|guerra de agressão

Depois da Ucrânia, fronteiras são disputadas em toda a região

Pelo menos 300 pessoas morreram, desde 13 de Setembro, na sequência de confrontos entre a Arménia e o Azerbeijão. Conflitos eclodiram, em simultâneo, entre o Quirguistão e o Tajiquistão, matando uma centena de pessoas.

Milhares de pessoas acodem aos funerais de militares do Azerbaijão mortos durante confrontos com tropas arménias, na fronteira entre os dois países. Baku, Azerbaijão, 14 de Setembro de 2022
CréditosRoman Ismayilov / EPA

Combates entre militares do Azerbaijão e da Arménia eclodiram na madrugada da passada terça-feira, dia 13 de Setembro, na região de Lanchin, em vários pontos da fronteira dos dois países do Cáucaso. O governo arménio dá conta de bombardeamentos que atingiram várias cidades, nomeadamente Jermuk, Goris e Kapan, entre outras.

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A bomba financeira que ameaça ser atómica

A guerra na Ucrânia e as sanções económicas podem dividir o planeta em dois mundos económicos distintos e lançar a Terra numa guerra nuclear.

Imagem do filme de Stanley Kubrick, <em>Dr. Strangelove</em> (1964) 
Créditos / DR

Nem tudo é o que parece, e nem tudo tem o resultado que diz ter. A petição assinada, entre muitos, pelos economistas Thomas Piketty e Joshep Stiegliz, apelando para que seja criado um registo mundial dos bens, a propósito da opacidade existente nas fortunas dos oligarcas russos, vai muito além do que é dito.

«O caso dos oligarcas russos fala por si» na ocultação de fortunas dentro de estruturas opacas, dizem os economistas, numa carta publicada hoje no diário britânico The Guardian e dirigida aos líderes do G20.

Os oligarcas russos detêm «pelo menos um bilião de dólares de riqueza no estrangeiro», segundo estimativas incluídas na carta, assinada pelos franceses Thomas Piketty e Gabriel Zucman, bem como pelo prémio Nobel norte-americano Joseph Stiglitz, todos membros do grupo de reflexão Comissão Independente para a Reforma Fiscal das Empresas Internacionais.

Estas fortunas estão frequentemente escondidas «em empresas offshore cujos verdadeiros proprietários são difíceis de determinar», afirmam, acrescentando que «é precisamente este muro de opacidade que os esforços dos países que os pretendem castigar estão agora a enfrentar».

Um registo mundial de bens permitiria não só saber para onde fugiu o dinheiro dos oligarcas, mas também impedir a evasão fiscal de grande parte dos capitalistas e especuladores financeiros que desviam dinheiro dos seus respectivos países.

As sanções servem para alguma coisa?

Muitos comentadores garantem que as sanções à Rússia estão a ter um forte efeito na economia desse país e que o seu objectivo é forçar o governo de Moscovo a parar a sua acção militar na Ucrânia. Mas serão esses os principais efeitos que vão ter?

«Para ser viável, o embargo total ao comércio com a Rússia teria de resultar numa enorme contracção da economia russa, sem que os custos para a economia da União Europeia (UE) fossem significativos. Ora, não é esse o caso. Para reduzir um euro de PIB da Rússia a UE tem de estar disposta a sacrificar vários euros de actividade económica "doméstica", porque a economia da UE (de cerca de 14,4 biliões de euros em 2021) tem mais a perder porque é muito mais rica e de muito maior dimensão do que a economia da Rússia (de cerca de 1,5 biliões de euros, à cotação do rublo no final de 2021). Por exemplo, se, em resultado das sanções económicas, em 2022, o PIB real da UE e da Rússia caísse 3% e 20%, respectivamente, a queda do PIB da UE (em euros de 2021) seria cerca 44% superior à queda do PIB da Rússia (em rublos e à taxa de câmbio de 2021). Ou seja, mesmo com um impacto das sanções proporcionalmente muito superior para a Rússia, as perdas globais na actividade económica para a UE seriam significativamente superiores às que seriam registadas pela Rússia. Além disso, as reacções populares ao aumento da inflação e do desemprego serão provavelmente mais difíceis de gerir politicamente nas democracias ocidentais», escreve o economista Ricardo Cabral, no jornal Público.

Para além disso, é quase impossível que a queda do PIB da Rússia seja tão drástica como ambicionado pelo Ocidente, porque «a China e a maior parte dos países do mundo não irão aplicar sanções económicas à Rússia. A Rússia registou um excedente externo de 190 mil milhões de dólares em 2021, muito superior, por conseguinte, ao valor das exportações de petróleo e gás natural da Rússia para a UE, que foram de cerca de 99 mil milhões de euros em 2020. Mesmo que a UE deixasse de importar petróleo e gás natural da Rússia, a Rússia continuaria com excedente externo, o que lhe permitiria estabilizar a cotação do rublo e continuar a financiar as importações que a sua economia necessita, adquirindo-as a fornecedores de outros países», acrescenta esse economista.

Finalmente, as sanções podem ter efeitos não previstos na economia mundial tal como a conhecemos, que podem rebentar nas mãos daqueles que as decretaram. Comecemos por analisar o que está em causa neste conflito, para além daquilo que é óbvio.

Os pais da invasão e das sanções

A invasão da Ucrânia pela Rússia foi desejada, por muitos, para além do presidente russo, Vladimir Putin. Nos relatórios da RAND Corporation, uma instituição que trabalha para o governo dos Estados Unidos da América (EUA) defendia-se a vantagem de empurrar os dois países de Leste para uma guerra que desgastasse a Rússia, e que tivesse como consequência o corte das importações de gás russo pelos países da UE, que seria substituído por gás de xisto norte-americano, três vezes mais caro e mais poluente.

Até agora, os ganhos dessa estratégia da Casa Branca são notáveis: unificação dos países da NATO, sobre a batuta da administração de Joe Biden, suspensão do gasoduto Nord Stream 2, e o enfraquecimento internacional da Rússia.

O plano da administração de Biden que apostou numa guerra convencional limitada entre a Rússia e a Ucrânia era há muito conhecido.

No relatório «Extending Russia», da RAND Corporation, encomendado pelo governo e o exército dos EUA, traça-se, nas suas páginas, uma estratégia de confronto crescente:

«As medidas mais promissoras para desgastar a Rússia são as de abordar directamente as vulnerabilidades, ansiedades, e pontos fortes, explorando áreas de fraqueza.»

«Continuar a expandir a produção de energia dos EUA sob todas as formas, incluindo as energias renováveis, e encorajar outros países a fazer o mesmo, irá maximizar a pressão sobre as receitas de exportação russas e, por conseguinte, sobre as receitas nacionais e orçamentos de defesa».

«O aumento das armas dos EUA e o aconselhamento ao exército ucraniano é a mais viável das alternativas geopolíticas consideradas, mas qualquer esforço deste tipo teria de ser cuidadosamente calibrado para evitar um conflito generalizado.»

«Como já foi mencionado, todas as medidas para confrontar a Rússia incorrem em cerca de grau de risco. Por isso, a melhoria da postura de dissuasão dos EUA na Europa e o aumento das capacidades militares dos EUA têm de ir de mãos dadas com qualquer movimento para pressionar a Rússia, como uma forma de cobertura contra a possibilidade de as tensões com a Rússia se agravarem em conflito.»

Em causa o privilégio exorbitante dos EUA

Depois de a guerra começar, o problema de tal estratégia é que ela se pode voltar contra quem desejou e preparou este conflito. As sanções podem implodir a ordem monetária existente, baseada no dólar, e em menor peso no euro, como reservas mundiais de valor. Se isso acontecer, os EUA perderão o «privilégio exorbitante» de poder ter uma espécie de poder de Midas de criar valor. Os riscos da perda desse privilégio, que se calcula que dá uma substancial vantagem económica e permite os EUA endividarem-se quase sem risco, pode levar o mundo a um conflito nuclear.

O antigo funcionário da Reserva Federal e do Departamento do Tesouro dos EUA, agora estratega do banco Credit Suisse (CS), Zoltan Pozsar, escreveu que os EUA se encontram numa crise de mercadorias que está a dar origem a uma nova ordem monetária mundial que acabará por enfraquecer o actual sistema baseado no dólar e conduzir a uma inflação mais elevada no Ocidente.

«Esta crise não tem paralelo com nada que tenhamos visto desde que o Presidente [Richard] Nixon tirou o dólar americano do ouro em 1971», escreveu Pozsar.

Negociado por 44 países, quando a Segunda Guerra Mundial estava a terminar, o acordo de Bretton Woods (nomeado pelo local da conferência em Bretton Woods, New Hampshire) fixou o ouro como base para o dólar americano, com outras moedas então fixadas no dólar americano. Esta estrutura começou a desgastar-se nos anos 60 à medida que os défices comerciais dos EUA se tornaram demasiado grandes para serem ignorados, e desmoronou-se completamente em 1971, quando os EUA abandonaram a ligação entre o dólar e o ouro.

Como a era inicial de Bretton Woods (1944-1971) foi apoiada por ouro, e Bretton Woods II (1971-presente) apoiada por «dinheiro interno» (essencialmente papel do governo dos EUA), disse Pozsar, Bretton Woods III será apoiada por «dinheiro externo» (ouro e outras mercadorias).   

Pozsar marca o fim do actual regime monetário no dia em que as nações do G7 apreenderam as reservas cambiais da Rússia após a invasão da Ucrânia por este país. O que antes se pensava ser sem risco tornou-se com risco, uma vez que ficou claro que essas reservas não são seguras e podem ser confiscadas sempre que os ocidentais assim o quiserem.

É visível que esta guerra é vista como um balão de ensaio no seu conflito mais importante dos EUA com a China. O problema é que a acção da UE e dos EUA acaba por reforçar a parte da identidade asiática da Rússia e fazer com que ela se alinhe, de uma forma económica e política, com a China. Num tempo em que o desenvolvimento mundial tende a ter como pólo fundamental a Ásia, esse alinhamento do maior país do mundo com as maiores reservas de matérias-primas do planeta fragiliza ainda mais o domínio global do imperialismo norte-americano.

