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Análise: PS esfolou o SNS e a direita agora quer matá-lo

Sabido e conhecido o estado calamitoso do SNS, é inegável que o mesmo se deve às opções políticas tomadas nas últimas décadas. A maioria absoluta do PS optou por não resolver nenhum dos problemas mas, ainda assim, a direita só apresenta a continuidade. 

Médicos no Hospital de S. João, no Porto 
Médicos no Hospital de S. João, no Porto CréditosEstela Silva / Agência Lusa

Utentes e profissionais de saúde têm desenvolvido uma corajosa luta em defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS). De norte a sul do país, várias têm sido as comissões de utentes a desenvolver abaixo-assinados e concentrações. 

A acompanhar as aspirações populares estão os profissionais. Médicos e enfermeiros, a cada acção de luta desenvolvida e a cada reivindicação apresentada, tanto por via da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) como do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP/CGTP-IN), não se cansam de reafirmar que se trata de uma luta também em prol do futuro do SNS. 

Seja o combate ao encerramento de urgências, seja o combate à falta de médicos, seja o combate às longas listas de espera, a luta das populações é a luta dos profissionais de saúde. É com isto em conta que se demonstra necessário fazer o diagnóstico ao SNS para conseguirmos saber o que está realmente em jogo no dia 10 de Março, sabendo de antemão que a solução para todos os problemas identificados passa pelo aumento e concretização do financiamento no SNS, não pelo caminho da sua privatização.

A luta dos médicos

As críticas à governação do PS tem sido tónica constante nas posições da FNAM. Não é caso para menos: as negociações que decorreram com o Ministério da Saúde duraram 19 meses, perfazendo 36 reuniões (e outras 13 canceladas pelo Governo), e o resultado não foi positivo. Após várias rondas, o governo PS manteve-se fiel à sua inflexibilidade e não quis cumprir com o estabelecido no protocolo negocial.

Contrariando a narrativa dominante, a avaliação da organização que representa os médicos indica que há 60 000 médicos em Portugal, mas, destes, apenas metade (31 000) está no SNS, incluíndo 10 mil médicos internos, o que corresponde a um terço da força de trabalho.

Os médicos foram dos profissionais que mais poder de compra perderam na última década. A sua remuneração encontra-se na cauda da europa, estão confrontados com condições de trabalho cada vez piores e realizam milhões de horas extraordinárias por ano.

Sem querer saber das reivindicações dos médicos, o Governo do PS encerrou as negociações em Setembro 2023 e anunciou a publicação de um novo regime de trabalho – a Dedicação Plena. A FNAM rapidamente rejeitou este renovado ataque aos profissionais, uma vez que estabelece o aumento do limite anual do trabalho suplementar de 150 para 250 horas; o aumento da jornada diária de trabalho de 8 para 9 horas; o fim do descanso compensatório após o trabalho noturno para quem faz serviço de urgência; e a realização de trabalho ao sábado para os médicos hospitalares que não realizem Serviço de Urgência.

Com a situação que se vive no SNS e a forma como a maioria absoluta do PS conseguiu degradar ainda mais o serviço, a FNAM não descansa e continua a apresentar as suas reivindicações para o próximo Governo. A federação dos médicos exige a reposição da jornada de trabalho de 35 horas; a reposição das 12 horas de Serviço de Urgência em vez das actuais 18 horas; um máximo de 1500 utentes por médico de família; um subsídio de disponibilidade permanente para os médicos de saúde pública; a reintegração do internato na carreira médica; a recuperação dos dias de férias que foram retirados durante o período de intervenção da troika; melhores condições para a parentalidade e a possibilidade de formação pós-graduada; o reconhecimento de profissão de desgaste rápido e, associada a essa realidade, a possibilidade de reforma aos 36 anos de trabalho ou 62 anos; a participação activa dos médicos nos locais de trabalho, com processos transparentes e democráticos acabando com as nomeações político-partidárias das chefias.

A luta dos enfermeiros

Os enfermeiros são o maior grupo profissional no serviço de Saúde português: há uma boa razão para que assim seja: os enfermeiros são os únicos que asseguram a continuidade de cuidados às pessoas. A sua importância é central e é inegável o serviço que prestam às populações. 

A carência global de profissionais de saúde é reconhecida a nível global e crónica no nosso país. Segundo o SEP, este factor dificulta a concretização dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável que Portugal subscreveu e que se consiga dar resposta a novos fenómenos como o aumento da procura a cuidados de saúde ou aos vários problemas nos mais diversos planos.

