o sofrimento atroz destas vítimas que agora tiveram reconhecimento e voz seja um motor de força e transformação nesta matéria: para se desenharem medidas de combate e erradicação deste flagelo em toda a sociedade.

É transversalmente aceite que uma sociedade verdadeiramente democrática tem de ter uma política orientada para o pleno desenvolvimento e bem-estar das crianças, no cumprimento de todas as normas internacionais e constitucionais, nomeadamente da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e outros.

Mas, para lá de considerações sobre o papel da Igreja perante a realidade que salta à vista, e que parece estar, no mínimo, desorientada no que diz respeito às acções imediatas e urgentes a tomar no seu seio, é importante pôr a tónica e a discussão pública no essencial: prevenção e erradicação. E para isso será preciso um aprofundar do conhecimento público sobre esta realidade.

Dos dados disponíveis, e mais recentes, pode constatar-se que, só no ano de 2021, foram instaurados 3975 inquéritos relativos a crimes sexuais contra menores (informação do Relatório Síntese do Ministério Público relativo a esse ano). No entanto, o Relatório de Justiça de 2015-2021 do Ministério Público revela também que, relativamente a todos os processos instaurados para todo o tipo de crimes (não encontramos dados específicos de arquivamento ou fim de processos da natureza de abuso de menores), «no que se refere à finalização dos processos de inquérito crime, cerca de 70% dos processos termina por arquivamento, desistência ou dispensa da pena». A tendência mantém-se em 2021, com 72,5% arquivados neste ano. Valores certamente com reflexos na realidade dos abusos de menores, uma vez que são processos que pela sua natureza complexa são de difícil prova.

«Para lá de considerações sobre o papel da Igreja perante a realidade que salta à vista, e que parece estar, no mínimo, desorientada no que diz respeito às acções imediatas e urgentes a tomar no seu seio, é importante pôr a tónica e a discussão pública no essencial: prevenção e erradicação. E para isso será preciso um aprofundar do conhecimento público sobre esta realidade.»

São muitas questões a pensar e a aprofundar, enquanto sociedade, e uma delas deve ser a de colocar a tónica na defesa e protecção das vítimas, evitando a sua revitimização. Sem prejuízo de serem criados todos os programas que se entendam ser adequados para o tratamento de agressores, essa não pode ser a tónica principal, muito menos pode servir como desculpabilização ou relativização de quaisquer medidas penais e outras a tomar quanto a esses agressores.

Outra dimensão, na colocação da tónica nas crianças, é a de lhes dar, no plano familiar e escolar, a possibilidade de contactarem com cuidadores capacitados para saberem reconhecer sinais e sintomas e ferramentas para agir. Em circunstância alguma se pode esperar que a maioria dos abusos sejam explícitos, até porque é evidente e sabido que os abusadores procuram ganhar a confiança da criança e, muitas vezes, de familiares, recorrendo à manipulação e distorção da realidade.

Por outro lado, o foco na prevenção implica que venham a ser colocados, na prática e em execução, todos os meios e medidas que se considerem necessárias.

Uma das dimensões mais estruturantes e urgentes é a de promover que se acredite nas vítimas e nas crianças. A mentalidade subjacente e que ainda se encontra enraizada em diversos sectores da sociedade passa, muitas vezes, pela desvalorização e não reconhecimento de situações desta natureza, chegando mesmo a descredibilizar as vítimas.

Neste sentido, enquanto sociedade, deve ser feita uma reflexão muito profunda sobre as razões pelas quais subsistem fenómenos de encobrimento deste fenómeno e quais são os mecanismos para combater essa lógica de abafar este tipo de situações, seja no plano mais atomizado, seja numa lógica mais ampla, como a prática recentemente evidenciada na Igreja Católica. É que o encobrimento e o apagamento até ocorrem, em paralelo, com o reverso da medalha mais obscuro e desprezível: a patologização das vítimas ou fazê-las passar por mentirosas, dissimuladas, manipuladoras.

