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A banalização da excepção

Não é necessário ser futurólogo para prever que a «recuperação económica» dos efeitos da pandemia na perspectiva neoliberal exigirá ainda menos direitos civis, sociais e humanos, e mais austeridade.

Câmara de videovigilância
Câmara de videovigilância Créditos / 3sixty integrated

Se há domínio onde a futurologia está avançada, tocando mesmo o nível zero de erro, é o das pandemias virais. O Event 201, realizado em Outubro de 2019 em Nova York, antecipou apenas em dois meses o terrível mergulho no desconhecido que estamos a viver. É certo que a vocação assassina do coronavírus parece pecar por escassa em relação às previsões dos adivinhos – 65 milhões de mortos – mas já iremos perceber que a componente de pânico tem papel reservado nestas matérias. Porém, ao cabo de uma década de sucessivas «antecipações científicas», de que o Event 201 foi a etapa mais recente, há que dar relevo ao acontecimento fundador destes exercícios visionários, datado de 2010 e que revela um realismo gritante. Sobretudo na vertente que começa a ganhar forma à escala global: a imposição do autoritarismo ou a vulgarização do excepcionalismo.

Corria o ano de 2010, como já se disse, quando a Fundação Rockefeller, em colaboração com a Global Business Network do futurólogo Peter Schwartz, publicou uma espécie de livro branco com «Cenários para o Futuro da Tecnologia e do Desenvolvimento Internacional».

«Não esqueçamos, por exemplo, que muitas das trágicas consequências da pandemia da COVID-19 têm vindo a ser provocadas pelos ataques devastadores contra os sistemas públicos de saúde comandados por entidades neoliberais como a Comissão Europeia, o FMI, o Banco Central Europeu e o Eurogrupo mais a sua corte de obsessivos do défice»

A Fundação Rockefeller, abra-se aqui um parêntesis, é um ícone do neoliberalismo globalista – actualmente em rivalidade cega com o neoliberalismo populista – a par de outras entidades como o Fórum Económico Mundial, que se realiza anualmente em Davos, o «filantropo» George Soros e a sua «Fundação Sociedade Aberta» especializada em «revoluções coloridas», a Fundação John Hopkins e a Fundação Bill e Melinda Gates, todas elas associadas às continuadas projecções de pandemias virais – e não é certamente por coincidência.

Um dos capítulos do livro branco da Fundação Rockefeller intitula-se Lock Step e antecipa, então para 2012, uma pandemia provocada por uma «nova estirpe de gripe extremamente virulenta e mortal». Neste caso as previsões são de oito milhões de mortes em sete meses, além de um «efeito nefasto na economia: a mobilidade internacional de pessoas e bens é suspensa debilitando indústrias como o turismo, interrompendo as redes de abastecimento global (…), encerrando lojas e escritórios durante vários meses, sem trabalhadores nem clientes».

«Uma liderança mais autoritária»

Uma consequência da pandemia que percorre todo o trabalho da Fundação Rockefeller, e merece especial atenção dos autores, é «o apertado controlo governamental de cima para baixo e uma liderança mais autoritária», com «crescente pressão sobre os cidadãos». Um cenário que mais adiante é explicado desta maneira: «Dirigentes nacionais em todo o mundo reforçam a sua autoridade e impõem regras e restrições herméticas, desde o uso obrigatório de máscaras faciais até à verificação da temperatura corporal nas entradas de espaços comuns como estações de comboios e supermercados».

Até que os autores da previsão chegam ao que parece ser o fulcro da mensagem futurista: «mesmo depois de a pandemia ter sido ultrapassada o controlo e a supervisão mais autoritários das cidades continuaram e intensificaram-se»; como «protecção contra a disseminação de problemas cada vez mais globais – de pandemias ao terrorismo internacional, a crises ambientais e ao aumento da pobreza – os dirigentes mundiais apoderaram-se de maneira mais firme do poder».

E assim os cenários da Fundação Rockefeller e respectivos parceiros saltam dez anos a instalam-nos na antecâmara de uma actualidade que não parece distante se olharmos bem o que nos cerca na perspectiva das ambições do regime neoliberal global. Há muito que, de crise em crise, o sistema vem dando sinais de que está cada vez mais tentado pelo autoritarismo original, afastando-se da democracia ainda que esta funcione de modo meramente formal.

«Que se trata de um gravíssimo e trágico problema de saúde pública não existem dúvidas. Há situações, porém, que exigem reflexão serena e objectiva, sobretudo quando se determinam opções securitárias apresentadas como soluções únicas e absolutas e que acabam por ter a sua quota-parte na campânula de pânico que envolve o tratamento da pandemia»

Não é necessário ser futurólogo para prever que a «recuperação económica» dos efeitos da pandemia na perspectiva neoliberal exigirá ainda menos direitos civis, sociais e humanos, mais austeridade, maior e mais férreo controlo sobre as movimentações de massas. Aliás o reaparecimento em cena da Comissão Europeia para gerir a «reabertura» social, depois de ter hibernado profundamente em pleno combate aos efeitos da doença, é um sinal óbvio do que está para vir. É um indício de que o regresso à «normalidade» significará o funcionamento pleno da ditadura da economia sobre as preocupações humanas que a pandemia suscitou pontualmente e contra a corrente. Não esqueçamos, por exemplo, que muitas das trágicas consequências da pandemia da COVID-19 têm vindo a ser provocadas pelos ataques devastadores contra os sistemas públicos de saúde comandados por entidades neoliberais como a Comissão Europeia, o FMI, o Banco Central Europeu e o Eurogrupo mais a sua corte de obsessivos do défice.