Durante mais de uma geração, os diplomatas americanos mais proeminentes alertaram para o que pensavam representar a derradeira ameaça externa: uma aliança da Rússia e da China dominando a Eurásia. As sanções económicas e o confronto militar da América estão a conduzir outros países para a sua órbita eurasiática emergente.

Esperava-se que o poder económico e financeiro americano evitasse esse destino. Durante o meio século desde que os Estados Unidos saíram do ouro em 1971, os bancos centrais mundiais operaram segundo o Padrão do Dólar, mantendo as suas reservas monetárias internacionais sob a forma de títulos do Tesouro dos EUA, depósitos bancários dos EUA e acções e obrigações americanas. O padrão que permitiu à América financiar as suas despesas militares estrangeiras e a aquisição de investimentos de outros países simplesmente através da «impressão» de dólares. Os défices da balança de pagamentos dos EUA acabam nos bancos centrais dos países com excedentes comerciais, como suas reservas, enquanto os devedores do Sul Global precisam de dólares para pagar a sua dívida externa e comprar produtos tecnológicos aos países desenvolvidos.

«Este privilégio monetário permitiu à diplomacia dos EUA impor políticas neoliberais ao resto do mundo, sem ter de usar muita força militar própria, excepto para garantir o petróleo do Médio Oriente», defende o economista Michael Hudson.

A recente escalada de sanções dos EUA que bloqueiam a Europa, Ásia e outros países do comércio e investimento com a Rússia, Irão e China impôs enormes custos de oportunidade – o custo das oportunidades perdidas – aos aliados dos EUA. E a recente confiscação do ouro e das reservas estrangeiras da Venezuela, Afeganistão e agora da Rússia pôs fim à ideia de que a detenção de reservas em dólares, libras esterlinas ou euros são um porto de investimento seguro quando as condições económicas mundiais se tornam instáveis.

Os diplomatas americanos escolheram acabar, eles próprios, com a dolarização internacional, enquanto ajudam a Rússia a construir os seus próprios meios de produção agrícola e industrial auto-suficientes. Este processo de fractura global já se arrasta há alguns anos, começando com as sanções que bloqueiam os aliados americanos da NATO e outros satélites económicos do comércio com a Rússia. Para a Rússia, estas sanções tiveram o mesmo efeito que as tarifas de protecção teriam tido.

As elites políticas e económicas da Rússia estavam demasiado encantadas com a ideologia do «mercado livre» para tomar medidas para proteger a sua própria agricultura ou indústria. Os Estados Unidos forneceram a ajuda necessária, impondo à Rússia a auto-suficiência interna (através de sanções).

A Rússia está a descobrir (ou está à beira de descobrir) que não precisa de dólares americanos como suporte para a taxa de câmbio do rublo. O seu banco central pode criar os rublos necessários para pagar os salários internos e financiar a formação de capital. As confiscações americanas podem assim levar finalmente a Rússia a acabar com a filosofia monetária neoliberal, como Sergei Glaziev tem vindo a defender há muito tempo a favor das MMT (Teoria Monetária Moderna).

Rumo a uma nova ordem monetária internacional?

A Rússia poderá ter deliberadamente sacrificado uma parte muito significativa das suas reservas internacionais para, com esse sacrifício, atingir o dólar.

«O congelamento de cerca de 300 mil milhões de dólares de reservas da Rússia em diversas divisas, entre as quais o dólar, parece demonstrar que os activos denominados em dólares apresentam elevado risco financeiro. Em particular, de ora em diante, os bancos centrais da generalidade dos países do mundo, nomeadamente dos países com grandes excedentes externos, estarão obrigados a considerar explicitamente o risco da aplicação de sanções às suas reservas em dólares e em euros e a diversificar essas reservas. Esse processo de diversificação de reservas levará a prazo à depreciação do dólar face a outras divisas internacionais, processo esse que se auto-alimenta com especuladores financeiros a anteciparem esse processo e a apostar contra o dólar», considera o economista Ricardo Cabral.

«Há muitas décadas que a Reserva Federal e o Tesouro lutam contra o regresso ao padrão de ouro, mantendo o papel do dólar nas reservas internacionais. Mas como irão a Índia e a Arábia Saudita encarar as suas reservas em dólares tentando forçá-los a seguir a "ordem baseada em regras" dos EUA, em vez do seu próprio interesse nacional? Os recentes ditames americanos deixaram poucas alternativas, a não ser começar a proteger a sua própria autonomia política através da conversão das suas participações em dólares e euros em ouro, como um activo livre de responsabilidade política de ser mantido refém das exigências cada vez mais dispendiosas e perturbadoras dos EUA», defende, por seu turno, o economista Michael Hudson.

É provável que a China veja uma oportunidade, literalmente, de ouro em se afastar do dólar americano.

A China está à procura de alternativas ao dólar americano como moeda de reserva, após as nações ocidentais terem congelado os activos estrangeiros do banco central da Rússia, disse à comunicação social Kenneth Rogoff, antigo economista chefe do FMI, a 1 de Março passado.

«É uma medida absolutamente radical tentar congelar os bens num grande banco central. É um momento de ruptura», afirmou Rogoff, professor na Universidade de Harvard.

«É uma coisa importante», acrescentou Rogoff. «Quer dizer, se quiserem olhar para o quadro a longo prazo do domínio do dólar na economia global, acreditem em mim, a China está a olhar para isto. Eles têm, não sei, três biliões de dólares em reservas.»

Segundo defende o economista Francisco Louçã no jornal Expresso, as sanções estão a atingir o processo de globalização financeira, tal como o conhecemos e arriscam-se a dividir a Terra em dois planetas financeiros separados.

«As sanções determinam mudanças estruturais no mapa dos poderes mundiais, ainda mais do que soluções emergenciais. O que elas atingem é a financeirização, o coração da globalização. É o caso de duas das principais medidas que foram adoptadas desde os primeiros dias do conflito: a aceitação pela UE da partilha da tutela legal do sistema Swift com as autoridades norte-americanas (o Swift é a “arma nuclear na finança”, dizia Le Maire, o ministro francês das Finanças) e a retenção das reservas da Rússia depositadas no ocidente (segundo o historiador Adam Tooze, “se reservas de um banco central de um país do G20, confiadas a outro banco central do G20, deixam de ser sacrossantas, nada o é no mundo financeiro”). Em ambos os casos, as medidas criam desconfiança acerca da circulação de capitais e da função do dólar e do euro. Doravante, nenhuma dessas moedas será um meio de circulação universal, posto que a estratégia das sanções é criar dois planetas financeiros separados».

Do nacionalismo como criador dos confrontos

A guerra serve também como multiplicador dos nacionalismos, o triunfo desta dinâmica ideológica em termos mundiais, torna o mundo mais perigoso e os conflitos inter-imperialistas mais prováveis. O nacionalismo e a guerra são receitas conhecidas para os poderosos deste mundo ultrapassarem crises políticas e económicas, manipulando as populações de forma a que sejam incapazes de verem quem as oprime e explora de facto.

Finalmente, o Ocidente, habituado ao seu domínio imperialista solitário, não percebeu uma questão evidente, o mundo não é constituído apenas pelos EUA, Europa e Japão. Mesmo na condenação, dita generalizada, na ONU da acção dos russos na Ucrânia, verifica-se que os países que representam mais de metade da população mundial se abstiveram ou votaram contra.

Como publica a revista The Economist, normalmente países como a China, Índia, Paquistão, África do Sul não têm votado favoravelmente as sanções à Rússia. No continente africano, cerca de metade dos países não tem sido favorável às sanções do Ocidente.

«Na África Austral, muitos países vêem a Rússia como o sucessor da União Soviética, que armou e treinou os exércitos guerrilheiros que combateram as potências coloniais e os regimes segregacionistas. Tal nostalgia explica em parte a guinada da África do Sul em direcção à Rússia durante a presidência de Jacob Zuma, de 2009 a 2018. Mas a relação da África do Sul com o Ocidente também foi tensa devido ao bombardeamento da Líbia. Em 2015, figuras proeminentes do Congresso Nacional Africano (ANC) publicaram um documento de política externa lamentando o colapso da União Soviética, porque tinha "alterado completamente o equilíbrio de forças a favor do imperialismo", ou seja, a América e o Ocidente», escreve o The Economist.

Este posicionamento não se fica pela Ásia e África. Em finais de Março, Sergei Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, afirmou que certos países «nunca aceitariam a aldeia global sob o comando do xerife americano». Referindo a Argentina, Brasil e México, entre outros, acrescentou: «Estes países não querem estar numa posição em que o Tio Sam lhes ordene que façam alguma coisa e eles dizem "Sim, senhor"».

Na contagem decrescente para uma guerra nuclear

Esta rápida transformação política e económica faz com que esta guerra na Ucrânia possa descarrilar num conflito global e atómico, dado os interesses em presença.

É pelo menos o que consideram Ted Postol, físico e especialista em armas nucleares, bem como professor emérito do MIT e comentador Robert Scheer na edição da Scheer Intelligence. Tendo leccionado na Universidade de Stanford e Princeton antes do seu tempo no MIT, Postol foi também conselheiro científico e político do chefe das operações navais e analista do Gabinete de Avaliação Tecnológica.

Postol toca todos os sinais de alarme imagináveis em relação à retórica crescente, tanto nos Estados Unidos como na Rússia, sobre armas nucleares. O professor do MIT afirma, em termos inequívocos, que embora não fosse de modo algum justificáveis os ataques da Rússia à Ucrânia, que tanto ele como Scheer descreveram como crimes de guerra, é imperativo considerar o papel da NATO na actual crise, a fim de compreender a ameaça nuclear. Explicando que os EUA devem aprender urgentemente com o passado e o presente, se quisermos evitar uma guerra nuclear no futuro a curto ou longo prazo, Postol lamenta a relutância dos líderes políticos e dos meios de comunicação social dos EUA em reflectirem sobre as acções do país.

