|Agricultura

CNA. «Manobras de diversão» do Governo são «inaceitáveis» e reforçam a luta

A CNA diz que o Governo se limita a anunciar medidas já previstas e outras «virtuais», acusando-o de não querer resolver problemas de fundo. Amanhã há marcha lenta de tractores e agricultores em Vila Real.  

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

Numa nota às redacções, após reunião com a ministra da Agricultura, esta segunda-feira, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) refere que as «manobras de diversão do Governo são inaceitáveis e só reforçam a necessidade de lutar por outras e melhores políticas agro-rurais». 

A estrutura salienta que esta chamada da ministra, depois de a governante ter alegado que o pacote de medidas anunciado na semana passada havia sido negociado com todas as confederações, foi uma tentativa de «pôr água na fervura do legítimo descontentamento dos agricultores», apesar de, diz a CNA, a governante se recusar a resolver os problemas com que o sector se confronta.

«O que se passou hoje na reunião com as confederações foi mais uma sessão da já rotineira e inaceitável campanha dos milhões para os agricultores, anunciados repetidamente pela tutela», refere a Confederação, que amanhã promove uma marcha lenta de tractores e agricultores, a partir das 10h30, em Vila Real, «por melhores rendimentos e preços justos à produção, na defesa da produção nacional, da Agricultura Familiar e dos baldios». «E porque nos recusamos a engrossar o número das 400 mil explorações agrícolas – sobretudo pequenas e médias – que foram eliminadas desde que a PAC [Política Agrícola Comum] começou a ser aplicada em Portugal», acrescenta. 

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O grito dos agricultores europeus e a PAC

O grito dos agricultores europeus resulta de uma combinação complexa de políticas onde se cruzam medidas ambientais, acordos de livre comércio e cortes de apoios.

Durante uma manifestação nas ruas de Draguignan, no sul de França, um pastor de ovelhas guia o seu rebanho com 600 ovelhas enquanto os agricultores protestam. Os agricultores franceses reivindicam melhores pagamentos e uma relação mais justa com a grande distribuição. 25 de Janeiro de 2024
CréditosSebastien Nogier / Lusa

Todos estes elementos convergem numa perda de rendimentos por parte da generalidade dos agricultores. Independentemente das justas reivindicações imediatas, muitas delas relacionadas com as novas regras da Política Agrícola Comum que entraram em vigor em 2023, importa olhar para esta crise numa perspetiva mais ampla. Só assim é possível ir à raiz do problema que reside nas opções de fundo das políticas da União Europeia que colocaram o setor agrícola completamente dependente do orçamento comunitário que se torna cada vez mais curto face às novas prioridades.

Figura 1: Evolução do VAB agrícola e consumos intermédios a preços constantes. (Fonte: Contas Económicas da Agricultura do INE, 2024).

Apesar de serem fundamentais para garantir a produção de alimentos, os agricultores continuam com rendimentos muito abaixo da generalidade dos outros setores. Isto assim acontece porque a Política Agrícola Comum (PAC), vinculada às orientações neoliberais da União Europeia, permite que os produtos agrícolas sejam pagos aos agricultores abaixo dos custos de produção. Numa fase inicial, a União Europeia (UE) acabou com as quotas de produção por países que garantiam alguma soberania alimentar. Ao mesmo tempo foi negociando tratados de livre comércio com países e regiões, expondo a agricultura europeia à concorrência mundial e permitindo a entrada de produtos sem os mesmos padrões sociais e ambientais. A mesma EU pretende agora, por razões ambientais, tirar o tapete aos agricultores que ainda teimam em produzir.

«Apesar de serem fundamentais para garantir a produção de alimentos, os agricultores continuam com rendimentos muito abaixo da generalidade dos outros setores.»

A primeira revolta dos agricultores veio dos Países Baixos onde foi imposta uma redução drástica das emissões de azoto. Em França e na Alemanha, foi o corte no apoio ao gasóleo agrícola que desencadeou os protestos, que rapidamente se estenderam aos restantes países da UE, todos eles vítimas de uma PAC ao serviço do Agronegócio e da grande distribuição. A exasperação também se espalhou pelo leste da UE, com manifestações na Polónia, Roménia, Eslováquia, Hungria e Bulgária, onde os agricultores se queixam da concorrência desleal dos cereais a preços reduzidos da Ucrânia.

