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|resistência antifascista

Conceição Matos: Os jovens têm que estar atentos para que não se volte ao passado

Foi sujeita por duas vezes aos horrores da prisão e da tortura. A valentia com que derrotou as humilhações da PIDE valeu-lhe uma música de Zeca Afonso. Este domingo, Conceição Matos será homenageada pel'A Voz do Operário.

Créditos / Museu do Aljube

Os 138 anos que A Voz do Operário cumpriu em Fevereiro serão comemorados esta tarde numa cerimónia que, como anualmente acontece, combina a homenagem a uma personalidade de mérito reconhecido nas áreas da política, cultura e desporto.

Este ano, a distinguida é a resistente antifascista Conceição Matos, em reconhecimento de uma vida inteiramente dedicada às causas dos trabalhadores e do povo português. O AbrilAbril falou com ela a poucos dias da cerimónia e conheceu a fibra e a coragem de que se alimenta.

Que significado tem para si esta homenagem e passar a ser sócia honorária da Voz do Operário?

Ser sócia honorária d'A Voz do Operário é uma honra pelo que representa como instituição na defesa dos interesses dos trabalhadores e da liberdade. Esta homenagem, tendo como justificação o meu passado como resistente antifascista, é também uma homenagem a todos os homens e mulheres que lutaram para que Portugal fosse um país livre. É também um alerta para os perigos que nos ameaçam hoje, como o renascer do fascismo.

Alguma vez imaginou que a sua vida seria exactamente como foi?

Quando era miúda, não. Mas quando comecei a conhecer aquela repressão no Barreiro... Eu fui para o Barreiro muito pequenita, nasci em São Pedro do Sul mas fui para o Barreiro com três anos. E o que se passa é que o meu pai foi para lá primeiro para arranjar trabalho e ficou como operário na CUF. E nessa altura a minha mãe foi com os filhos. E foi aí que eu cresci... uma vida difícil. Fiz a quarta classe e depois comecei a tentar arranjar coisinhas para ajudar os meus pais. Nos primeiros tempos fui para aprendiz de costura, mas aí eu não ganhava. Depois, mais tarde, comecei a ganhar qualquer coisa. Pronto, e depois trabalhei numa fábrica de cortiça, trabalhei também seis meses na CUF, mas antes disso comecei logo a sentir as dificuldades todas. O meu pai, como operário, não podia ganhar muito e a minha mãe não podia trabalhar e começámos a ver que passávamos mal, como é natural. Mas não foi só passar mal. Foi ver que havia uma grande repressão junto dos trabalhadores. Na própria fábrica havia um posto da GNR onde a PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado] interrogava pessoas, trabalhadores. Portanto, comecei a viver nessa [realidade], até que um irmão meu, o Alfredo, entrou no MUD [Movimento de Unidade Democrática] Juvenil, e eu acabei por lhe seguir os passos. Comecei a não me conformar com a vida que levávamos e com a situação das pessoas, do povo explorado, e acabei por me integrar naquele trabalho. Depois comecei a fazer coisas, como pichagens nas paredes, distribuir panfletos e mais tarde entregar o Avante! em certas casas, mas também encontros, manifestações. Não me podia rever naquela situação e por isso é que entrei na luta. Mais tarde, o meu irmão foi preso, quem me diria a mim que seria eu também a seguir.

Ser mulher fez diferença nesse percurso?

Diferença de tratamento? Sim, é evidente. Uma mulher era muito mais explorada. Ainda hoje sabemos que há essa diferença. Mas mesmo assim, sendo mulher... por exemplo, a gente vivia na clandestinidade. Podiam-se fazer tarefas na clandestinidade, todos os homens podiam fazer as tarefas que lhes cabiam. As mulheres não. Estavam mais restritas a certas coisas. Porquê? Porque uma mulher não podia andar de noite na rua. Uma mulher não podia sair sozinha, porque era logo chamada de não-sei-quantos. Havia sempre esses condicionalismos… E mais exploradas, é evidente. Ganhávamos muito menos que os homens.

E continuam a ganhar.

É verdade. Infelizmente ainda temos esse problema para resolver. Mas já resolvemos alguns. Aquelas lutas das miúdas enfermeiras para poderem casar… Todas essas coisas foram conseguidas com muito custo, com muita luta.

Como é que se combina a alegria da luta e as privações?

A mim custa-me muito falar nas coisas. E é curioso, todos os anos me pedem para ir a escolas, especialmente na altura do 25 de abril. E eu nunca fui capaz de dizer que não. É uma das coisas que me custa muito, mas não há dúvidas que não foram só tristezas. Também houve grandes alegrias. Encontrar gente fantástica! Quando eu começo a pensar na luta, eu acho que foi um privilégio que tive, ter de ir para o Barreiro e mais tarde encontrar um partido como o nosso, como o meu [PCP]. Quando digo o «nosso», refiro-me ao meu e do meu marido [Domingos Abrantes], e de muitos mais, que serviu muito, e não podia ser de outra maneira. A luta não seria, nunca poderia ser o que foi, nem poderia haver o 25 de Abril se não fosse a grande luta das gerações à frente do nosso partido.