«"Diga-nos, do que estamos a falar aqui?", pergunta Scheer ao seu convidado: "Estamos a falar de Hiroshima e Nagasaki para todas as cidades da América?"»

«Estamos a falar de um muro de fogo que envolve tudo à nossa volta à temperatura do centro do sol», adverte solenemente Postol.

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Por seu lado, o Azerbeijão afirma que a artilharia arménia bombardeou as povoações de Zeylik, Elich e Iúkhari Airym, da região de Kelbadjar, acusando Erevan de querer sabotar a negociação de um acordo de paz.

As duas partes acusam-se mutuamente, responsabilizando o outro lado pelos ataques que prosseguiram nos dias seguintes, apesar de ter sido obtido um primeiro acordo de cessar-fogo entre os litigantes. Desde dia 16 de Setembro, Azerbaijão e Arménia voltaram a aceitar uma suspensão das hostilidades, que se mantém precária até ao dia de hoje.

Até ao momento, fontes oficiais apontam para a morte de 207 militares arménios e 77 militares azeris, números que ambos os lados esperam vir a aumentar. Ainda não foi possível confirmar a veracidade de vídeos que circulam, alegadamente, entre militares azeris, retratando graficamente a tortura e o assassinato de enfermeiras arménias, detidas pelo Azerbeijão.

Em termos internacionais, o conflito expôs, uma vez mais, cisões no seio da NATO. Enquanto a Turquia expressa o seu apoio incondicional ao Azerbeijão: «nunca o iremos abandonar», afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros turco; Nancy Pelosi, em visita à Arménia este fim-de-semana, condenou os «ataques ilegais e mortíferos» cometidos contra o país.

A Organização do Tratado de Segurança Colectiva, aliança militar intergovernamental criada em 1992 (Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e Tajiquistão), enviou o seu secretário-geral, Stanislav Zas, para mediar a situação.

Em declarações proferidas hoje, Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, criticou as declarações «sonoras» de Pelosi, considerando que as «acções e declarações de grande visibilidade não contribuem realmente para a normalização da situação».

Décadas de tensão fronteiriça

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Confrontos entre Arménia e Azerbaijão no Nagorno-Karabakh

Os combates no enclave de maioria arménia são dos mais graves nos últimos anos e fazem temer uma perigosa escalada no sul do Cáucaso. Rússia, Irão e França apelaram à cessação dos combates.

Uma imagem de um vídeo fornecido pelo Ministério da Defesa da Arménia alegadamente mostra tanques do Azerbaijão na linha da frente da auto-proclamada República de Nagorno-Karabakh, na fronteira entre os dois países, a 27 de Setembro de 2020. Segundo fontes locais, ainda incompletas, registam-se mais de 20 mortos, entre militares e civis, de ambos os lados
CréditosEPA/MINISTRY OF DEFENCE OF ARMENIA HANDOUT / LUSA

Desde a madrugada de domingo que forças arménias e azeris combatem no enclave de Nagorno-Karabakh, na fronteira entre a Arménia e o Azerbaijão.

O Azerbaijão, segundo a agência Lusa, afirma ter conquistado territórios no enclave, afirmação que é negada pela Arménia.

Ambos os lados afirmaram ter infligido perdas significativas ao adversário, incluindo a destruição de blindados e helicópteros e divulgaram imagens de bombardeamentos e destruições causadas nas forças adversárias.

As imagens recebidas pela Lusa revelam a destruição de blindados adversários em movimento, o que torna provável a existência de baixas mortais certa entre as tripulações.

As autoridades arménias de Nagorno -Karabakh reconheceram a morte de 16 militares e dois civis. O Azerbaijão recusa-se a revelar o número de baixas militares, tendo anunciado a morte de cinco civis.

Baseada nestes dados, ainda incompletos, a Lusa deu, às 19h20, um balanço provisório de 23 mortos e sete feridos, entre militares e civis, o qual classifica como o pior número desde os confrontos de 2016, que causaram uma centena de mortos dos dois lados e fez recear por uma guerra aberta entre os dois estados pelo controlo do território.

Decretada a lei marcial, declarações beligerantes das partes

A lei marcial foi primeiro declarada no enclave de maioria arménia e depois sucessivamente declarada em Baku e Erevan, respectivamente capitais da Arménia e do Azerbaijão.

As autoridades de Nagorno-Karabakh alegam que a capital, Stepanakert, e aldeias dos arredores, foram bombardeadas e que se registam baixas civis, tendo pedido aos residentes de Stepanakert para se colocarem em segurança.

«A lei marcial e uma mobilização militar total» foram declaradas numa sessão de emergência do parlamento local, com o presidente Araik Harutyunyan a declarar que «todos os que estão em condições de prestar serviço militar foram chamados para cumprir o seu dever», segundo a agência alemã DW.

No Azerbaijão, além da lei marcial, foi decretado o recolher obrigatório na capital, Baku, e em várias outras cidades importantes, mas não foi considerado necessário, até agora, proceder à mobilização de reservistas. Foi também reforçado o controlo sobre a internet.

O presidente azeri Ilham Aliev afirmara recentemente, a propósito do enclave de Nagorno-Karabakh de maioria arménia, que o seu país iria «restaurar a justiça histórica» sobre o território, considerando o território «nossa terra» que «não entregaremos a ninguém».

Hoje, discursando perante a a cúpula militar azeri, Aliev insistiu que o conflito no enclave separatista «não pode ter meias soluções» e que estas deverão ser aplicadas «de tal maneira para que o povo azeri fique satisfeito».

Depois de reafirmar que o Azerbaijão nunca iria permitir a criação de um «segundo Estado arménio» no seu território, afirmou a intenção de «restaurar a integridade territorial do Azerbaijão».

Em Erevan, capital da Arménia, o primeiro-ministro Nikol Pashinian, num discurso transmitido em directo pela televisão estatal, explicou à população ter decretado a lei marcial e a mobilização geral face à iminência de o país vizinho poder empreender «acções militares em direcção à fronteira».

Pashinian considerou a ofensiva azeri em Nagorno-Karabakh, onde «o inimigo ataca as posições do exército» com «armamento pesado» e «em todas as direcções», uma consequência do ódio propagado contra os arménios no Azerbaijão».

O primeiro-ministro arménio disse que o país está «pronto» para um conflito, mas preveniu que um conflito «de envergadura» entre os dois países poderá ter «consequências imprevisíveis» e estender-se para além do Cáucaso.

Além disso, apelou ao Grupo de Minsk (Rússia, França e EUA) da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) para que medeie o conflito e também a «toda a comunidade internacional» para que «leve a sério» a situação e use de influência para desencorajar a intervenção da Turquia, que hoje manifestou «total apoio» ao Azerbaijão.

A Rússia e o Irão, que mantêm boas relações com ambos os países, instaram a um cessar-fogo imediato, no que foram seguidos pela França e pelo Vaticano.

Ao contrário, a Turquia, uma das maiores potências militares da região, que ocupa o norte da Síria, manifestou-se totalmente disponível para apoiar o Azerbaijão em caso de guerra deste com a Arménia.

O conflito entre os dois países pode incendiar o sul do Cáucaso, com a agravante de existirem entre os dois povos não só conflitos étnicos como, também, um conflito religioso, com a Arménia predominantemente cristã e o Azerbaijão predominantemente muçulmano.

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Este é o episódio mais grave entre os dois países desde a guerra de seis semanas, em 2020, em torno do enclave de Nagorno-Karabakh e zonas adjacentes ao território que a Arménia tinha anexado. Esse confronto culminou com a recuperação, por parte do Azerbaijão, dos territórios anexados pela Arménia e de parte do enclave de Nagorno-Karabakh, num saldo total de mais de 6 500 mortos.

A guerra de 2020 levou à maior alteração no terreno – reflectida no acordo de 10 de Novembro de 2020, mediado pela Rússia – desde o cessar-fogo de 1994, há mais de 30 anos, no período final da União Soviética.

Depois dos ataques de 13 de Setembro, a Arménia tem acusado Baku de ocupar ilegalmente áreas do seu território, incluindo de 10 quilómetros quadrados de território.

Segundo alguns observadores, os objectivos do Azerbeijão passam pelo fim da «independência» do Nagorno-Karabakh e o retorno integral do enclave à gestão soberana do Azerbaijão, permitindo a passagem directa para o território da região autónoma de Nakhichevan (parte do Azerbaijão) e da Turquia (sua aliada), através de território arménio.

Fronteiras em chamas

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Seis países da ex-URSS preparam-se para realizar manobras no Tajiquistão

A Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC) informou que os seus países-membros deram início aos preparativos para um exercício militar na fronteira do Tajiquistão com o Afeganistão.

Combatentes talibãs passeiam-se em Kandahar, segunda maior cidade afegã, sem resistência nas ruas 
Créditos / reportwire.in

Integrada por Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e Tajiquistão, a OTSC prevê realizar os exercícios nos próximos meses, declarou ontem o seu secretário-geral, Stanislav Zas, segundo a agência Sputnik.

Zas considerou «profundamente preocupante» para a região da Ásia Central a ofensiva «fulminante dos talibãs», que em pouco tempo assumiram o controlo de grande parte do Afeganistão», incluindo as fronteiras nacionais e a capital, Cabul – cenário muito diferente daquele que debitaram os cérebros de Washington há uma semana, para quem a chegada dos talibãs a Cabul só deveria ocorrer daqui a três meses.

Caso se verifique uma escalada e surja uma ameaça à segurança da República do Tajiquistão, a OTSC tomará as medidas pertinentes estipuladas nos estatutos da organização para proporcionar ajuda a um aliado, disse Zas.

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No Afeganistão, 9 crianças são mortas ou mutiladas diariamente

Num relatório publicado esta terça-feira, a Unicef sublinha que o número médio de crianças mortas ou mutiladas, no país asiático, até final de Setembro aumentou 11% por comparação com igual período de 2018.

