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«Às Segundas ao Sol»: Nem Casa, Nem Filhos, Nem Crédito, Nada (I)

Rodado em Vigo, o filme reflecte episódios de destruição e deslocalização da produção industrial, no contexto da integração capitalista da União Europeia, centrando-se nos desempregados e nas suas lutas.

Fotografia da rodagem do filme <em>«Às Segundas ao Sol»</em>
Fotografia da rodagem do filme «Às Segundas ao Sol»Créditos

Numa pequena cidade costeira no norte de Espanha, um grupo de desempregados vive ainda assombrado pelo fecho dos estaleiros navais onde eles trabalharam durante muitos anos.

Este acontecimento deixou-os terrivelmente desorientados, condenados a uma triste repetição dia após dia. Em Às Segundas ao Sol (Los lunes al sol, 2002), realizado por Fernando Léon de Aranoa, a vida destes homens é apresentada como um conjunto de cenas em que cada um tem um lugar, inventado, e uma história que criou para si e para os outros, mentindo. O passado de luta para travar o encerramento da empresa continua a emergir de vez em quando. As feridas permanecem abertas. Tudo seria ainda pior se não tivessem o amparo uns aos outros, a solidariedade proletária.

O cinema espanhol tem nomes e obras na sua história que permitem perceber de onde vem este filme, a que linhagem pertence: Juan Antonio Bardem de Muerte de un ciclista (1955), Luis Garcia Berlanga de El verdugo (1963), entre outros. De forma mais ou menos militante, estes cineastas foram influenciados pelo neo-realismo italiano. Compreenderam o potencial de riqueza estética e profundidade humana da expressão realista no cinema.

Com esta obra, Aranoa insere-se nesta tradição. É o significado dos detalhes dos espaços, dos objectos, dos corpos, e dos gestos. É também a cuidada montagem descontínua, mas fluida e pausada, que vai tecendo momentos desgarrados que se agarram à memória.

Inicialmente interessado pela arte da banda desenhada, admirador dos desenhadores Carlos Giménez e Jordi Bernet, o artista foi parar ao cinema por acaso, devido a um erro na inscrição académica. Seja como for, não voltou atrás nem emendou o trajecto.

O gosto pelo desenho tem-lhe sido útil para a elaboração de rigorosos storyboards na pré-produção dos seus trabalhos de televisão e de cinema. A sua filmografia cruza a observação social acutilante com a concentração na densa individualidade de cada personagem.

O filme anterior de Aranoa, Barrio (1998), já era um sinal dessa opção. Depois de Às Segundas ao Sol, seguiram-se Princesas (2005) e Amador (2010). O primeiro é um drama sobre duas mulheres prostituídas em Madrid que não romantiza a sua situação, com fortes interpretações de Candela Peña e Micaela Nevárez. O segundo é uma comédia sobre a relação de amizade entre uma imigrante peruana (Magaly Solier), que enfrenta severas dificuldades económicas, e um homem acamado (Celso Bugallo). Ambos confirmam a vertente de retrato social da obra que o realizador tem construído.

Fotograma das imagens de arquivo no início do filme

Quanto a Às Segundas ao Sol, trata-se de um projecto que tem raízes históricas concretas. O filme foi rodado em Vigo. A sua narrativa reflecte episódios de destruição e deslocalização da produção industrial no interior e no exterior da Europa, no contexto da integração capitalista da União Europeia. Na cidade galega, este processo foi confrontado com movimentos de massas contra os despedimentos colectivos.

O filme centra-se nos desempregados que resultaram dessas lutas e na sua sobrevivência dia após dia. Embora todo o filme tenha sido rodado em Vigo, a primeira sequência, enquanto corre o genérico, é composta por imagens de arquivo dos protestos organizados em Gijón. Depois da manifestação que percorreu as ruas, alguns trabalhadores decidiram criar barricadas com bobinas de madeira e pneus incendiados.

A indústria naval é um sector importante na Galiza, particularmente na Corunha e em Vigo. No entanto, a narrativa desta obra inspira-se em factos ocorridos nas Astúrias, outra região de Espanha, em torno dos estaleiros da Naval Gijón. Utiliza, com a liberdade artística e a criatividade dramatúrgica adequadas, episódios da vida de Cándido González Carnero e Juan Manuel Martínez Morala. Trabalhavam os dois neste estaleiro e eram dirigentes sindicais da Corrente Sindical de Esquerda (CSI). Esta organização é uma cisão asturiana das Comissões Operárias (Comisiones Obreras ou CCOO), a maior central sindical espanhola.

A CCOO foi fundada em 1976 por sindicalistas do Partido Comunista de Espanha, do movimento operário cristão da Juventude Operária Católica e Irmandade Operária da Acção Católica, e de outros grupos que se opuseram à ditadura franquista.

«O drama dos trabalhadores que perderam o emprego costuma ser invisível na comunicação social e na arte cinematográfica.»

A CSI desempenhou um papel importante nas lutas reivindicativas dos operários dos sectores naval e metalúrgico nas Astúrias, especialmente em Gijón e Avilés. Cándido e Juan foram condenados a três anos de prisão pelo crime de danos causados a propriedade privada, provocados durante uma das greves na Naval Gijón. Ambos os sindicalistas foram condenados a pena de prisão em 16 de Junho de 2007, após terem participado numa manifestação contra a sua própria condenação pelos danos mencionados.

O realismo deste filme é o oposto do naturalismo. Por um lado, sabe que todo o realismo é social. Neste caso, trata-se mesmo de entender a trama que urde uma comunidade de homens e as pessoas que a rodeiam. Por outro lado, entende a narrativa como uma procura do que é difícil de ver, não do que é evidente. O drama dos trabalhadores que perderam o emprego costuma ser invisível na comunicação social e na arte cinematográfica.

Apoiado nestas duas formas de definir o realismo, Às Segundas ao Sol faz convergir o retrato no modo como as personagens se testam na convivência e necessitam de conviver para enfrentarem um quotidiano à deriva, ainda com uma réstia de esperança.

Estas são as pessoas desempregadas que os lugares-comuns de algum jornalismo simplificam ou ignoram. As estatísticas e os números fazem, de algum modo, esquecer as suas histórias de vida. O valor e a força de Às Segundas ao Sol vêm precisamente do facto de ser uma representação atenta e comovente de quem sofre com o desemprego — da sua partilha, do seu orgulho, da sua melancolia, e do seu riso. Não há destinos adivinhados para estas personagens que vivem em solidão. O seu futuro é incerto e a tragédia está sempre à espreita.

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