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Comando especializado nos megaincêndios

Vai sendo tempo de se reconhecer que há uma nova geração de incêndios, designados megaincêndios, que exige uma doutrina especifica e formação especializada na função de comando estratégico das mesmas.

Estado da floresta após a passagem de um incêndio florestal na zona da Ribeira da Perna da Negra, na Serra de Monchique, no distrito de Faro, 4 de Agosto de 2018.
CréditosFilipe Farinha / Agência LUSA

Sabemos que cada vez com mais frequência teremos de enfrentar incêndios florestais severos, atendendo a todos os fatores que os potenciam, uns que não controlamos e outros que resultam de erros e omissões com muitos anos. Por isso e apesar da catástrofe dos incêndios de junho e outubro do ano passado, este ano não fomos surpreendidos pelos incêndios florestais que há muitos anos fazem parte do verão português.

Porém o que não se esperava é que depois de todas as medidas adotadas e os meios afetos este ano ao dispositivo de combate, ocorresse um incêndio que durasse sete dias, do qual resultou a perda de 27 mil hectares de floresta, trinta e nove feridos (um deles grave), 74 casas afetadas (33 de primeira habitação) e muitos outros prejuízos materiais.

A feliz circunstância de não se terem registado vítimas mortais, primeiro objetivo de qualquer sistema de proteção civil quando confrontado com eventos extremos, merece o devido destaque tendo em consideração a velocidade e intensidade com que o fogo percorreu os municípios de Monchique, Portimão e Silves, do dia 3 ao dia 10 de agosto.

Mas seria irresponsável não refletirmos sobre mais este evento e adotarmos uma perspetiva triunfalista e redutora da gravidade do que se passou.

27 mil

hectares de floresta foram consumidos pelo fogo, na serra de Monchique

Em 2003 a Serra de Monchique ardeu quase na totalidade. Entretanto e desde então muito pouco ou nada foi feito.

Estava identificado o risco que a serra registava, liderando a lista dos 20 concelhos classificados em maio deste ano pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA) como de risco mais elevado.

Entretanto as medidas adotadas para enfrentar esta ameaça revelaram-se (sem surpresa) ineficazes.

Na perspetiva da análise das operações de combate, muitas perguntas estão por responder. Uma delas é incontornável: tendo falhado a primeira intervenção (uma vez mais) e sabendo-se que, nestas circunstâncias, os incêndios ganham grande aceleração na sua propagação, não será de refletir sobre a estratégia em vigor no Sistema de Gestão de Operações (SGO) para enfrentar esta fase precoce dos incêndios?

Ainda no ponto de vista do combate, vai sendo tempo de se reconhecer que há uma nova geração de incêndios, designados megaincêndios.

O combate a um megaincêndio pressupõe uma abordagem estratégica multidisciplinar, muito alicerçada no conhecimento sobre variáveis determinantes (meteorologia, coberto florestal, geografia do território e outras).

«A forma mais eficaz de combater um incêndio é evitá-lo. (…) Porém, não haja ilusões. O potencial de risco instalado é de tal modo elevado que pode ser dramático descurar a defesa de pessoas e bens»

Estes incêndios não são operações de Bombeiros. Este tipo de operações exige uma doutrina especifica e formação especializada na função de comando estratégico das mesmas.

Quando defendo a necessidade desta formação, considero indispensável que ela seja reconhecida e certificada por uma parceria de instituições de ensino superior, agrupadas num Centro Protocolar, na qual participe obrigatoriamente a Escola Nacional de Bombeiros.

Urge olhar para esta matéria com coragem e inovação. Urge concluir sobre como contribuir para melhorar o combate a este tipo de ameaça que, todas as fontes confirmam, terá tendência a agravar-se nos anos mais próximos.

A forma mais eficaz de combater um incêndio é evitá-lo, nomeadamente através de políticas racionais de ordenamento e de valorização económica e social do território florestal.

Porém, não haja ilusões. O potencial de risco instalado é de tal modo elevado que pode ser dramático descurar a defesa de pessoas e bens.

Deste modo é necessário reforçar continuamente as competências do combate, enquanto condição para garantir o cumprimento desta obrigação constitucional do Estado.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

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