A Unicef revela que as crianças estão a sofrer mais a violência da guerra no Afeganistão
Créditos / The New Humanitarian

Aboubacar Kampo, representante no Afeganistão do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, na sigla inglesa), precisou que, até ao final de Setembro de 2019, 631 crianças morreram e 1830 ficaram feridas em diferentes acções de guerra, o que representa um aumento de 11% relativamente aos primeiros nove meses de 2018.

Em declarações à TV local Tolo News, recolhidas pela Prensa Latina, o responsável afirmou que este registo de vítimas menores está relacionado com o aumento de ataques suicidas e com os combates frequentes entre o Exército local e as tropas da NATO, lideradas pelos Estados Unidos, e grupos armados talibãs, sobretudo.

Kampo lamentou que, em média, nove crianças sejam mortas ou mutiladas diariamente no país asiático e que, também devido à guerra, milhares de crianças fiquem sem acesso a direitos fundamentais, como habitação, família, educação de qualidade, cuidados de saúde, segurança e protecção.

O documento da Unicef revela ainda que, entre 2009 e 2018, foram mortas em território afegão 6500 crianças e 15 mil ficaram feridas, transformando «na zona de guerra mais letal do mundo» este país, que os EUA invadiram em 2001 – oficialmente para combater o «terrorismo» dos seus antigos aliados mujahidin – e para o qual, acusam Rússia e Irão, Washington anda agora a transportar combatentes do Daesh.

Outros números sobre o Afeganistão

Os números divulgados pela agência das Nações Unidas são bem ilucidativos da realidade que as crianças vivem actualmente no país da Ásia Central.


De acordo com a Unicef, 3,8 milhões de crianças necessitam de ajuda humanitária; 3,7 milhões estão em idade escolar mas não vão à escola; 600 mil crianças com menos de cinco anos sofrem de má-nutrição severa; 30% das crianças trabalham.

O organismo revelou ainda que precisa de 323 milhões de dólares para prosseguir as suas actividades em 2020 no Afeganistão, sendo que, até ao momento, apenas tem garantidos 25% dessa verba.

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Esta segunda-feira, o secretário-geral da OTSC conversou por telefone com o ministro tajique da Defesa, Sherali Mirzo, e com o secretário do Conselho de Segurança desse país, Nasrulo Mahmudzoda, que confirmaram que as forças de defesa tajiques controlam por completo a situação na fronteira, não havendo necessidade, por agora, de accionar os mecanismos da OTSC.

Stanislav Zas referiu ainda que a situação no Afeganistão será um dos temas centrais da reunião do organismo prevista para meados de Setembro na capital do Tajiquistão, Duchambé.

No início de Agosto, a Rússia e o Tajiquistão realizaram um exercício militar conjunto com o Uzbequistão, que fez parte da OTSC de 1992 a 1999 e de 2006 a 2012, na província tajique de Khatlon, a cerca de 20 quilómetros da fronteira com Afeganistão.

EUA não querem assumir responsabilidades pelas suas «experiências geopolíticas»

No contexto da situação agravada no Afeganistão, depois de Joe Biden ter anunciado em Abril último a retirada das tropas dos EUA, Maria Zakharova, representante do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, acusou ontem os EUA de não assumirem a responsabilidade pelas suas «experiências geopolíticas», informa a TASS.

No seu canal de Telegram, a diplomata lembrou como o presidente norte-americano Ronald Reagan se dirigia aos afegãos em 1983, 1984 e 1985, altura em que alguns senhores da guerra e tribos assediavam os comunistas e forças progressistas do país, bem como os seus aliados soviéticos, pondo em causa os grandes avanços económicos e sociais alcançados pela Revolução Saur, também ao nível da emancipação da mulher, agora tão lembrada e merecedora de declarações solidárias, manifestos e petições.

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E o império foge pela calada da noite

A retirada norte-americana e da NATO simbolizada em Bagram, sob o signo da missão cumprida, deixa o Afeganistão como um país dilacerado e mergulhado na guerra civil.

Soldado afegão junto de blindados abandonados pelas tropas dos EUA após estas abandonarem a base de Bagram. Afeganistão, 5 de Julho de 2021
CréditosRahmat Gul / AP Photo

Um telegrama da insuspeita Associated Press, assinado por Kathy Gannon, testemunha o seguinte: em 2 de Julho «os Estados Unidos deixaram a base aérea de Bagram no Afeganistão ao cabo de quase 20 anos apagando as luzes e fugindo durante a noite sem notificarem o novo comandante afegão da base, que deu pela partida dos norte-americanos mais de duas horas depois, segundo fontes afegãs».

«O secretismo cobarde da operação não esconde nem disfarça, porém, mais uma derrota militar dos Estados Unidos e dos aliados – entre os quais Portugal – desta feita na sua guerra mais longa, que duplicou o tempo de envolvimento no Vietname»

O império e o seu aparelho de guerra, a NATO, escapuliram-se de fininho pela calada da noite tentando evitar a repetição das imagens de 1975 em Saigão, quando chefes militares e diplomatas norte-americanos treparam apressadamente para helicópteros na altura em que os patriotas vietnamitas estavam a entrar na cidade. O secretismo cobarde da operação não esconde nem disfarça, porém, mais uma derrota militar dos Estados Unidos e dos aliados – entre os quais Portugal – desta feita na sua guerra mais longa, que duplicou o tempo de envolvimento no Vietname.

Para trás ficaram mais centenas de milhar de baixas – o número real provavelmente jamais será conhecido – biliões de dólares queimados, um país em guerra e completamente destruído. Mais um, a juntar ao Iraque, à Síria e à Líbia, para citar apenas os casos mais recentes.

Missão cumprida, proclamou o comandante em chefe de turno da «civilização ocidental», Joseph Biden. «Os Estados Unidos fizeram o que vieram fazer… apanhar os terroristas que nos atacaram em 11 de Setembro; agora é hora de voltar para casa». Assim se escreve a história, falsificando-a, contando com a memória cada vez mais curta das opiniões públicas trabalhadas por uma comunicação social agindo em modo de propaganda. Segundo a narrativa oficial, o suposto responsável pelos atentados de 11 de Setembro, Osama bin Laden, foi assassinado por forças especiais norte-americanas em 2 de Maio de 2011, há dez anos: a «hora de voltar para casa» está, portanto, uma década atrasada. É verdade que também não pode ter-se a certeza sobre a morte de bin Laden nessa data, porque os matadores se apressaram a lançar o cadáver aos peixes. A operação serviu principalmente para honra e glória do presidente dos Estados Unidos que, até ao momento, terá cometido mais execuções extrajudiciais: Barack Obama. De quem Biden foi vice-presidente.

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Humilhante derrota da NATO

No cenário de guerra enraizada no Afeganistão, o anúncio da retirada das forças norte-americanas e da NATO surge como uma grande operação de cosmética para gerir o conflito segundo outras metodologias.

Um fuzileiro norte-americano na base aérea de Bost, em Helmand, Afeganistão (foto de arquivo) 
CréditosAndrew Renneisen / Getty Images

O presidente dos Estados Unidos anunciou que o seu país e a NATO vão retirar tropas do Afeganistão até 11 de Setembro deste ano. Independentemente do que possa dizer-se sobre a suposta grandeza do acto, estamos perante uma humilhante confissão de derrota numa guerra que, ao cabo de 20 anos, deixou a martirizada nação numa situação tão ou mais grave do que aquela em que se encontrava quando a invasão imperial se iniciou. Além disso, e para que conste desde já, a retirada de efectivos convencionais não significa o abandono do teatro de operações por agressores ao serviço dos mesmos interesses expansionistas que promoveram a invasão.

Joseph Biden, como não poderia deixar de ser porque assim funciona a propaganda em que assenta a memória futura da história dominante, cantou vitória ao anunciar a decisão. Disse que «podemos acabar com esta guerra interminável» porque «Bin Laden está morto e a al-Qaeda enfraquecida». Sobre a figura de Bin Laden, velho colaborador dos Estados Unidos nas operações desenvolvidas no Afeganistão, são muito mais as histórias mal contadas do que as certezas; quanto à al-Qaeda, está bastante mais forte hoje porque expandiu-se do território afegão para o Médio Oriente, Norte de África e África Central, servindo até de braço armado à NATO para destruir a Líbia e tentar fazer o mesmo na Síria.

«O anúncio da retirada da NATO do Afeganistão é, sem qualquer dúvida, uma confissão de derrota da maior organização militar mundial, com ambições globalistas; a invasão saldou-se por um fracasso de todos os objectivos que poderiam considerar-se positivos e pelo alento que deu às vertentes negativas – tráfico de droga e terrorismo dito «islâmico»»

Biden fabricou uma «verdade» de acordo com as conveniências imperiais de propaganda, mas a realidade no teatro de operações afegão desmente-o palavra por palavra: os Talibã, inimigos a abater pela invasão da NATO, estão mais fortes do que há 20 anos e controlam mais de metade do território; os corpos de segurança criados de raiz pelos invasores são incapazes de estender a sua influência para lá da região de Cabul; o governo supostamente «democrático» instalado pelos ocupantes exerce o poder na capital e pouco mais, assenta na corrupção e no colaboracionismo e resulta de fraudes eleitorais das quais ninguém duvida, a começar pelos seus tutores estrangeiros.

Por outro lado, há dois aspectos para os quais a invasão militar ocidental contribuiu de maneira determinante: os assombrosos números, jamais atingidos, de produção de ópio e consequente tráfico de heroína à escala mundial (o Afeganistão representa mais de 90% do total, segundo a ONU); e a transformação do Afeganistão numa espécie de base de rectaguarda do ISIS, Daesh ou Estado Islâmico: o Pentágono assegurou a operação de transferência e salvamento para território afegão dos terroristas deste grupo depois de derrotados na Síria – e parcialmente no Iraque – por acção conjunta dos poderes militares da Rússia e de Damasco.

