A confirmação é do próprio FMI e poderá ter deixado embaraçado quem segue cegamente a instituição e os seus centros de decisão. Num texto publicado ontem, escrito por Jing Zhou, economista da equipa alemã do Departamento Europeu do FMI; Frederik Toscani, economista no Departamento Europeu do FMI, que cobre a zona euro; e Niels-Jakob Hansen, economista no Departamento do Hemisfério Ocidental, foi feita uma análise ao gráfico da semana que procurava identificar as contribuições para a variação anual do deflator do consumo.
A notícia é o facto do FMI identificar que os lucros das empresas são atualmente responsáveis por quase metade de toda a inflação da zona euro. Segundo a análise feita, «as empresas aumentaram os preços para além do aumento dos custos da energia importada» e apesar de um recuo nos valores da inflação esta tem-se mantido. No atípico texto pode-se ler que «a inflação mais elevada até à data reflecte sobretudo o aumento dos lucros e dos preços das importações, com os lucros a representarem 45% dos aumentos de preços desde o início de 2022».
Para além disto, o Fundo considera ainda o que os partidos à esquerda do PS, no caso português, têm vindo a denunciar e afirma que «as empresas europeias têm estado mais protegidas do que os trabalhadores do choque adverso dos custos».Identifica-se neste sentido que os lucros estão 1% acima do período pré-pandemia, ou seja, houve uma recuperação clara mesmo com a guerra, enquanto que se confirma que os trabalhadores empobreceram ficando a sua remuneração 2% abaixo. Por outras palavras, intensificou-se a transferência dos rendimentos do trabalho para o Capital.
Apesar de toda esta análise, o FMI e os seus economistas não poderiam fugir às suas opções ideológicas e se por meias palavras até podem confirmar que houve um aproveitamento por parte das grandes empresas e grandes grupos económicos, equiparam os custos laborais aos custos da energia para o aumento da inflação: «episódios anteriores de aumento dos preços da energia sugerem que a contribuição dos custos laborais para a inflação deverá aumentar no futuro». Ou seja, os custos com a energia até podem baixar, mas caso surjam aumentos salariais, os gastos das empresas serão semelhantes e a redução do preço da energia de nada valerá, sendo então necessário contenção salarial.
O alheamento propositado da realidade criado de modo a construir uma narrativa surge na recta final da análise. Para o FMI o desfasamento nos ganhos salariais «faz sentido» por duas razões: a primeira é que «os salários são mais lentos do que os preços a reagir aos choques» e a segunda é por «as negociações salariais serem pouco frequentes». Apesar disto, o texto alerta já para a evidência de forma a preparar os sectores mais reaccionários dizendo que «depois de verem os seus salários cair cerca de 5% em termos reais em 2022, os trabalhadores estão agora a pressionar por aumentos salariais».
As dicas ao grande capital continuam e é definido um ritmo de cerca de 4,5% ao longo de dois anos, abaixo do crescimento no primeiro trimestre de 2023, de forma a precaver alguma perda na acumulação de lucros, partindo do princípio que os preços das matérias-primas continuam a descer como previsto. O FMI, mesmo considerando que as grandes empresas beneficiaram largamente com a inflação e dela se aproveitaram, e mesmo considerando que isso foi feito à custa do empobrecimento geral dos trabalhadores, é incapaz, dada a opção de classe, de dizer que é urgente e necessário o aumento geral dos salários.