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A Muito Real Guerra Espacial

«A paz apenas provém da força», afirmou Mike Pence ao anunciar a criação das Forças Espaciais dos EUA. A história prova que reforços militares e agudizar de tensões promovem conflitos e guerras.

Mike Pence, Vice-Presidente dos EUA, durante uma visita ao Operations and Checkout Building do Kennedy Space Center, Florida, 6 de Julho de 2017.
Mike Pence, Vice-Presidente dos EUA, durante uma visita ao Operations and Checkout Building do Kennedy Space Center, Florida, 6 de Julho de 2017. CréditosMike Brown/Reuters. Fonte: democraticunderground

Na semana passada, o vice-presidente do EUA, Mike Pence, e o Secretário de Defesa, James Mattis, foram ao Pentágono introduzir um novo ramo das forças armadas dos EUA: as Forças Espaciais (Space Force). Não se trata de um exército no espaço para combater extraterrestres ou destruir asteróides, mas o reconhecimento de que a arena de confronto militar se irá estender à zona em órbita da Terra, e a determinação de assegurar o «domínio dos EUA no espaço».

Uma arma com impacto no espaço – acima de 100 quilómetros de altitude (linha de Kármán) – pode ser tanto um míssel em terra com potencial para atingir satélites ou outras estruturas em órbita, como um satélite em órbita capaz de atingir outros satélites (ou, eventualmente, alvos em terra) ou perturbar comunicações. Satélites civis podem, também, ter dupla função, servindo como «combatentes» ao transmitir comunicações militares. Existem alguns tratados internacionais com o objectivo de manter o espaço como zona desmilitarizada: o Tratado de Proibição de Testes Nucleares no Espaço, de 1963; o Tratado do Espaço Exterior, de 1967; e mesmo o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, de 1972, que chegou a proibir o teste ou uso de armas não-nucleares no espaço (os EUA retiraram-se deste tratado em 2002). Tal não tem impedido, porém, o desenvolvimento de programas de armas anti-satélite ou sistemas de defesa antimíssil em grande escala pelos EUA, Rússia e, mais recentemente, China. Há uma linha directa entre o discurso da «Guerra das Estrelas» do então Presidente Reagan, em 1983, e a actual expansão do sistema antimíssil dos EUA/NATO no Leste Europeu.

Até à data, não existem armas destructivas no espaço, embora algumas tenham sido testadas e estejam em desenvolvimento (como disparos de feixes de energia). Mas a presença de satélites de duplo uso (civil e militar) constituem um alvo de relevância militar. Os satélites garantem não só comunicação, como também a previsão meteorológica, a rede de internet, e os sistemas GPS (e sistemas que usam sua informação, como os mercados de acções). Existem quase dois mil satélites operacionais (cujas órbitas podemos visualizar aqui), cerca de metade dos EUA (859, incluindo 495 comerciais, 178 governamentais e 166 militares), seguidos da China (250) e Rússia (146).

Os satélites, com suas órbitas relativamente previsíveis, são alvos vulneráveis. Caso seja destruídos, deitariam por terra importantes sistemas de comunicação e localização, militar e civil, criando desestabilização. Qualquer destruição de satélites poderá trazer consequências duradouras, como ficou claro em 2007 após um teste anti-satélite da China, destruindo um seu satélite meteorológico e gerando o maior campo de detritos espacial na história, com cerca de 150 mil partículas, mais de duas mil maiores que uma bola de ping-pong. Detrito espacial, dependendo do tamanho e altitude, pode persistir em órbita durante anos. Uma elevada densidade de tais partículas na órbita terrestre baixa (LEO) pode aumentar a colisão com satélites, aumentando o número de partículas e tornando inviável o uso de satélites (e os sistemas deles dependentes) durante gerações (síndroma de Kessler).

A administração Trump acusa a Rússia e a China de terem tornado o espaço um domínio de batalha e assumir uma postura adversarial, sem reconhecer as suas próprias atitudes e acções durante décadas, incluindo no próprio anúncio do novo ramo das forças armadas, no qual Pence referiu a proposta orçamental de investir uns adicionais 8 mil milhões de dólares nos sistemas de segurança espaciais nos próximos 5 anos.

Mas nem todos nas forças armadas e mesmo na administração de Trump concordam com esta reorganização, incluindo o próprio Secretário de Defesa (o que não significa que se oponham à estratégia belicista para o espaço). A proposta tem ainda de ser aprovada no Congresso, o que só irá acontecer já depois das eleições intercalares deste Novembro. Mas claramente, e como é seu costume, Trump está tão ou mais interessado em marcar a agenda mediática, como ilustra o facto da campanha de Trump ter enviado um correio electrónico apelando os seus apoiantes para votarem no logo das novas Forças Espaciais.

No seu discurso Pence afirmou: «A América irá sempre procurar a paz no espaço como na Terra. Mas a história prova que a paz apenas provém da força. E no reino espacial, as Forças Espaciais dos EUA serão essa força nos próximos anos». Na verdade, o que a história demonstra é que reforços militares e agudizar de tensões promovem conflitos e guerras. A segurança no espaço (e na Terra) tem de ser encontrada através da cooperação e diplomacia. Em 2008, a Rússia e China – os dois adversários espaciais elencados pelos EUA – propuseram, na Conferência de Desarmamento, o Tratado Sobre a Prevenção e Contra a Instalação de Armas no Espaço, nunca aceite pelos EUA. Em discussão internacional desde 2014 está uma proposta da União Europeia de um Código de Conduta Internacional paras as Actividades no Espaço Exterior.

Em Dezembro de 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou várias resoluções sobre a desmilitarização do espaço, incluindo um segundo projecto (70/27), apresentado pela Rússia e pela China (um primeiro projecto havia sido aprovado no ano anterior), de compromisso de não ser o primeiro a colocar armas no espaço ou a usar ou ameaçar o uso da força contra objectos no espaço. O texto foi adoptado por 129 votos a favor e 4 contra (EUA, Geórgia, Israel, e Ucránia), e 46 abstenções. Uma outra resolução (70/26), pela prevenção de uma corrida de armas no espaço, teve 179 votos favoráveis e nenhum voto contra, mas 2 abstenções (EUA e Israel). Uma continuação desta resolução foi apresentada em 2017 (72/250), incluindo medidas práticas adicionais para prevenir uma corrida de armas no espaço, recebendo desta feita 47 abstenções (incluindo Portugal) e 5 votos contra (os já habituais EUA e Israel, e a França, Grã-Bretanha e Ucrânia). Também no espaço, os EUA optam pelo belicismo em detrimento da diplomacia.

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