O anúncio da retirada da NATO do Afeganistão é, sem qualquer dúvida, uma confissão de derrota da maior organização militar mundial, com ambições globalistas; a invasão saldou-se por um fracasso de todos os objectivos que poderiam considerar-se positivos e pelo alento que deu às vertentes negativas – tráfico de droga e terrorismo dito «islâmico». Além disso, as tropas norte-americanas e aliadas deixaram no terreno uma situação que assegura a continuação da guerra entre o poder de Cabul tutelado pelos interesses ocidentais, o poder Talibã e a miríade de poderes oscilantes de senhores da guerra de índole tribal, regional e étnica medrando com diversos tráficos – drogas, fontes de energia, armas, influências. Uma confusão na qual se moverá o verdadeiro império de poder construído pela CIA no Afeganistão, com uma componente clandestina financiada pelo tráfico de estupefacientes, como aconteceu noutras paragens, por exemplo na América Central.

«Entrámos juntos, adaptámo-nos juntos, saímos juntos», proclamou o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, aos seus colegas da NATO reunidos em Bruxelas. Na verdade, a retirada surge 200 mil mortos depois, com suspeitas de prática de crimes contra a humanidade, como investiga do Tribunal Penal Internacional, e deixando o teatro de operações em condições sociais e humanitárias piores do que as encontradas. É sempre assim por onde a NATO passa.

Fuzileiros norte-americanos num campo de papoilas dormideiras, no Afeganistão (foto de arquivo) Créditos

Há 42 anos

A informação dominante insiste na tecla de que a guerra dos Estados Unidos contra o Afeganistão se iniciou há 20 anos.

Não é verdade: a agressão iniciou-se há 42 anos, em 1979, quando o presidente James Carter, a conselho do seu assessor e estratego terrorista Zbigniew Brzezinski, começou a armar grupos «islamitas» de índole tribal e mentalidade medieval para combater o governo secular de Cabul, que mantinha relações privilegiadas com a União Soviética. Nasceram assim os «Mujahidines», a primeira vez em que o imperialismo norte-americano recorreu abertamente ao terrorismo de fachada «islâmica» como braço armado.

Tratava-se, como explicou o próprio Brzezinski, de «proporcionar aos soviéticos o seu próprio Vietname».

A verdade é que Moscovo mordeu o isco e depois foi o que se sabe: a intervenção no Afeganistão como passo determinante para o fim da própria União Soviética.

Em 1993 Osama bin Laden era benevolamente elogiado pelo Ocidente como um «guerreiro anti-soviético» que pusera o seu exército de Mujahidines «no caminho da paz»  Créditos

Os Estados Unidos, através da CIA e de serviços secretos de países ocidentais e do Médio Oriente, refinaram a estratégia de intervenção islâmica e reforçaram o papel dos «Mujahidines» com a criação da al-Qaeda, iniciada com o recrutamento pela CIA do príncipe saudita Osama Bin Laden. Este foi também o caldo de cultura que deu origem aos Talibã, posteriormente aliados da administração Clinton, durante os anos noventa, na estratégia fracassada de fazer passar pelo Afeganistão um oleoduto para escoar petróleo do Cáspio contornando a Rússia e o Irão. Assim foi sendo transformado o território afegão no primeiro grande viveiro de organizações de mercenários «islâmicos», braços terroristas actuando hoje através do Médio Oriente, Magrebe e África do Norte, Central e Oriental, Balcãs, Cáucaso, Ásia Central e Meridional.

O resto é história dos últimos 20 anos, uma nova fase da agressão norte-americana contra o Afeganistão iniciada com a invasão militar directa sob o pretexto da nunca demonstrada responsabilidade de Bin Laden nos atentados terroristas de Nova York em 11 de Setembro de 2001.

Agora estamos à beira de uma «retirada militar» da NATO. Que é, afinal, uma espécie de «novo Vietname» para os Estados Unidos, uma vez que a opção militar pura e dura falhou e tem de ser substituída pela continuação da guerra sob novas roupagens.

Comboio militar da NATO após ter sido atacado em Kandahar, Afeganistão, a 2 de Agosto de 2017  Créditos / REUTERS

Aliados «estão a refinar planos…»

No dia 15 de Abril, isto é, algumas horas depois da proclamação de Joseph Biden anunciando a retirada do Afeganistão, o jornal New York Times (NYT) – muito bem informado nestas matérias – escreveu o seguinte: «O Pentágono, as agências de inteligência norte-americanas e os aliados ocidentais estão a refinar planos para instalar uma menos visível mas também poderosa força (no Afeganistão) para impedir que o país se transforme de novo numa base terrorista».

«há dois aspectos para os quais a invasão militar ocidental contribuiu de maneira determinante: os assombrosos números, jamais atingidos, de produção de ópio e consequente tráfico de heroína à escala mundial (o Afeganistão representa mais de 90% do total, segundo a ONU); e a transformação do Afeganistão numa espécie de base de rectaguarda do ISIS»

Ainda segundo o mesmo jornal, o Pentágono está a «discutir com os aliados» os locais onde «reposicionar» forças num processo em que «as tropas da NATO se retiram formalmente» mas a Turquia, membro da aliança, «deixará efectivos para trás de modo a ajudar a CIA a recolher informações».

Além disso, informa também o NYT, os Estados Unidos têm no terreno mais mil efectivos do que os 2500 oficialmente declarados: trata-se de membros de forças de elite para operações especiais que actuam sob comando duplo da CIA e do Pentágono. Infere-se que este lote de agentes de guerra não deverá retirar-se com o contingente oficialmente contabilizado.

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Intervenção dos EUA no Afeganistão está longe de terminar

Joe Biden anunciou que estava «na hora de as tropas voltarem para casa». Outros foram mais precisos sobre os planos do Pentágono: mercenários, guerra à distância, operações especiais.

Paraquedistas norte-americanos numa operação em Lwar Kowndalan, Afeganistão, em Outubro de 2005
Créditos

A propósito da declaração do presidente norte-americano sobre o «fim» da guerra norte-americana no Afeganistão, no passado dia 14, Sonali Kolhatkar, que escreve para o Independent Media Institute, afirma que quase tudo o que Biden disse sobre o fim da intervenção no país asiático é «mentira».

Pouco depois, o diário The New York Times (NYT) deixou antever os planos futuros: «o Pentágono, agências de espiões americanas e aliados ocidentais estão a apurar os planos para destacar uma força menos visível mas ainda assim potente na região.»

Jeremy Kuzmarov, editor da CovertAction Magazine, também se refere ao anúncio de Biden como «enganador» e, reportando-se ao NYT, afirma que, depois da saída formal das tropas norte-americanas, os EUA se vão manter no Afeganistão por via de uma «combinação obscura de Forças de Operações Especiais clandestinas, mercenários a soldo do Pentágono e agentes secretos de inteligência».

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Afeganistão, onde as pessoas são o que menos interessa

Passado e presente de um país ainda com futuro. História, política e economia de uma região na encruzilhada de continentes e de civilizações, devastada pela geoestratégia imperial dos EUA.

Um homem carrega outro, ferido, para o hospital, depois de um rebentamento de bomba. Cabul, Afeganistão, 31 de Maio de 2017
Créditos/REUTERS/Mohammad Ismail

Falar do Afeganistão, 16 anos depois de as Twin Towers ainda esperarem a verdade desse massacre fundador, é um percurso de dor e de uma consciência que se vai construindo, através das peças de um puzzle onde as pessoas parecem ser o que menos interessa.

Mas também constitui uma oportunidade para recuperar hoje elementos essenciais da situação no Afeganistão para se compreender como tudo surgiu e porque muito ainda se mantém.

A recente série de atentados terroristas no Afeganistão

Há duas semanas, no dia 29 de Janeiro, um ataque suicida perpetrado por cinco atacantes, contra um posto militar em Cabul, próximo da principal academia militar do país, deixou 11 soldados mortos e 15 feridos. Quatro dos atacantes foram mortos ou fizeram-se explodir e um quinto terrorista foi preso. O ataque foi reivindicado pelo Estado Islâmico (EI, Al-Qaeda e Talibans interpenetram-se num jogo de espelhos comandado por serviços secretos ocidentais que os criaram e/ou assessoraram).

Foi mais um de uma série recente de ataques no Afeganistão. No sábado anterior, dia 27, outros terroristas usaram uma ambulância-bomba para matar 103 pessoas e ferir outras 235. O chefe da missão da ONU no Afeganistão, Tadamichi Yamamoto, classificou o ataque como uma «atrocidade». No dia 24, um grupo tinha atacado a sede da ONG «Save the Children» em Jalalabad, provocando três mortos e 24 feridos. No dia 20, um ataque armado ao luxuoso Hotel Intercontinental de Cabul causara 19 mortos, 14 dos quais estrangeiros, provocando um grande incêndio em vários andares do prédio.

Para compreender esta agressividade assassina crescente, o jornalista afegão Masud Waganas referia, há dias, existirem fortes rivalidades geopolíticas entre poderes, imperialistas e hegemónicos, relativas aos recursos naturais do Afeganistão e às rotas comerciais e de trânsito, atendendo à localização geoestratégica do país, tendo essas rivalidades crescido de forma significativa nos últimos anos.

O legado do Império Britânico, o regime democrático e socialista, a intervenção soviética e o regime Taliban

Desde o século XVIII a Inglaterra deteve o monopólio da produção de ópio na Índia, que estendeu depois ao Afeganistão. No Afeganistão a resistência à ocupação malogrou uma primeira tentativa de os ingleses destronarem o rei Dost Mohammad. No início de 1842 os ingleses foram forçados a deixar Cabul e, na retirada para Jalalabad, deixaram na neve 17 mil corpos de militares e auxiliares. A Inglaterra torneou a questão cortando os acessos do Afeganistão ao mar, retirando-lhe o território para cá das cordilheiras do Hindu Kush.

Preocupada com o vizinho Império Russo, a Inglaterra realizou novas intervenções e, sem consultar os afegãos, acabou por assinar com aquele uma convenção, em 1907, que retirou parcelas ao país e resultou no afastamento dos Pashtuns, que integravam o Afeganistão desde tempos imemoriáveis.

