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Os palácios de Sintra «escondem muita miséria e muitos dramas humanos»

O AbrilAbril esteve à conversa com Pedro Ventura, dirigente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses e vereador do PCP na Câmara Municipal de Sintra, sobre o crescente problema da habitação no segundo concelho mais populoso do país.

Bairro da Serra das Minas em Rio de Mouro, Sintra 
Bairro da Serra das Minas em Rio de Mouro, Sintra CréditosMário Cruz / Agência Lusa

A lei das rendas entrou em vigor em 2012, em plena intervenção da troika, pela mão do governo do PSD e do CDS-PP. O objectivo da lei é claro: liberalizar o mercado de arrendamento, facilitar os despejos e descongelar os contratos de arrendamento celebrados antes de 1990, permitindo a sua renegociação.

Quando a lei entrou em vigor, cerca de 150 mil famílias viviam em casas arrendadas por valores inferiores a 50 euros. O proprietário conquistou o poder de fazer aumentar, anualmente, o valor das rendas, criando uma verdadeira competição pelas casas, inflaccionando o seu preço.

Outra das facetas desta lei foi a da normalização dos despejos, permitindo que estes sejam realizados se o inquilino não conseguir pagar a renda durante dois meses, ou se se atrasar, quatro vezes por ano, no pagamento da renda em mais de oito dias.

As consequências desta lei continuam a fazer-se sentir por todo o país, com especial enfoque nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e na região algarvia. Na passada sexta-feira foram chumbadas, pelo PS, PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega, várias propostas de alteração ao regime de arrendamento urbano, avançadas pelo PCP, BE e PAN.

Pedro Ventura é o candidato da CDU à presidência da Câmara Municipal de Sintra  Créditos

Nesta entrevista, Pedro Ventura, dirigente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, organização de defesa dos «interesses de natureza patrimonial, cultural, moral e social dos cidadãos portugueses, enquanto locatários, sublocatários, hóspedes ou condóminos», e vereador do PCP na Câmara Municipal de Sintra, alerta para a actual situação habitacional deste concelho.

Os valores das rendas em Sintra assemelham-se, cada vez mais, aos praticados em Lisboa. Podemos estar a assistir a uma alteração demográfica desta população? 

Em Sintra, as rendas atingem valores muito elevados se as compararmos ao valor do salário mínimo nacional ou mesmo em relação ao salário médio, que se situa em 1220,70 euros.

A aquisição de casa própria caracterizou os anos 80 e 90 do século passado e o início do século XXI, mas manteve-se a lógica de arrendamento de habitação para as classes mais desfavorecidas e jovens. A massificação de construção da habitação transformou as cidades em grandes dormitórios e a Câmara Municipal e os vários governos foram incapazes de criar e desenhar cidade em resposta.

Com a gentrificação de Lisboa, há novos habitantes a procurar Sintra, o que fez disparar o preço do arrendamento e aumentar a população. São já quase 400 mil habitantes, o que coloca grande pressão sobre as cidades, os serviços públicos, e, como consequência, pode tornar-se um problema social de grande dimensão. Já temos rendas na Agualva-Cacém acima dos 600 euros, e nas freguesias com mais poder aquisitivo rendas bem acima de 1100 euros.

São as tais cidades dormitório...

Sim, por exemplo, em 2019, Sintra foi o município da Área Metropolitana de Lisboa (AML) com o sexto menor rácio de sessões de espectáculos ao vivo por mil habitantes – 1%. Ainda analisando dados estatísticos, em 2019, 4,9% das despesas da autarquia destinaram-se à cultura e ao desporto, valor inferior ao de 2009 (11,6% do total das despesas).

Em 2019, Sintra era o município da AML com a quarta menor percentagem de despesas da Câmara Municipal destinadas à cultura e ao desporto – 4,9%. Isto diz muito das políticas da Câmara Municipal nos últimos anos.

As famílias com menos capacidade económica escolhem cada vez mais municípios ainda mais distantes do centro do AML. Não se estará a promover uma gentrificação no concelho?

Isso já acontecia em Sintra, mesmo antes do boom de Lisboa.

Sintra nunca foi um concelho homogéneo e, por isso, zonas como Colares, as freguesias do centro histórico de Sintra e áreas de condomínios privados (Beloura, Penha Longa, Belas Clube de Campo, por exemplo) constituem espaços de privilégio. Importa assinalar que nessas áreas as classes populares têm vindo a desaparecer por via do crescimento do turismo e da procura de casas antigas para restauro.

O município de Sintra teve, em 2020, a sexta maior proporção de hóspedes estrangeiros nos alojamentos turísticos da AML.

Se existe concelho com realidades muito diferentes, é o concelho de Sintra. 

Há alguma razão para o actual Executivo (PS) não investir na construção de habitação a preços acessíveis? Face à enorme procura e carência nesta área...

A Estratégia Local de Habitação (ELH) prevê um esforço do município de 30 milhões de euros, para um total planeado de 131 milhões, ou seja, pretende obter 100 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Já percebemos que o PRR tem um gigantesco buraco na área da habitação; no fundo, é atirar areia aos olhos da população.

Essa ELH prevê 1798 novas respostas habitacionais para os próximos seis anos. Para além de insuficiente, porque actualmente existem 2500 pedidos de habitação na Câmara de Sintra, não vemos meios para a executar. Não sendo adivinho, está claro que o número de pedidos de habitação em Sintra vai disparar e a Câmara não vai conseguir responder.

Julgo ainda que a Câmara de executivo PS tem um preconceito ideológico: continua a incentivar a aquisição de habitação e não deseja assumir um parque de habitação público que responda às necessidades da população. 

Qual é a alternativa para as famílias que deixam de conseguir comportar os valores de renda inflacionados e não têm uma resposta dos organismos responsáveis? 

A alternativa é partilharem uma casa com outras famílias e, assim, dividirem despesas. Digo isto porque conheço a realidade e a Câmara também tem conhecimento dela. 

Em 2020, Sintra tinha 184 266 apartamentos ou moradias para habitação familiar, mais 256 do que em 2019 e mais 19 017 do que em 2010 (em 2009 eram 178 699). Em 2020, Sintra era o município da AML com o quarto maior número médio de residentes por moradia ou apartamento: 2,1.

Recentemente, visitei várias associações de bombeiros e os respectivos comandos transmitiram-me o seu espanto quando, enquanto realizam alguma intervenção de protecção civil, encontram famílias inteiras a partilhar casas, dispostas em vários quartos, alguns destes com cozinhas improvisadas (garrafas de gás ligadas a pequenos fogões). Constituem um perigo para os próprios, para os restantes habitantes dos edifícios e espelham a triste realidade de Sintra.

Os palácios deste concelho escondem muita miséria e muitos dramas humanos.

E o município o que pode fazer?

Teria de ser uma Câmara Municipal com vontade política para avançar com um programa público de construção de habitação, ou incentivadora da organização de cooperativas. Só assim se poderia resolver este grave problema que afecta muitos habitantes deste que é o segundo maior concelho populacional de Portugal.

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