Tendo isto em mente, importa ter em conta que o desafio da recente reorganização do dispositivo prestador de cuidados públicos em Unidades Locais de Saúde pode encerrar alguns riscos como, por exemplo, um maior estrangulamento dos Cuidados de Saúde Primários na sua missão da promoção da saúde e a prevenção da doença. 

Se os desafios no plano da resposta são evidentes, no SNS acresce ainda a completa desvalorização dos enfermeiros. Seria necessário valorizar carreiras para fixar profissionais no sector público. Ao invés disso, a variação do poder de compra entre 2009 e 2023 demonstra que os enfermeiros tiveram uma diminuição dos seus rendimentos em cerca de 20%. A opção de promover estrategicamente a desvalorização salarial e das profissões, atingiu o seu ponto alto. As consequências são visíveis e só não atingem outras dimensões pelo elevado sentido de responsabilidade dos enfermeiros. 

É o próprio SEP, fazendo uma avaliação pormenorizada, graças ao contacto directo que tem com a realidade, que exige que o SNS «seja reforçado, terminando o seu permanente subfinanciamento, e sejam adoptadas medidas que consagrem a separação dos sectores público e privado». 

No quadro de propostas que o mesmo apresenta, é exigido que o actual modelo de financiamento das organizações integrantes do SNS seja repensado e alterado «e que seja considerado, nomeadamente, o nível de risco da população, a obtenção de ganhos em saúde e as intervenções dos diferentes grupos profissionais de saúde nos resultados», sendo necessário para tal «garantir mais autonomia às instituições».

Para tal, o SEP considera que a reorganização e imprescindível reforço do SNS tem que ser feita em múltiplos aspectos, «desde logo, na criação dos Sistemas Locais de Saúde, na esteira da Lei de Bases da Saúde». Isto permitiria a existência de equipas multiprofissionais ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, que integrem um vasto conjunto de profissionais de saúde com vista à prestação de cuidados personalizados, globais e integrados, imprescindíveis à melhoria dos indicadores de saúde da população e que permitam a realização de Planos Individuais de Cuidados às pessoas, famílias, grupos e comunidades, garantindo efectivas respostas de proximidade, nomeadamente em contexto domiciliário, ao longo das 24 horas.

Para cumprir com o exigido, é necessário, uma vez mais, um verdadeiro financiamento do SNS, e como tal o SEP exige-o em em toda a sua latitude: recursos humanos, dispositivos médicos e equipamentos, com o objectivo de garantir o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação. 

Assim, como no caso da FNAM, os enfermeiros exigem mais democracia e que os presidentes das administrações das instituições do SNS sejam designados mediante prévio concurso público e que o Enfermeiro Director e o Director Médico sejam eleitos pelos seus pares.

As reivindicações dos enfermeiros vão também às questões da carreira. O SEP exige que se concretize a admissão de mais enfermeiros com contratos definitivos e a regularização das situações de precariedade; que se operacionalize a concretização de medidas que garantam igualdade de direitos entre todos os enfermeiros independentemente do tipo de contrato; que seja promovida a contratação colectiva, 35 horas semanais e a valorização de carreiras e salários nos setores privado e social. 

A par destas justas reivindicações, estes profissionais exigem ainda que seja efectivada a valorização de todos os enfermeiros do sector público através da imediata negociação de uma alteração à Carreira de Enfermagem que contenha a valorização da grelha salarial, incluindo um regime remunerado de dedicação exclusiva; a compensação do risco e da penosidade inerente à natureza das funções; a consagração de um Sistema de Avaliação do Desempenho justo e adequado à especificidade das intervenções e funções dos enfermeiros; e a contagem de todo o tempo de serviço perdido com a imposição do sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho.

O que oferece a direita

Podemos dizer que o PS decidiu trilhar o caminho que abriu espaço aos negócios privados da doença. É certo que o fez de forma diferente do que faria PSD, Iniciativa Liberal e Chega, mas a verdade é que os objectivos, a longo prazo, convergem. 

O que interessa à direita, e o que o Governo de maioria absoluta do PS estava a concretizar, é o esvaziar do SNS, bloqueando a sua capacidade de dar resposta aos problemas da população e depois financiar grupos privados para fazerem algo que o SNS poderia fazer sem gastar metade do dinheiro. 

Analisando os programas da AD, da Iniciativa Liberal e do Chega, confirmamos que, mesmo estando inscrita alguma leviana referência às reivindicações de médicos e enfermeiros, os seus objectivos estruturais passam, sempre, pela destruição do SNS. 