Cerca de 90 anos tarde foi precisamente entre as rebeldes tribos Pashtun que nasceu o movimento Taliban, que, em poucos anos, ganhou a guerra civil e se estabeleceu no poder no Afeganistão. Desalojado do governo de Cabul pela intervenção americana, ainda hoje dominam boa parte do território afegão e mantêm em cheque o governo de Karzai e os seus aliados americanos.

Em 22 de Novembro de 1917, menos de uma semana após a Revolução Bolchevique, o governo soviético denunciou e tornou públicos os tratados assinados pelo governo czarista, anulando os entendimentos entre britânicos e russos acerca do Afganistão. O rei Amanullah declarou a independência do país em relação ao império britânico em 1915 e tentou fazer regressar os Pashtun ao país mas os ingleses reagiram com mais uma guerra anglo-afegã (a terceira em 80 anos) e o objectivo não foi atingido. Face às tentativas de reunificação pacífica, os britânicos, em 1920, enviaram uma força conjunta de dois mil ingleses e indianos que mataram quatro mil habitantes de aldeias no Noroeste.

O rei tornou-se um liberalizador: reforçou o exército; aboliu a escravatura e os trabalhos forçados; defendeu maiores liberdades para as mulheres, desencorajou o uso do véu e a opressão feminina; e introduziu oportunidades educativas para as mulheres.

Em 1924 ocorreram violentas revoltas dos islamitas conservadores na cidade fronteiriça de Khost, que foi dominada pelo exército afegão. A revolta foi uma reacção às reformas sociais de Amanullah, particularmente a educação pública para meninas e uma maior liberdade para as mulheres. O historiador afegão Abdul Samad Ghaus escreveu em 1988: «A Grã-Bretanha foi vista como culpada no caso, manipulando as tribos contra Amanullah na tentativa de provocar a sua queda.» Em 1929 grandes revoltas das tribos conservadoras levaram à queda do rei, com a suspeição geral que os ingleses tinham estado por detrás disso.

A intervenção norte-americana começa a ocorrer após a Segunda Guerra Mundial, em 1950, a partir da Directiva 68 de Segurança Nacional onde se afirmava que a URSS tinha o «desígnio do domínio do mundo». Em 1956 os EUA construíram em Kandahar um aeroporto internacional que servia a actividade de bombardeiros para a declarada eventualidade de um confronto com a URSS. No início dos anos 70 a CIA garantiu a retaguarda dos radicais islâmicos até ao início de 1973.

Entretanto no Afeganistão, em 1978, ocorreu uma revolução dirigida pelo Partido Democrático Popular do Afeganistão (PDPA), comunista. Em Agosto de 1979, um relatório classificado do Departamento de Estado afirmava: «os interesses maiores dos Estados Unidos (…) serão satisfeitos com o desaparecimento do actual regime afegão, apesar de quaisquer contratempos que isso possa significar para as futuras reformas sociais e económicas no Afeganistão.»

Zbigniew Brzezinski, assessor de segurança nacional do presidente Carter, admitiu, após a guerra contra os soviéticos, que a CIA fornecia ajuda secreta aos Mujahideen afegãos seis meses antes da invasão soviética. E salientou que a intenção dos EUA ao fornecer essa ajuda era «atrair os russos para a armadilha afegã». No dia em que os soviéticos cruzaram oficialmente a fronteira, afirmou ter escrito ao presidente Carter: «agora temos a oportunidade de dar à URSS a sua Guerra do Vietname.» A intervenção soviética no Afeganistão, a 26 de Dezembro de 1979, a pedido do governo afegão, envolveu as forças soviéticas no apoio ao governo marxista do PDPA contra os fundamentalistas islâmicos, principalmente Mujahideen.

Após a intervenção, os Estados Unidos foram rápidos em fornecer armas aos Mujahideen. Em Fevereiro de 1980, o Washington Post informou que eles estavam a receber armas provenientes do governo dos EUA. Os montantes foram significativos: 10 mil toneladas de armas e munições em 1983, que foram crescendo e atingiram 65 mil toneladas 1987, de acordo com Mohammad Yousaf, general paquistanês que supervisionou a guerra secreta de 1983 a 1987. Milton Bearden, chefe da estação da CIA no Paquistão de 1986 a 1989, que foi responsável por armar os Mujahideen, comentou: «Os EUA estavam a lutar contra os soviéticos até ao último afegão».

Estima-se que os EUA e a Arábia Saudita deram 40 mil milhões de dólares em armas e dinheiro aos Mujahideen fundamentalistas ao longo da guerra. O dinheiro foi canalizado através do governo do Paquistão, que usou algum dele para criar milhares de escolas religiosas islâmicas fundamentalistas (madrassas) para as crianças refugiadas afegãs que inundaram o país. Estas tornaram-se as instituições de formação para os Talibans.

Em Maio de 1988 a União Soviética começou a retirada das suas tropas do território afegão, uma retirada que só completou em Fevereiro de 1989. Porém, mesmo após a retirada, a guerra civil continuou no país até os rebeldes tomarem Cabul, em Abril de 1992, assassinando o presidente deposto, Mohamed Najibulah, que tivera o apoio dos soviéticos.

O país passou a ser uma república islâmica e, no ano seguinte, uma assembleia nacional, composta por várias facções rivais, líderes tribais e religiosos, aprovou a criação de um novo parlamento. Esta união entre as várias facções durou pouco tempo. Violentas disputas internas favoreceram a ascensão de uma nova força política, os Talibans, grupo fundamentalista islâmico financiado pelo Paquistão. A partir daí foram anos de destruição do país, da sua cultura, dos direitos dos cidadãos, de assassinatos em massa que conduziram o país ao que hoje existe: um país de privações alimentares; de habitação, saúde, e de direitos democráticos condicionados; com regras rígidas para as mulheres e destruído por sucessivas guerras.

As potências ocidentais mantiveram-se impávidas e serenas. Para elas o importante tinha sido a queda de um regime alinhado com a URSS e a saída desta do país. Assistiram a anos de uma loucura indescritível e os EUA só lá entraram em 2001 por razões relacionadas com os seus interesses económicos de exploração das riquezas naturais e estratégicos de expansão para leste.

O regime socialista e as transformações no Afeganistão (1978-1992)

Atendendo ao que fui estudando nestes anos, de entre as diferentes narrativas sobre este período subscrevo a de Dana Visalli, agricultora biológica norte-americana e comentadora de política internacional.

1. Legislação. Direitos.

O novo governo iniciou um programa de reformas que eliminou a usura, lançou uma campanha de alfabetização, eliminou a cultura do ópio, legalizou os sindicatos, estabeleceu um salário mínimo e diminuiu entre 20% e 30% os preços dos bens mais necessários, introduziu o ensino superior qualificado para os trabalhadores, aumentou os salários numa média anual de 26% e os salários mais baixos em 50%.

O Estado subsidiou, para os manter, os preços de bens básicos, como a gasolina, o gasóleo, o querosene («petróleo») ou o açúcar, enquanto outros, como o trigo, a farinha e a lenha, passaram a ser vendidos a preços fixos.

Quanto aos direitos das mulheres, o regime socialista concedeu a permissão para não usar véu, aboliu o dote, promoveu a integração das mulheres no trabalho (245 mil trabalhadoras, sendo 40% dos médicos mulheres) e a alfabetização (o analfabetismo feminino foi reduzido de 98% para 75%); 60% do corpo docente da Universidade de Cabul passou a ser de mulheres, 440 mil mulheres passaram a trabalhar na educação e 80 mil participaram na campanha de alfabetização. O mesmo aconteceu na vida política. As mulheres passaram a ter, por lei, direitos iguais aos dos homens.

A taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos diminuiu de 38% em 1960 para 30% em 1988, 80% da população urbana passou a ter acesso aos serviços de saúde e a expectativa de vida, de 33 anos em 1960, passou para 42. Duplicou o número de camas hospitalares. Aumentou em 50% o número de médicos. Pela primeira vez foram criados jardins-de-infância e casas de repouso para os trabalhadores.

Foi realizada a cobertura hospitalar e de centros de saúde, mesmo nas regiões rurais remotas. O acesso aos cuidados de saúde era gratuito e os medicamentos eram vendidos a preços acessíveis, e para os mais pobres, os medicamentos eram entregues gratuitamente.

Centenas de milhares de pessoas foram alfabetizadas e 63% das crianças frequentaram o ano escolar em 1985.

Foi fundada a Academia de Ciências (1980), o Instituto Pedagógico (1987) e universidades em Balha (1988), Herat (1988) e Kandahar (1990). O Afeganistão enviou para o espaço o primeiro e único cosmonauta da sua história, Abdul Ahad Mohmand, em 1988. Também desenvolveu a cinematografia nacional.

Inicialmente a religião foi separada do Estado, mantendo-se a liberdade de culto. Mais tarde, foi criado um fundo estatal para a reparação e construção de mesquitas e anulada a expropriação de terras do clero. Em 1987, o Islão foi restaurado como a religião oficial do Estado.

2. Economia

Depois da revolução, o governo Taraki nacionalizou sectores estratégicos da economia e a realizou uma reforma agrária, que incluiu a formação de cooperativas agrícolas e a expropriação de terras dos latifundiários e sua distribuição entre os camponeses (o limite da propriedade privada da terra era de seis hectares).

A proporção de indústrias extractivas e transformadoras cresceu de 3,3% do PIB em 1978 para 10% em 1985. No mesmo período, o investimento na indústria nacional ultrapassou em 80% todos os investimentos nos vinte anos anteriores à Revolução. Em 1984, os investimentos em sectores estatais e mistos aumentou em 50%. Nesse ano foram criadas 100 novas empresas. Em 1984, as colheitas ultrapassaram significativamente as anteriores.

O reforço do sector público não excluiu o sector privado. No governo Karmal foi fundada a Câmara de Comércio e Indústria, com o objectivo de reunir representantes de capitais privados de mais de vinte associações de comerciantes.

