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Até quando vão obrigar São Pedro da Cova a conviver com lixo tóxico?

O ministro do Ambiente tem repetido que uma providência cautelar está a atrasar a segunda fase de remoção dos resíduos, a CCDR-N não confirma. Dezoito anos volvidos parece não haver urgência em acabar com o atentado ambiental a que sujeitaram os habitantes de São Pedro da Cova.

Créditos / AbrilAbril

É provavelmente o maior crime ambiental realizado em solo português, não faltando informação sobre a sua história e sobre quem condenou a população de São Pedro da Cova a conviver com lixo tóxico.

Apesar de a natureza dos metais ter sido omitida por quem permitiu o aterro dos resíduos perigosos da Siderurgia Nacional (SN) na Maia nas escombreiras das minas de carvão de São Pedro da Cova, entre 2001 e 2002, a verdade é que eles já estavam catalogados como perigosos antes da viagem para esta freguesia do concelho de Gondomar. 

Estavam, pelo menos, desde 1996. Nesse ano, a Tecninveste realiza as primeiras análises a pedido da siderurgia e chega à conclusão que os resíduos, com elevadas concentrações de chumbo e de crómio hexavalente, carecem de tratamento prévio ao depósito em aterro para resíduos perigosos. 

«Claro que eram perigosos», atesta Moreira da Silva. Este antigo trabalhador da siderurgia, filho de um mineiro de São Pedro da Cova, admite não ter datas certas mas revela que, entre 1980 e 1981, os trabalhadores começaram a ter conhecimento de que esses resíduos eram perigosos e «estavam a dar problemas nas águas». 

A informação chegou-lhes através dos laboratórios existentes na fábrica. Como não havia abastecimento da rede «faziam análises a tudo quanto era consumido no interior, nomeadamente as águas que iam para o refeitório e para os banhos», explica.

A estratégia da siderurgia passou por deslocar os poços de água e dizer aos trabalhadores que estava tudo lixiviado. Mas a realidade atrapalhou a narrativa da empresa, que começou a fazer poços fora da zona vedada, em campos de agricultores. «Alguns já iam a cerca de 200 metros», lembra Moreira da Silva. «Ora, se eles iam deslocando os poços é porque a água ia ficando contaminada», insiste. 

Estado assume passivo ambiental

Em 1995, a SN é privatizada pelo governo de Cavaco Silva que, seguindo a cartilha das privatizações, reserva para o Estado, através da Urbindústria (actual Baía do Tejo), a responsabilidade pela gestão dos resíduos deixados a céu aberto.

Depois de uma primeira tentativa de aterro na Pedreira do Valado, no concelho de Valongo, que o Município rejeitou por suspeitar da natureza dos resíduos, em Junho de 2001 o lixo tóxico segue para São Pedro da Cova, ainda sem autorização da Câmara Municipal de Gondomar e do Ministério do Ambiente.

Quando os resíduos, com elevados teores de chumbo, cádmio, arsénio e zinco, começaram a ser depositados no Alto do Gódeo, em Junho de 2001, a Junta de Freguesia de São Pedro da Cova (na altura PSD) não se opôs ao aterro. Mas a passagem dos camiões para as escombreiras das antigas minas não passa despercebida aos moradores e é graças à curiosidade destes e a conversas tidas com os motoristas que se fica a saber que a terra que transportavam era «muito venenosa». 

Com os trabalhos a decorrer, o Instituto Geológico e Mineiro confirma a perigosidade dos resíduos mas nada acontece. No mesmo ano, o PCP pede também análises a um laboratório independente que corrobora a perigosidade de tais resíduos. As conclusões são enviadas para a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território – Norte (DRAOT-Norte, actualmente integrada na CCDR-N). Apesar disso, o crime ambiental prossegue.

Em 2002 a CDU regressa ao executivo da Junta de Freguesia de São Pedro da Cova e passa a liderar o trabalho de denúncia e reivindicação pela retirada do lixo tóxico. «O PCP e a Junta de Freguesia lutaram sozinhos até 2010», critica o actual presidente, Pedro Miguel Vieira.

A 5 de Fevereiro de 2002, numa audiência com um responsável da DRAOT-Norte, a Junta de Freguesia propõe a paragem imediata dos trabalhos e a retirada dos resíduos já depositados. Apesar de ter negado a perigosidade dos resíduos e do argumento de que estavam a ser depositados «para embelezar o local», três dias após o encontro a DRAOT-Norte suspende os trabalhos de despejo.

Entre os argumentos, a tutela refere que as quantidades depositadas já excediam três vezes o previsto e que a deposição dos resíduos extravasava a área declarada. Em vez de 97 500, já haviam sido transportadas 320 mil toneladas.