Em Portugal, a situação da agricultura pode ser resumida em traços largos a partir do gráfico da Figura 1. Desde os anos 80 que a produção (Valor Acrescentado Bruto) tem vindo a baixar, primeiro, de forma acentuada nos primeiros anos de adesão de Portugal à então CEE, e depois entrando numa estagnação que perdura até hoje. Paralelamente a este processo, os consumos intermédios (energia, adubos, rações etc.) cresceram ininterruptamente durante todo o período, até hoje. Não fossem os apoios comunitários que representam entre 20 e 30% do seu rendimento (em média na UE, segundo dados da Comissão Europeia), grande parte das explorações já teria fechado as portas. As novas regras da PAC, que entraram em vigor em 2023, introduziram novas exigências em matéria ambiental, mas sem acautelar as necessárias compensações para fazer face aos encargos suplementares. Pior, a implementação do chamado PEPAC (Plano Estratégico da PAC para Portugal) levou a um corte significativo dos apoios à produção da ordem dos 47% de acordo com a primeira estimativa das contas económicas de 2023 do INE!

Não custa acreditar que o governo português e a Comissão Europeia irão gerir mais esta crise lançando mais uns milhões de euros de apoios e mudando algumas regras para apagar o incêndio. Os apoios são bem-vindos. Mas o problema só será resolvido com uma outra política agrícola, assente em preços justos à produção e no direito de cada país em garantir a sua soberania alimentar.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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A CNA denuncia que, para além da positiva redução do ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos) do gasóleo agrícola, já prevista no Orçamento do Estado para 2024, e da compensação dos cortes nas candidaturas aos Ecorregimes «Agricultura Biológica» e «Produção Integrada», reclamada pela CNA, as restantes medidas anunciadas ontem pela ministra Maria do Céu Antunes são «virtuais».

«São um caderno de intenções que o Governo sabe que não pode concretizar porque não tem garantias de Bruxelas de que vai ser aprovado», alerta a CNA, salientando que, «na melhor das hipóteses, parte das medidas, a concretizar-se, só chegaria aos agricultores em 2026».

«Da reunião hoje realizada fica a certeza de que as medidas, com que o Governo procura desmobilizar a luta, têm o valor do anúncio da construção da Barragem de Girabolhos, reclamada há décadas e que o Governo impediu e mesmo votou contra, e que agora voltou a prometer, sem qualquer intenção de concretizar», denuncia a CNA.

A estrutura afirma que não houve «nem uma palavra» para os baldios e para os seus compartes, «que produzem em zonas de montanha e que sofrem uma brutal discriminação no acesso aos apoios, com cortes decretados pelo Ministério da Agricultura às áreas de pastoreio nos territórios comunitários que chegam aos 90%, com prejuízos elevadíssimos para os territórios rurais». Nesse sentido, defende que o Governo «não quer fazer justiça» aos beneficiários do Regime de Pequena Agricultura, que sofreram cortes de 50% dos apoios. Admite, por outro lado, que o Executivo não resolve problemas de fundo do sector, designadamente através da reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), com vista a reverter os cortes às explorações de menor dimensão e assegurar uma «justa distribuição das ajudas».

A Confederação insiste que, se nada for feito, o essencial da PAC, que está na origem dos problemas dos agricultores, vai continuar, mantendo-se as «injustiças na atribuição das ajudas», em que 70% das ajudas directas vão para apenas 7% dos agricultores, e com «total ausência» de regulação do mercado, de que resulta o esmagamento dos preços à produção, o empobrecimento dos agricultores e o desmantelamento de uma parte vital do tecido produtivo nacional. «O silêncio do Governo é ensurdecedor no que respeita às necessárias medidas de regulação do mercado», afirma a Confederação, admitindo que o Executivo «não quer impedir o esmagamento dos rendimentos dos agricultores pela "ditadura" da grande distribuição e pelas importações desnecessárias». 

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