Com a ajuda da União Soviética, no sector estatal da economia foram construídas cerca de 200 empresas, que passaram a fornecer a maior parte da produção global. Entre elas as empresas hidro-eléctricas e a Puli-Humri Naghlu, a fábrica de fertilizantes de azoto em Mazar-i-Sharif, uma empresa de panificação e outra de casas pré-fabricadas em Kabul.

A Checoslováquia abriu um alinha de crédito para ser construída uma linha de eléctricos em Cabul, equipadas minas de carvão e construída uma fábrica de cimento em Herat. Com créditos da Bulgária, foi construída uma grande exploração aviária, explorações de ovinos e de seda, outras empresas de aves, de produtos lácteos, tijolo e curtumes, e duas empresas para o sector das pescas. A Alemanha Oriental participou da criação de uma central telefónica automática em Cabul, que estabeleceu as linhas de comunicação e a ampliação do sistema de fornecimento de electricidade em várias cidades. A Hungria participou da construção de uma empresa farmacêutica.

Para além do comércio com o campo socialista, no início dos anos 80, o volume de comércio entre o Afeganistão e o Japão tinha aumentado 33% e ambos os países criaram a empresa comercial conjunta Nichi-afegã Lda. Também o comércio com a Índia aumentou em 50%.

A guerra civil viria a provocar graves danos para a economia afegã. Só até 1985 o número de perdas tinha sido de 35 mil milhões de afegãos (moeda). Com os Talibans todos os avanços do país foram destruídos e regressou-se a um profundo obscurantismo.

2001: a invasão norte-americana

Em 2001, os EUA e a NATO invadiram o Afeganistão, fizeram dele um protectorado, com dirigentes que, apesar de formalmente eleitos, foram sendo afastados em função dos «superiores interesses dos EUA». O caso mais notório foi o de Hamid Karzai, que foi presidente do país entre 2004 e 2014, afastado por não aceitar o estatuto do Paquistão como base de grupos terroristas como os EUA queriam.

Os EUA ensaiaram para 2014 uma «saída» das suas tropas que acabou por se traduzir apenas num outro modelo de protectorado, com os Talibans e outros grupos terroristas a servirem os interesses estado-unidenses de desestabilização regional, incluindo em outros países, como a Síria ou as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central que fazem fronteira com a Rússia e a China.

Em 30 de Setembro de 2014, o Afeganistão, os Estados Unidos e a NATO assinaram um acordo para justificar formalmente a presença de um contingente militar limitado no estado da Ásia Central, após a retirada formal das forças internacionais. Uma força de seguimento de cerca de 12 mil soldados permaneceu em 2015 em tarefas de treino e apoio. No final desse ano, cerca de 41 mil soldados da NATO permaneciam no Afeganistão lutando contra a revolta de Talibans, ao lado de soldados e polícias afegãos, com o mandato de missão de combate da NATO a terminar em Dezembro. Os EUA falharam redondamente o seu programa de formação de polícias e os afegãos passaram a confiar ainda menos neles.

Em Agosto passado Trump anunciou ir continuar a guerra no Afeganistão. Em reacção, um porta-voz dos Talibans condenou essa decisão de Trump e disse, citado pela France Press, que o grupo terrorista continuaria a jihad no país, afirmando ainda que o país se tornaria num «cemitério» dos EUA após a decisão de Trump de enviar mais tropas para o Afeganistão. Na sequência disso, o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, declarou que o movimento Taliban seria incapaz de alcançar uma vitória militar no Afeganistão mas que, no entanto, poderia receber um estatuto legal através de negociações…

A nova estratégia dos EUA no Afeganistão inclui a expansão de forças de autoridade para atacar terroristas. No entanto, Trump disse que os Estados Unidos não revelariam o número de tropas ou quaisquer futuros planos de acção militar no Afeganistão.

A vaga de atentados em Janeiro de 2018 revela a falência dessas e anteriores estratégias e a liberdade de circulação dos Talibans, al-Qaeda e Estado Islâmico.

Os objectivos geoestratégicos

Apesar de 16 anos de uma pesada presença dos EUA, a fim de estabelecer a sua hegemonia no Afeganistão e para além dele, a influência de potências regionais como a Rússia, China, Irão, Paquistão e a Índia está a crescer. No entanto, os EUA mantêm um papel desestabilizador na região, tendo em vista estabelecer um domínio imperial alargado numa situação internacional onde já não têm a mesma capacidade de influência.

Esta estratégia tem girado em torno de variantes da chamada Doutrina Wolfowitz (subsecretário de Estado de George Bush pai), que visou «prevenir o surgimento de um poder regional ou global que pudesse desafiar o estatuto hegemónico único por parte dos EUA» e a sua cavalgada até à China, para garantirem recursos energéticos e minerais que implicariam uma ocupação logística de uma vasta parte da Eurásia, com governos de fidelidade garantida.

Era um sonho louco, desmentido após as invasões do Iraque e do Afganistão, de várias «revoluções coloridas», da introdução do «caos» como melhor forma de gerir o terrorismo, do narcotráfico, da exploração sem regras de petróleo e riquezas minerais. Evitar um trajecto comercial normal entre países, para o deixar entregue a bandidos que fazem a administração desses imensos espaços, destruiu o Afeganistão e outros países, como a Líbia. Mas há fortes realidades que hoje pesam em sentido diferente desta cavalgada diabólica.

Dezasseis anos depois da guerra mais longa da sua história, os EUA no Afeganistão tomam atitudes que dependem mais do que entendem ser a necessidade de reagirem à derrota na Síria, podendo acrescentar-se-lhe a do Iraque, onde hoje é significativa a influência da Rússia e do Irão, com a China mais distanciada, apesar de já estar a fechar contratos com o Afeganistão.

Trump pode estar a transformar esta guerra «em aberto» desde 2001 numa guerra em termos qualitativos e quantitativos muito diferentes da dos seus antecessores na Casa Branca. Mas está limitado, pese embora a pressão do Pentágono para o aventureirismo sem medir consequências.

A CIA, os terroristas e o controlo da heroína

Vale a pena lembrar aqui a história do comércio de drogas do Crescente Dourado, que está intimamente relacionado com as operações secretas da CIA na região desde a guerra contra os soviéticos e as consequências que isso teve.

Ate à revolução socialista a cultura do ópio (papoila) era vasta e controlada pelos ingleses. Depois da revolução, a produção de ópio foi proibida no Afeganistão e no Paquistão, e foi dirigida a pequenos mercados regionais. Não existia produção local de heroína (Alfred McCoy, «Drug Fallout: quarenta  anos de cumplicidade da CIA no comércio de narcóticos», The Progressive, 1/08/1997).

A economia afegã de narcóticos foi um projecto cuidadosamente preparado pela CIA, apoiado pela política externa dos EUA e intimamente relacionado com as operações secretas da CIA na região, desde a guerra contra os soviéticos.

Conforme revelado nos escândalos Irão-Contra e Bank of Commerce e Credit International (BCCI), as operações secretas da CIA em apoio aos Mujahideen afegãos foram financiadas através da lavagem de dinheiro da droga. O «dinheiro sujo» foi reciclado - através de várias instituições bancárias (no Médio Oriente), bem como através de empresas anónimas da CIA, com «dinheiro encoberto» usado para financiar vários grupos insurgentes durante a guerra contra os soviéticos.

Em «The Dirtiest Bank of All» pode ler-se que «os EUA queriam fornecer aos rebeldes Mujahideen no Afeganistão mísseis stinger e outros equipamentos militares, E precisavam da cooperação total do Paquistão. Em meados da década de 1980, a estação da CIA em Islamabad era uma das maiores estações de inteligência dos EUA no mundo. A revista Time de 29/07/1991, a páginas 22, revelava que «os EUA se voltaram para o tráfico de heroína no Paquistão», citando um oficial dos serviços secretos dos EUA.

O estudo do investigador Alfred McCoy confirmou que, depois da operação secreta da CIA no Afeganistão em 1979, «as fronteiras do Paquistão e o Afeganistão tornaram-se o maior produtor de heroína do mundo, fornecendo 60% da procura dos EUA. No Paquistão, a população viciada em heroína passou de quase zero em 1979 para 1,2 milhões em 1985, um aumento muito mais acentuado do que em qualquer outra nação».

E que «os activos da CIA controlaram novamente esse comércio de heroína. À medida que os guerrilheiros Mujahideen ocuparam território dentro do Afeganistão, pediram que os camponeses plantassem o ópio como um "imposto revolucionário". Em toda a fronteira no Paquistão, líderes afegãos e grupos de bandidos locais, sob a protecção dos serviços secretos do Paquistão, faziam funcionar centenas de laboratórios de heroína. Durante esta década de 1979 a 1989 de tráfico aberto de drogas, a Agência de Controle de Drogas (DEA) dos EUA em Islamabad não levantou processos ou fez prisões».

Continua McCoy: «funcionários dos EUA recusaram-se a investigar acusações de heroína por parte de seus aliados afegãos porque a política de narcóticos dos EUA no Afeganistão foi subordinada à guerra contra a influência soviética. Em 1995, o ex-diretor da CIA em operação no Afeganistão, Charles Cogan, admitiu que a CIA realmente sacrificou a guerra contra as drogas para fazer a Guerra Fria.»

As vastas reservas de minerais e gás natural do Afeganistão: a cereja em cima do bolo que os afegãos estão impedidos de comer

De acordo com um relatório conjunto do Pentágono, do U.S. Geological Survey (USGS) e a USAID, revelaram-se no Afeganistão em 2010 reservas de minerais «anteriormente desconhecidas» e inexploradas, estimadas na ordem dos mil milhões de dólares («EUA identificam grandes riquezas minerais no Afeganistão», New York Times, 14/06/2010; veja-se também a BBC, 14/06/2010): «os depósitos anteriormente desconhecidos - incluindo grandes veias de ferro, cobre, cobalto, ouro e metais para industrias críticos como o lítio - são tão grandes e incluem tantos minerais que são essenciais para a indústria moderna, que o Afeganistão poderia eventualmente ser transformado num dos mais importantes centros mineiros mundiais, acreditam os funcionários dos Estados Unidos.»