No plano do julgamento de crimes ocorridos, importa que se olhe para o sistema judicial e os seus actores com profundo sentido de responsabilidade. As pessoas que actuam nesta área, em quaisquer instituições públicas, têm não só de ser em número suficiente e com carreiras protegidas, como têm de ser devidamente capacitadas para responder atempadamente, para evitar que os processos se arrastem, e para que as perícias e outras acções necessárias sejam feitas em tempo e com orientações bem definidas e actualizadas. Estas são medidas essenciais no combate à realidade da revitimização que muitos processos judiciais acarretam e que é esmagadora para as vítimas e as suas famílias.

No âmbito do direito penal, é de facto relevante que se aumente, como se aprovou esta semana na generalidade no Parlamento, o aumento da prescrição para apresentação de queixa. É um sinal importante que damos enquanto sociedade, de que as vítimas possam ter, até aos 30 anos de idade (ou até mesmo os 40 anos), a possibilidade de considerarem se querem ou não avançar para uma queixa sobre crimes desta natureza.

Mas, para lá de todas as questões que possam ser discutidas para aperfeiçoamento da lei penal e processual, um dos grandes desígnios deverá passar pela valorização das provas e meios de prova possíveis e reconhecíveis em caso de abusos, pois estes são muitas vezes silenciosos e sem «rasto visível». Porque propostas demagógicas, populistas e que buscam dar protagonismo a quem as propõe não são propostas amigas e defensoras das crianças – são cínicas porque sabem que são inviáveis e que não resolvem qualquer tipo de problema. Não são sérias.

«No âmbito do direito penal, é de facto relevante que se aumente, como se aprovou esta semana na generalidade no Parlamento, o aumento da prescrição para apresentação de queixa. É um sinal importante que damos enquanto sociedade, de que as vítimas possam ter, até aos 30 anos de idade (ou até mesmo os 40 anos), a possibilidade de considerarem se querem ou não avançar para uma queixa sobre crimes desta natureza.»

Por outro lado, será preciso pôr em evidência que o melhor caminho para uma verdadeira política de prevenção de abuso é o da transmissão do conhecimento, adaptada a cada idade, com a implementação de uma verdadeira educação sexual. E este é um combate a ser travado por todos os democratas, contra todas as ideias retrógradas, anti-educação sexual. O conhecimento transmitido adequadamente, desde as idades mais precoces, permite que as crianças possam saber falar do que experienciam, do que lhes acontece, e esses sinais podem, em caso de abusos, ser precoce e antecipadamente identificados pelos seus cuidadores.

Por isso, uma escola com educação sexual adequada a cada idade, a formação específica de educadores, professores, cuidadores e famílias, o conhecimento a ser transmitido e as condições e ferramentas para intervir sobre realidades de abuso, podem e devem ser uma realidade no nosso país.

Para isso, é obviamente necessário identificar as fragilidades dos serviços públicos que intervêm nesta matéria, seja no plano da prevenção, como na sequência de um processo penal. Que meios são necessários para reforçar e capacitar no Serviço Nacional de Saúde? E nas escolas? E nas instituições de apoio social? Quais os meios necessários a reforçar no plano da investigação criminal, como as que dão suporte a perícias? Quantas pessoas é necessário o Estado contratar? Quais as orientações que estão, no presente, a ser seguidas para estes casos? Estão actualizadas à luz do mais recente conhecimento científico desenvolvido nesta matéria? Que formação têm ou precisam de ter estes profissionais? Existe, na prática, alguma dimensão de multidisciplinaridade nestes casos?

É pois preciso, a partir do conhecimento concreto de quantos processos desta natureza e outros similares existem, identificar e contratar quadros para o Estado com formação específica e adequada a intervir nesta matéria. A par de resolver o problema estrutural de falta de psicólogos e outros profissionais preparados, no Serviço Nacional de Saúde, com formação adequada a intervir nestas áreas, assim como dotar, nomeadamente, as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, de meios, que estejam devidamente formados, para acompanhar as situações de risco e detectar problemas, priorizando sempre as crianças, mas também protegendo os cuidadores que as defendem.

«As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral», conforme determina o artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa, e, nesse sentido, há um comando constitucional no sentido de se impor a toda a sociedade, instituições públicas e privadas, medidas de combate a quaisquer formas de violência. Façamo-lo. Todas as crianças têm direito a crescer felizes e protegidas. Esse é também um desígnio da Revolução iniciada a 25 de Abril e que pode e deve ser cumprido colectivamente por nós enquanto sociedade.

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