Uma das frases da prisão era «Coragem hoje, abraços amanhã». Teve muitos abraços ao longo da vida?

Sim, tive. Nunca mais me posso esquecer dessa frase. Eu já tinha sido torturada, tinha sido presa. Já tinha sido bastante torturada. Depois fui mais, muito mais, e cheguei muito fragilizada a Caxias depois de vir da PIDE. E comecei a ouvir bater na parede. Estava sozinha, estive isolada dois meses e tal sem ter nada, sem lápis, sem caneta, sem relógio, nem sabia a quantas horas andava. Com uma unha fazia todos os dias um risco num armário que lá havia para saber há quantos dias estava ali. E até mesmo para contar quando é que voltaria para a PIDE. Estava sempre à espera que me fossem levar outra vez. E a essa altura começo a ouvir bater na parede. E eu só sabia que uma pancada correspondia a uma letra. E comecei a tentar perceber como é que eles faziam. E consegui. E ouvi dizer: «Tens um selo que vendas a um camarada nosso?». Eu naquela altura pensei que era uma senha. Como é que eles podiam vender selos? E era com certeza. Mais tarde soube que eram estudantes universitários que tinham sido presos. Bastantes estudantes universitários, e eram eles que estavam a comunicar entre salas.

«Foi o motorista de táxi que me apanhou à saída da segunda prisão, na [Rua] Maria Cardoso, que me disse que o Salazar tinha caído da cadeira. Foi por ele que soube que tinha mudado o governo», conta Conceição Matos Créditos

E eu consegui aprender como é que se fazia e comecei a bater, posso fazer aqui [bate o código]. Comecei a chamar. E eles conseguiram perceber que estava uma pessoa que queria entrar em contacto. E de modo que me perguntaram: «Quem és tu?», e eu disse quem era, disse o nome. «Onde é que foste presa?», e eu disse «No Montijo». «Já foste à polícia?», eu disse que sim. «Foste torturada?», eu disse que sim. E depois disseram: «Amiga, coragem hoje, abraços amanhã.» Mas essa da coragem tinha que ver muito também, não só para me dar coragem porque era uma mulher que estava ali, mas porque não tinha falado na polícia. E portanto, essa frase ficou-me sempre na ideia. Em algumas entrevistas acabei por contar isto, noutras não falo, mas a verdade é que começou-se a falar dessa frase. E hoje há até uma peça de teatro muito interessante da Joana Brandão. Muito boa. 

Para quem cresceu na longa noite do fascismo, como é que vê o futuro?

Nós temos sempre esperança. O PCP já tem 100 anos e vai continuar o tempo que for preciso até se ver o futuro risonho, mais risonho ainda que o que já conseguimos. Mas a verdade é que, com estes problemas todos, a direita a querer avançar, estes Chegas e companhias, as jovens gerações têm que aprender muito e estarem atentas. Toda a gente, mas especialmente as jovens gerações têm que estar atentas e não deixar que isto volte ao passado. Mas, apesar de tudo, apesar de termos esperança no futuro sempre, não está muito risonho neste momento.

Nunca abdicar da luta.

Pois claro! Nunca se pode abdicar da luta. E por isso é que eu dei importância às idas às escolas. Porque não há dúvida que há muitos jovens que não sabem nada. Porque os pais já não viveram antes do 25 de Abril, os professores, muitos deles, não ensinam. Felizmente há muitos professores bons, muitos professores que realmente ainda dão certas lições aos jovens para que eles amanhã possam defender se for necessário. E isso é muito importante, muito importante mesmo. E acaba por ser gratificante, por muito que me custe, acaba por ser gratificante.

Houve alguma situação mais caricata nessas idas às escolas para falar sobre a resistência e o fascismo?

Uma vez, uma rapariguinha veio ter comigo e disse: «Ai, minha senhora, foi mesmo assim?». Depois há outras coisas interessantes. Ver jovens perguntarem: «Mas como é que foi? Foi presa? Porque é que foi presa?». Claro que temos de dizer que foi por lutar, porque não existia liberdade e outras coisas mais.

Imagine que alguém lê esta entrevista daqui a muitos anos. Que mensagem gostava de deixar?

Não sei como estaremos nesse tempo. Mas é importante que as jovens gerações tenham as melhores felicidades do mundo e que consigam lutar para que isto nunca mais volte para trás. Fascismo nunca mais!

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