Terrenos não foram impermeabilizados

Dez anos após o depósito, um estudo realizado pelo Laboratório Natural de Engenharia Civil (LNEC) confirma mais uma vez a perigosidade dos resíduos: «Conclui-se que os pós de despoeiramento depositados nas escombreiras das antigas minas de carvão de São Pedro da Cova apresentam um potencial poluente muito significativo em toda a área do depósito, e constituem, por isso, um risco muito elevado para o meio ambiente e para a saúde pública locais.»

Sublinha o relatório que «a principal fonte poluente advém da lixiviabilidade do Chumbo, que ocorre em concentrações muito elevadas, mesmo superiores às que permitiriam a deposição dos resíduos em aterro de resíduos perigosos». 

O estudo do LNEC alerta ainda para o facto de não haver no depósito «qualquer sistema de protecção ambiental», não existindo restrições «quer à infiltração das águas pluviais, quer à migração dos lixiviados para os terrenos da fundação dos resíduos e para os recursos hídricos superficiais e subterrâneos existentes na zona», frisando que a sua remoção deveria acontecer «tão breve quanto possível». 

Pedro Miguel Vieira lamenta que ainda não se tenha analisado o impacto da contaminação na população de São Pedro da Cova, sublinhando que várias análises já comprovaram que a água naquela zona é imprópria para consumo. «Temos muitas linhas de água, que ainda são utilizadas pela população, que vão desaguar ao Douro. Como é uma zona fértil em lençóis de água, a poluição não fica por aqui», denuncia.

Mas lamenta, sobretudo, que a urgência vertida no relatório do LNEC relativamente à retirada dos resíduos não tenha sido levada a sério pelas autoridades. «Estivemos na CCDR-N onde nos disseram que [os resíduos] tinham que ser retirados o mais rápido possível. Já lá vão oito anos e continuamos a conviver com este crime ambiental», critica.

Responsabilidade pública omitida

Entre os meses de Outubro de 2014 e Maio de 2015, decorreu a primeira empreitada, adjudicada à Ecodeal por Assunção Cristas, então ministra do Ambiente, por cerca de 13 milhões de euros. 

Foram extraídas cerca de 105 mil toneladas que a empresa enviou para o aterro de eliminação de resíduos perigosos que detém na Chamusca, sem a inertização prévia recomendada. Em Abril de 2015, surge a informação de que havia muito mais para retirar. 

A continuação dos trabalhos deveria ser co-financiada a 85% por fundos comunitários, à semelhança do que aconteceu na primeira fase, mas Bruxelas opõe-se à aplicação de verbas inscritas no Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR).

Em causa, um princípio fundamental que a assinatura de Assunção Cristas omitiu: a identidade de quem enviou os resíduos para São Pedro da Cova. Ou seja, a tutela escondeu que a responsabilidade pelo transporte e despejo ilegal de toneladas de lixo tóxico era afinal pública. 

Em Abril do ano passado o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, anunciou que a empreitada para a retirada das restantes 125 toneladas tinha sido adjudicada por mais 13 milhões de euros, que sairiam na totalidade do Fundo Ambiental.

Dos sete candidatos ao concurso internacional, a Ecodeal, apesar do incumprimento verificado no primeiro aterro, volta a ganhar o concurso. A remoção, admitiu então o ministro, seria concluída no decorrer de 2019.

Que importa afinal a saúde pública?

Depois de sucessivos adiamentos, a 14 de Novembro de 2018 a população de São Pedro da Cova é confrontada com declarações de João Matos Fernandes na Assembleia da República sobre uma alegada providência cautelar interposta por um dos donos dos terrenos. 

«Não nos podemos esforçar mais do que aquilo que nos esforçamos. Temos o dinheiro para o fazer, mas Portugal é um Estado de direito e um proprietário daquele terreno apresentou uma queixa junto do tribunal e foi parada a possibilidade de intervenção», disse o ministro. A informação foi negada pouco depois por Violante Lopes, dono dos terrenos de São Pedro da Cova juntamente com o consórcio Terriminas/Vila Rei. 

A Junta de Freguesia pediu de imediato uma reunião à CCDR-N e ao ministro do Ambiente. «A CCDR-N disse-nos que, provavelmente, aquilo que o ministro tinha dito na Assembleia da República era um "equívoco" e que o processo era aquele de que tivemos conhecimento em Junho, quando fomos recebidos na CCDR-N, referente à impugnação do concurso público por parte de uma empresa», revela o presidente. 

Quanto ao pedido de reunião com o ministro, a autarquia continua a aguardar uma resposta. Pedro Miguel Vieira lamenta mais este «impasse» e estranha que a poluição ambiental e os danos causados à população de São Pedro da Cova ao longo de quase vinte anos não tenham força bastante para ultrapassar de vez esta situação.

«A nossa intenção era que nos apresentassem documentos, consideramos que é muito estranho e não percebemos porque é que o Governo não alega interesse nacional para intervir na remoção dos resíduos», conclui.

Entretanto, o Governo prometeu para este Verão a promulgação da lei da contaminação de solos, uma lei que espera a luz do dia desde 2015, ano em que se realizou a sua discussão pública.

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