O governo de Madrid anunciou o relevo de funções do embaixador espanhol na Venezuela, Jesús Silva Fernández, e a sua substituição pelo actual representante em Havana, Juan Fernández Trigo, noticiou a agência Europa Press.
Apesar de o relevo ter sido ordenado no âmbito de uma medida abrangendo outros países latino-americanos, apenas o nome de Jesús Silva foi anunciado, nesta sexta-feira, pela ministra dos Assuntos Exteriores, Arancha Gonzalez Laya.
Segundo o diário espanhol online Nius, o anúncio terá sido uma surpresa para o embaixador, que terá confidenciado «não ter intenção de sair de Caracas a curto ou médio prazo», apesar de a actividade da embaixada espanhola se ter tornado num «quebra-cabeças diplomático para as relações diplomáticas entre Espanha e Venezuela».
Um percurso diplomático atribulado
Jesús Silva foi nomeado embaixador em 2017 e exerceu um mandato marcado por reiteradas queixas das autoridades venezuelanas por ingerência nos assuntos internos da Venezuela. A sua nomeação foi feita ainda no governo de Mariano Rajoy (PP), mas foi reconduzido no executivo presidido por Pedro Sánchez (PSOE).
Durante ambos os executivos, Espanha assumiu a liderança europeia na política de sanções ao governo constitucional da Venezuela e no apoio ao autoproclamado Juan Guaidó.
No início de 2018 foi considerado persona non grata pelo Governo Bolivariano, «em virtude das contínuas agressões e recorrentes actos de ingerência nos assuntos internos» da Venezuela. O embaixador foi expulso por três meses na consequência de medidas restritivas aprovadas pela União Europeia (UE) contra altos funcionários e governantes venezuelanos, impulsionadas por Rajoy sob pressão de Washington.
O comunicado venezuelano que anunciou a expulsão acusou Mariano Rajoy de ter assumido «a liderança da conspiração na Europa» contra a Venezuela «em troca de inconfessáveis benefícios políticos e económicos, particularmente proveitosos para uma parte da cúpula que governa a Espanha».
Note-se que anterior nomeação de Jesús Silva fora no Panamá, onde, segundo o espanhol ABC, «seguiu de muito perto o processo […] da ampliação do Canal pela empresa espanhola Sacyr». A empresa construtora, que é também proprietária da petrolífera Repsol, foi por diversas vezes associada ao escândalo do financiamento ilegal do PP.
A 30 de Abril de 2019, após o fracasso da intentona golpista contra o governo constitucional de Nicolás Maduro, o embaixador acolheu como «hóspede» na Embaixada de Espanha o fugitivo Leopoldo López, dirigente do partido da extrema-direita Voluntad Popular (curiosamente membro da Internacional Socialista sem que esta se distancie dele) que, ao lado de Juan Guaidó, participara na tentativa de golpe de Estado.
A situação de Jesús Silva tornou-se insustentável depois de, a 26 de Junho de 2020, o Wall Street Journal ter publicado um artigo em que explica como Leopoldo López dirigiu, a partir da residência do embaixador espanhol, o planeamento, a preparação e a execução de uma nova tentativa de golpe de Estado na Venezuela, ocorrida a 3 de Maio deste ano, em colaboração com os EUA, a Colômbia e grupos ligados ao narcotráfico.
A chamada «Operação Gedeão» tinha como propósito executar Nicolás Maduro e outros altos funcionários, bem como perpetrar um golpe de Estado no país caribenho, mas acabou por se tornar mais uma das numerosas tentativas falhadas dos EUA para impor um governo colonial na Venezuela (ver caixa).
A 30 de Junho o Governo Bolivariano expulsou a embaixadora da UE na Venezuela, a portuguesa Sofia Brilhante, e o presidente Nicolás Maduro afirmou à cadeia nacional de rádio e televisão «que se reservava acções diplomáticas» contra o embaixador de Espanha, devido aos indícios sobre a sua participação «em acções criminais contra o Governo Nacional».
Maduro, segundo o España Exterior, acusou Jesús Silva de ser «cúmplice» do «criminoso e terrorista Leopoldo López» para assassiná-lo e instaurar «um governo fantoche na Venezuela» e declarou que a Venezuela se reservava as acções diplomáticas adequadas ao seu comportamento.
Relações com a Venezuela: mudança de rumo ou cosmética?
O embaixador Juan Fernández Trigo encontrava-se em Havana desde 2018 e, até ao momento em que deixa o cargo, manteve com o governo de Cuba relações distendidas. Veterano da diplomacia espanhola (iniciou a sua carreira em 1986) esteve anteriormente colocado em Bruxelas, Agadir, Hanói, Nova Iorque, Porto Príncipe, Assunção e Montevidéu. Colabora na imprensa espanhola e é autor de diversos romances.
A sua nomeação dá-se num contexto internacional em que o imperialismo norte-americano procura envolver os seus aliados europeus numa guerra económica contra a China, inclusive através do recurso a ameaças directas, como aconteceu recentemente com a Alemanha e Portugal, e de um crescendo de medidas ameaçadoras contra a Venezuela, directamente ou por intermédio de seus aliados, como os governos da Colômbia e do Brasil.
A substituição dá-se, segundo A Voz de Asturias, «paralelamente a uma decisão do alto representante de la UE, Josep Borrell [anteriormente ministro dos Assuntos Exteriores em Espanha], de enviar a Venezuela uma missão diplomática para explorar a possibilidade de um adiamento das eleições legislativas» naquele país, «para ver se assim podem celebrar-se com garantias democráticas», una iniciativa que o governo espanhol aplaudiu e mereceu severas críticas do opositor PP.
O Governo Bolivariano da Venezuela manifestou recentemente (ver caixa) a sua determinação em realizar, no próximo dia 6 de Dezembro, eleições legislativas que vão mostrar ao mundo um país democrático, livre e soberano, e convidou o secretário-geral da ONU a enviar uma comissão técnica para «acompanhar o processo eleitoral para um novo parlamento e uma nova Assembleia Nacional».
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