O capítulo Lock Step da publicação da Fundação Rockefeller, na senda do que têm afirmado vários expoentes do globalismo, não prevê que sejam necessários cenários de violência para garantir o reforço de medidas autoritárias. Considera que a instauração de normas deste tipo será facilitada perante «cidadãos assustados que voluntariamente abandonam parte da sua soberania – e privacidade – a Estados mais paternalistas, em troca de maior segurança e estabilidade», mercê de uma situação que os torna «tolerantes e mesmo ansiosos por comando e até supervisão de cima para baixo».

Estas palavras não são mais do que uma expressão do pensamento de Henry Kissinger, esse terrorista globalista que dirigiu a primeira aplicação da ortodoxia neoliberal, no Chile do fascista Pinochet, quando afirmou em 1992, na reunião do Grupo de Bilderberg em Evian, França: «a única coisa de que o homem tem medo é do desconhecido; quando são colocadas perante um cenário desse tipo as pessoas renunciam de bom grado aos seus direitos individuais, trocando-os pela garantia do seu bem-estar assegurado pelo governo mundial». Agora, em plena pandemia, o mesmo Kissinger escreveu no Wall Street Journal que «a resposta às necessidades do momento, em última análise, deve ser associada a uma visão e um programa globais de colaboração».

Não é de admirar que a indução de pânico, a multiplicação de cenários apocalípticos associadas a situações realmente graves que exigem medidas de excepção acabem por facilitar a imposição de sistemas de vigilância total a pessoas que «abandonam voluntariamente parte da sua soberania – e privacidade – a Estados mais paternalistas», como anteviu a Fundação Rockefeller, de que aliás Henry Kissinger tem sido a figura mais emblemática.

A passagem à prática

A experiência vivida por Edward Snowden, o ex-agente da CIA e da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos que divulgou ao mundo os principais programas de espionagem global, diz-lhe que medidas aplicadas actualmente com carácter de excepção irão permanecer no futuro e que os dados recolhidos no quadro do combate à pandemia ficarão registados e serão processados para os fins múltiplos que os seus possuidores entendam necessários.

Não se pense, porém, que enquanto se vive o excepcionalismo o passo para a sua banalização ainda está apenas no domínio das intenções.

No dia 8 de Março, numa entrevista à estação de televisão CBS News, o globalista Bill Gates garantiu que «a normalidade» e os ajuntamentos de pessoas «não voltarão, de modo algum», até que haja uma vacinação em massa.

As pessoas, muito naturalmente, anseiam por uma vacina contra o novo coronavírus tendo em conta a situação real e também a multiplicação de previsões catastróficas.

«Daí que a banalização de medidas de excepção à espera de uma eventual vacina pareça o aprofundamento de um caminho vocacionado para se estender para lá de uma imunização contra o coronavírus; a qual, por isso, não nos vacinará contra o autoritarismo de que o neoliberalismo necessitará cada vez mais para sobreviver»

Porém, Bill Gates, também ele um «filantropo», tem da vacinação global uma ideia muito própria como grande accionista de vários gigantes transnacionais dos medicamentos. A sua «vacinação global» está intimamente ligada ao projecto ID2020 para instaurar métodos de identificação dos cidadãos à escala planetária através da introdução de nanochips sob a pele das pessoas, usando as vacinas como veículos de inserção. Delírio de imaginação? Teoria da conspiração? Nada disso: a experiência piloto está em desenvolvimento no Bangladesh, numa colaboração entre os círculos de Bill Gates, o governo de Dacca e o Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) porque «cada pessoa tem o direito a saber quem é» e a «ser parte da moderna economia».

A vacinação contra o coronavírus não entrará ainda, eventualmente, neste programa. Mas pode ser parte de novos passos no sentido do autoritarismo e do controlo dos movimentos de pessoas.

O que se escreveu não é especulação; assenta no pensamento do próprio Gates manifestado durante a mesma entrevista à CBS News. «Eventualmente», disse, «teremos de ter certificados de quem é uma pessoa recuperada, quem é uma pessoa vacinada» que regulem os movimentos de seres humanos através do mundo. «Então eventualmente haverá uma prova de imunidade digital que ajudará a facilitar a reabertura global». Entretanto, admite o «filantropo» Gates, «as reuniões de massas podem ser proibidas até que seja possível um programa de vacinação em larga escala».