Veja-se o que o programa da AD aponta como meta: «colocar o sistema de saúde português entre os dez melhores do mundo, em 2040». Mas como? Ninguém sabe. Coloca ainda o objectivo de «assegurar a Consulta no Médico de Família em tempo útil». Mas como? Ninguém sabe. A única parte onde, logo no início o capítulo da saúde, a AD é honesta é na transferência de financiamento para o sector privado, ao prometer «garantir Consultas de Especialidade dentro do tempo de espera máximo, nomeadamente, através da atribuição de um Voucher de Consulta».

Aliás, este é o reflexo da sua visão. Nas várias áreas da saúde abordadas no plano da AD, em última análise, a solução passa pela transferência de recursos para o privado ou a manutenção de más condições de trabalho para os profissionais de saúde.

Quando a AD se propõe «organizar o Sistema de prestação de cuidados de saúde hospitalar com maior autonomia» e implementar um Plano de Emergência do SNS 2024-2025, logo de seguida apresenta a proposta de «Inaugurar novas Parcerias Público-Sociais para unidades de Cuidados Paliativos e Unidades de Cuidados Continuados de 2ª Geração». Ou seja, a solução não é munir o SNS das condições necessárias, é avançar no seu desmantelamento. Vemos mais à frente a confirmação disso com a proposta de «emissão do Voucher Consulta de Especialidade». Esta é, no entanto, a resposta constante da AD. No caso das cirurgias, fica evidente, com a proposta de «desenvolver um sistema concorrencial competitivo para cirurgia de ambulatório».

Se é por demais evidente a grande vontade de financiar o privado, na questão dos profissionais, a AD faz tábua rasa das reivindicações que são apresentadas. Por diversas vezes a AD coloca a criação de um «Plano de Motivação dos Profissionais de Saúde». Mais uma vez, não diz bem como irá motivar os profissionais de saúde, apenas coloca a intenção no abstracto e acrescenta um conjunto de medidas. Sobre salários nada é dito, acenando com «incentivos». Para carreiras, idem. Sobre horários, a AD promete «flexibilidade». Sobre médicos de família, promete a precariedade ao propor «realizar contratos temporários com Médicos de Família aposentados ou privados».
 
A Iniciativa Liberal e o Chega, como não podia deixar de ser, cumprem o seu objectivo de prosseguir, exacerbando, o caminho da AD. A convergência entre ambos é, aliás, imensa. Se a IL promete uma nova Lei de Bases da Saúde, o Chega promete reformá-la. Ambos com o mesmo objectivo. Para a IL, «pouco importa quem é o prestador desses cuidados de saúde: público, o sector privado ou o sector social, todos devem estar articulados para ajudar a melhorar a saúde dos portugueses». Já o Chega promete «evoluir o Serviço Nacional de Saúde para um Sistema Nacional de Saúde, com a integração de todo o Sector Público, Privado e Social, formalizando parcerias público-privadas estratégicas». 

A IL consegue ser mais radical, ainda assim. Apesar de nenhum falar em investimento no SNS, a IL tem como missão acabar com quase todo o papel do Estado na saúde. Veja-se que nos cuidados de saúde privado propõe a contratualização da prestação de cuidados de saúde com o sector social e privado ou até alargar os cuidados de saúde às Farmácias comunitárias - proposta que o Chega também tem.

Sendo certo que a IL considera que a maneira de reduzir as listas de espera no SNS passa por criar carreiras atractivas do ponto de vista da remuneração, do reconhecimento do mérito e da qualidade de serviço, é também certo neste aspecto que a sua solução passa por «incentivos monetários e institucionais de acordo com a produção de cuidados, mas, também, segundo indicadores transparentes de produção de ganhos em saúde no indivíduo e na população» e não pelo trabalho e empenho que os profissionais do SNS já hoje apresentam sem que nada lhes seja reconhecido. Claro está, que, de forma a não investir nos profissionais de saúde, neste campo, mais uma vez, a solução passa pela criação de mais PPP. 

Já sobre os enfermeiros, a IL pouco ou nada diz sobre eles, a não ser propor a criação de «enfermeiros especialistas» que «poderão ser um importante auxílio na prestação de cuidados de saúde primários e secundários, libertando os médicos para outras tarefas».

Já o Chega, que pouca ou nenhuma atenção dá à saúde no seu programa, para além do ataque ao SNS já referido, e de uma referência à satisfação das reivindicações dos profissionais, mas que entra em total contradição com o plano de destruição do sector público, pouco ou nada acrescenta. O partido que diz ser mais que de protesto alongou mais linhas à revisão da Lei Bases da Saúde do que à formulação de como iria satisfazer as reivindicações dos profissionais. O engodo parece óbvio. 

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