|Forças Armadas Portuguesas

Diz que diz mas afinal... quem pode, nada diz

As associações sindicais e sócio-profissionais das forças de segurança e dos militares das Forças Armadas participaram conjuntamente nas comemorações populares do 25 de Abril, pela contagem integral do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. 25 de Abril de 2018
CréditosTiago Petinga / Agência LUSA

Foi um erro diz um, não foi não, diz o outro. Pediu desculpa, diz um; não senhor, não foi pedido de desculpa nenhum, diz o outro.

A recente troca de acusações entre o Diretor Nacional da PSP e o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, não pode deixar de suscitar curiosidade e reflexão.

É verdade que, por orientação e com objetivos políticos, somos muitas vezes confrontados com notícias que dão conta, como se de uma coisa normal se tratasse, da intervenção das Forças Armadas em missões e operações das Forças e Serviços de Segurança.

Não estamos, neste artigo, a referirmo-nos à cooperação em matéria de proteção civil que tem um enquadramento constitucional diferente, mas que ainda assim suscita considerações já abordadas aqui no Abril Abril.


O que agora se trata é de abordar em que medida podem as Forças Armadas intervir, usar a força e as suas capacidades operacionais, em território nacional, em tempo de paz, e se podem intervir em missões que constitucionalmente competem às forças e serviços de segurança (leia-se PSP, GNR, PJ, SEF, Polícia Marítima).

Ora, a Constituição, a propósito deste assunto, bem como noutros, é bem clara quando separa as missões das Forças Armadas das missões das Forças e Serviços de Segurança.

Contudo, tem-se desenvolvido ao longo dos anos, seja por parte das estruturas de topo das forças armadas, seja por parte de sucessivos governos, notícias e posicionamentos em que se pretende confundir defesa com segurança.

Veja-se a recente notícia que dá conta que, para resolver o problema da falta de efetivos da Polícia Marítima, se vai recorrer, uma vez mais, aos Fuzileiros. Não se resolve o problema de fundo do modelo de assistência e salvamento nas praias, fica por clarificar como será quanto às praias não concessionadas, e a solução é colocar nas praias militares altamente especializados mas que não têm autoridade nem legitimidade constitucional para intervir.

Já para não falar, da já velha questão da GNR e da Polícia Marítima que, desempenhando missões de segurança interna, são órgãos de polícia criminal, têm uma estrutura de comando militar, sendo a Armada e o Exército que determinam quem são os comandantes, fornecendo para tal oficiais e generais do respetivo ramo e, no caso da GNR, mantendo uma natureza militar.

Curiosamente, e mais recentemente, veio a público uma divergência entre a PSP e as Forças Armadas, com base num incidente em Vila Real em que a PSP identificou militares armados que faziam um perímetro de segurança num lar de idosos.

Diz a PSP que não foi pedido o apoio, pelo que não podíamos ter militares armados nas ruas. Dizem as Forças Armadas que a PSP extravasou «as suas competências» ao identificar o comandante da força.

E, a este propósito, resultou uma interessante troca de acusações e desmentidos em que, quer a PSP quer a Forças Armadas, evocaram a existência de um protocolo celebrado entre o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e a Secretaria-geral do Sistema de Segurança Interna.

Acontece que esse documento define as orientações para a articulação operacional entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança para missões de segurança interna que, no quadro constitucional vigente, são da competência exclusiva das Forças de Segurança e a colaboração que seja prestada deverá ser sob direção destas.

Mas neste processo, o conjunto de notícias vindas a público não deixaram de fazer transparecer a disputa, o jogo da supremacia, do quem manda e a falta do conjugar para servir.

O caso agora ocorrido trouxe bem ao de cima, pela panóplia de opiniões nas redes sociais, como muitos continuam a olhar as instituições e as leis que as regem com os olhos de um passado que não existe. Nuns casos porque há muito saíram das ditas instituições, noutros casos porque a «vida foi andando» mas não a compreensão e a assimilação dos novos conceitos e enquadramentos. Não foi por falta de alerta e chamadas de atenção de uns poucos ao longo do tempo, mas sempre ignorados e até ostracizados.

O incidente de Vila Real e a troca de acusações entre uma Força de Segurança e as Forças Armadas demonstra bem que é mesmo importante cumprir a Constituição e não agir contra ou à margem dela. Não duvidamos, como disse o CEMGFA, que todos (FA e Forças e Serviços de Segurança) querem o melhor para Portugal e os portugueses. Mas esse desiderato não pode ser transformado, seja por parte de quem for, na máxima de que os fins justificam os meios.

Nestas coisas manda quem pode, mas pelos vistos, quem pode nada diz. O Governo pode e deve clarificar. Se não o faz é porque alinha e deixa que a confusão entre Segurança e Defesa se instale. A Constituição, a de Abril, não permite este caminho, pelo que é necessário arrepiar caminho para que se cumpra Abril e a sua Constituição.


Jorge Machado
Jurista e ex-deputado
O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

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