Enquanto esse dia não chega, a Google e a Apple puseram em marcha o sistema de rastreio de pessoas infectadas com COVID-19 com base em dados dos smartphones. Naturalmente, uma vez aberto o caminho, as mesmas instituições que perseguem telemóveis por causa do combate à pandemia poderão fazê-lo por outra qualquer razão que tenha a ver com a «segurança da sociedade». O combate a uma pandemia é, como se percebe, um manancial de aquisições, potenciadas agora pela evolução da inteligência artificial. Ao serviço de «pessoas tolerantes e até ansiosas por comando e supervisão de cima para baixo» assumidos por «Estados paternalistas».

COVID-19 e biologia matemática

É cedo para ter certezas sobre muitos dos aspectos que caracterizam a pandemia de COVID-19. Desde logo a sua origem, que ficará para sempre enterrada no entulho de desinformação que tem uma dimensão directamente proporcional à vontade de que a verdade não seja esclarecida – afinal o paradigma prevalecente em torno do imbróglio.

Que se trata de um gravíssimo e trágico problema de saúde pública não existem dúvidas. Há situações, porém, que exigem reflexão serena e objectiva, sobretudo quando se determinam opções securitárias apresentadas como soluções únicas e absolutas e que acabam por ter a sua quota-parte na campânula de pânico que envolve o tratamento da pandemia.

O pânico é uma forma de manipulação que facilita a introdução de normas rígidas – mesmo que flutuando ao ritmo das circunstâncias ou dos desígnios político-sanitário-económicos – num terreno onde escasseiam dados objectivos e informações estatísticas mais afinadas para lá das fatalidades e dos números de infecções. Seria interessante, por exemplo, conhecer as taxas de recuperação à COVID-19 sem auxílio de medicamentos ou com medicamentos de utilização corrente.

A principal componente do pânico tem mais a ver, contudo, com as estimativas que vêm determinando a adopção de medidas extremas, elas mesmas parecendo réplicas das antevisões apocalípticas que foram sendo projectadas por uma orquestrada corrente de futurólogos neoliberais e globalistas.

Papel central na formatação dessa componente tem sido desempenhado, desde o início do século, pela chamada «biologia matemática» praticada por Neil Ferguson, do Imperial College de Londres; um método que parte de estatísticas, por vezes desactualizadas, para projectar comportamentos humanos.

«se, afinal, os estados de emergência, totais ou parciais, parecem talhados para sobreviver à cura e à imunização dos fenómenos virais, então talvez seja altura de os cidadãos se prevenirem denunciando e combatendo já as excepções aos direitos civis, sociais e humanos em vez de tentarem remediar depois o que não terá remédio»

Foi uma nota confidencial de Ferguson, segundo a qual a pandemia mataria meio milhão de franceses, remetida em 12 de Março, que levou o presidente Macron à sua dramática intervenção da qual resultou o confinamento generalizado. Há mais de 20 mil mortes em França, porém longe das contas feitas pela biologia matemática. Assim como os números reais estão longe dos 550 mil mortos no Reino Unido e dos 1,2 milhões nos Estados Unidos previstos na mesma ocasião por Ferguson.

Poderá argumentar-se: as advertências de Ferguson evitaram que se chegasse tão longe. Ao que poderá contrapor-se o caso sueco que, sem estados de emergência, gere a crise com números do mesmo nível dos ocorridos com regimes de contenção mais rigorosos. É cedo, portanto, para haver certezas.

Daí que a banalização de medidas de excepção à espera de uma eventual vacina pareça o aprofundamento de um caminho vocacionado para se estender para lá de uma imunização contra o coronavírus; a qual, por isso, não nos vacinará contra o autoritarismo de que o neoliberalismo necessitará cada vez mais para sobreviver.

A «biologia matemática» de Ferguson não se «enganou» só agora. Isso está na essência da sua existência. Em 2001 convenceu Tony Blair a abater seis milhões de bovinos para combater a febre aftosa e a deitar para o lixo 10 mil milhões de libras, um acto que faz parte hoje da lista das grandes aberrações; em 2002 profetizou que a doença das «vacas loucas» mataria entre 50 mil e 150 mil britânicos mas, felizmente, não passou dos 177; em 2005 seria a gripe das aves a ceifar as vidas de cerca de 65 mil cidadãos britânicos e, mais uma vez felizmente, o número não chegou aos 500.

Quer isto dizer que cada caso de pandemia, real ou encenada, é servido com uma dose acrescida de sementes de pânico. Ignoram-se quais os efeitos desta constante no combate às doenças; não se ignora, no entanto, que o «medo do desconhecido», como diria Kissinger, deixa as pessoas de «braços abertos» para o que lhes queiram impor.

Talvez alguém considere que prevenir através do pavor seja melhor do que remediar com medicamentos ou estados de emergência. Mas se, afinal, os estados de emergência, totais ou parciais, parecem talhados para sobreviver à cura e à imunização dos fenómenos virais, então talvez seja altura de os cidadãos se prevenirem denunciando e combatendo já as excepções aos direitos civis, sociais e humanos em vez de tentarem remediar depois o que não terá remédio.

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