Um memorando interno do Pentágono, por exemplo, afirma que o Afeganistão poderia tornar-se a «Arábia Saudita do lítio», uma matéria-prima chave na fabricação de baterias para laptops e blackberrys.

A vasta escala da riqueza mineral do Afeganistão foi descoberta por uma pequena equipa de funcionários do Pentágono e geólogos americanos. O governo afegão e o presidente Hamid Karzai foram posteriormente informados, segundo afirmaram autoridades americanas.

Embora possa levar muitos anos para desenvolver uma indústria de mineração, o potencial é tão grande que funcionários e executivos da indústria acreditam que isso poderia atrair investimentos pesados mesmo antes de as minas se tornarem lucrativas, proporcionando a possibilidade de empregos que acabassem com o estado de guerra.

O valor dos depósitos minerais recém-descobertos diminui o peso relativo da economia de guerra do Afeganistão, baseada em grande parte na produção de ópio e tráfico de narcóticos, e poderá abrir perspectivas para uma economia livre dessa actividade criminosa.

Rematemos, regressando ao título deste artigo: «Afeganistão, onde as pessoas parecem ser o que menos interessa».

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Com uma constelação de bases aéreas na região do Golfo Pérsico, os EUA mantêm uma posição privilegiada para bombardear ou lançar ataques com drones no Afeganistão. Um ex-agente da CIA e especialista em contra-terrorismo, Marc Polymeropoulos, foi bem mais preciso do que Biden sobre o modo como as coisas se devem passar daqui para a frente e disse-o ao NYT: «Aquilo de que estamos a falar de facto é sobre como recolher informações secretas e, depois, agir contra alvos terroristas sem [termos] qualquer infra-estrutura ou pessoal no país para lá da embaixada em Cabul.»

O secretário da Defesa, Lloyd Austin, fez questão de sublinhar a capacidade dos EUA para levar a cabo a guerra sem tropas no terreno, tendo afirmado que «provavelmente, não há um local no Planeta que os Estados Unidos e os seus aliados não consigam alcançar», nota Sonali.

Os «privados», mercenários a soldo com contratos milionários

Outra coisa a que Biden não se referiu no seu discurso à nação foi aos «privados» que os EUA empregam no Afeganistão. O NYT diz que são mais de 16 mil; Jeremy Kuzmarov afirma que, em Janeiro, estavam no país da Ásia Central 18 mil mercenários, segundo um relatório do Departamento da Defesa.

Para cada soldado norte-americano presente no Afeganistão havia sete mercenários, uma proporção que, segundo Kuzmarov, reflecte a estratégia norte-americana de proceder ao outsourcing da guerra, para beneficiar empresas privadas de mercenários e como forma de distanciar a guerra do público, tornando-a menos visível e controlando-a à distância, como os EUA fizeram noutros países.

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Privatizar a Guerra

A existência de empresas de mercenários com dimensão para privatizar uma guerra é um sinal da ligação entre a guerra e interesses económicos privados e um motivo de preocupação para os amantes da paz.

Mercenários da Spear ao serviço dos Emiratos Árabes Unidos
CréditosFonte: Buzzfeed News

A ficção oferece exemplos de mercenários heróicos e defensores do bem, como em Os Sete Samurais, de Kurosawa, ou na série televisiva Soldados da Fortuna (The A Team). Na verdade, a história de soldados a soldo, dispostos a lutar onde e para quem paga melhor é plena de episódios onde figuras ou nações ricas contratam mercenários para impor a sua vontade, reprimir, conquistar e aniquilar. A título de exemplo, recorde-se o uso dos gurkhas nepaleses pela Companhia das Índias Ocidentais, ou da Pinkerton, uma força privada de segurança dos EUA usada por vários empresários, incluindo Andrew Carnegie, para combater o movimento de trabalhadores, incluindo infiltrar sindicatos, intimidar «agitadores», proteger os fura-greves e reprimir grevistas.

À semelhança de outras áreas de actividade económica, também os mercenários, nas suas diferentes formas, têm ganho dimensão e evoluído à medida que o capitalismo, e a sua fase de imperialismo, se desenvolve. A britânica G4S desenvolve actividades em 125 países (incluindo a segurança em Jerusalém Ocidental e a gestão de cinco prisões israelitas, com conhecidos casos de tortura de presos palestinianos) e emprega mais de 570 mil pessoas, sendo o segundo maior empregador do mundo a seguir à Walmart. Tudo isto apesar da Convenção das Nações Unidas sobre Mercenários, que entrou em vigor em 2001, a qual proíbe o recrutamento, treino, uso e financiamento de mercenários. Será necessário acrescentar que os EUA, Reino Unido e França, assim como a China, Rússia, Índia e Japão, são signatários?

Hoje grandes empresas colocam os seus «colaboradores» nos mais variados cenários de conflito, para executar funções distintas, desde a reparação automóvel e preparação alimentar em bases militares até segurança e assassinatos. Ainda esta semana foi reportado que os Emiratos Árabes Unidos (EAU) contrataram a Spear Operations Group – fundada por Abraham Golan, um israelita residente nos EUA – para executar um programa de assassinatos no Iémen. Um dos alvos dos mercenários estadunidenses, ex-forças especiais, foi um líder da al-Islah, organização que os EAU classificam de terrorista, mas que é reconhecido como um partido político legítimo, que se opõe à intervenção estrangeira no Iémen e conta entre os seus membros Tawakkul Karman, vencedora do Prémio Nobel da Paz em 2011. Um dos mercenários, ex-SEAL da Marinha dos EUA, Isaac Gilmore, é claro: «É possível que o alvo seja alguém que o Príncipe Herdeiro Mohammed bin Zayed não goste.» Refira-se que, desde 2009, os EUA aprovaram 27 mil milhões de dólares para os EAU em vendas de armas e «serviços de defesa».

Apesar dos muitos milhares de milhões gastos mundialmente em forças armadas nacionais e seu armamento, a área militar e de segurança privada tem crescido nas recentes décadas, ilustrando mais uma forma que o capitalismo encontrou para desviar fundos públicos para os bolsos dos privados. O exemplo anterior mostra também como o contra-terrorismo moderno se tem afastado de bombardeamentos estratégicos para a execução de indivíduos específicos, usando drones ou forças especiais. Ilustra também como as longas guerras ao Afeganistão e Iraque, a as forças especiais aí usadas, produziram indivíduos altamente treinados, prontos para serem recrutados pelas empresas privadas. Guerras que foram palco para o crescimento destas mesmas empresas, que receberem contratos multimilionários.

A empresa Blackwater1, hoje denominada Academi e tendo integrado, em 2014, o grupo Constellis Holdings, foi durante a segunda guerra ao Iraque a empresa que mais cresceu e beneficiou dos contratos públicos, e também a que mais claramente demonstrou o perigo do envolvimento de forças privadas em cenários de guerra, tendo sido documentados inúmeros casos de mortes de civis inocentes e tortura de capturados, mas também tráfego ilegal de armas e fraude.

Não estando protegidos pelas Convenções de Geneva nem podendo beneficiar dos apoios nacionais dados a ex-combatentes, estes modernos mercenários trabalhando em cenários de grande perigo físico e grande exigência psicológica carecem muitas vezes de garantias e apoios em caso de danos em combate. Por outro lado, funcionando paralelamente às forças regulares, estas empresas paramilitares funcionam à margem dos códigos que balizam a conduta das forças militares e até das leis nacionais do país de origem do mercenário e empresa contratante.

Diversos incidentes associados à Blackwater e outras empresas, levaram as Nações Unidas a estabelecer um Grupo de Trabalho sobre o Uso de Mercenários, tendo este concluído que, embora estas empresas muitas vezes sejam contratadas para fazer segurança, estão a realizar tarefas militares, e alerta para as «novas formas, manifestações e modalidades» das actividades mercenárias. Nada disto impede porém o Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE) da União Europeia de estar a decidir que empresa contratar, ao som de 100 milhões de euros, para realizar serviço de segurança no Afeganistão, país na prática ocupado pela NATO2.

Mas nada disto se compara com o plano de 5 mil milhões de dólares de Erik Prince – fundador da Blackwater e irmão da secretária de Educação de Trump, a bilionária Betsy DeVos – para privatizar a guerra no Afeganistão. Após a guerra na península Coreana, que formalmente ainda não terminou, e a guerra do Vietname, a guerra no Afeganistão é a terceira mais longa guerra em que os EUA alguma vez estiveram envolvidos (17 anos), levantando desafios militares e políticos a três presidentes. As actuais forças dos EUA no país totalizam 15 mil tropas, apoiadas por 20 mil privados (ou mercenários, paramilitares, como preferirem), o que corresponde já a uma redução desde o pico de mais de 140 mil tropas dos países da NATO em 2009/2010. Prince propõe-se substituir boa parte destas tropas por 2500 soldados das forças especiais e 6000 privados, apoiados por uma força aérea privada, eliminando as missões da NATO e apontando uma figura oficial dos EUA como «vice-rei para liderar todos os esforços do governo dos EUA e coligação – incluindo comando, orçamento, política, promoção e contratação – e reportar directamente ao presidente» dos EUA3. Segundo Prince, este plano podia acabar com a guerra em seis meses.

Prince já havia apresentado a proposta a Trump em 2017 e este e os seus conselheiros haviam então recusado a proposta. Mas face às mudanças no gabinete, Prince tem voltado a insistir na proposta durante os últimos dois meses, com várias reuniões e entrevistas nos EUA e no Médio Oriente, provocando inclusivamente uma reacção por parte do governo afegão, o qual caracterizou o plano como «destrutivo e divisivo», e que nunca permitiriam que «o combate contra o terrorismo se tornasse um negócio privado com fins lucrativos, afirmando ainda que «as forças de segurança e defesa afegãs, no quadro das leis nacionais, têm a responsabilidade e autoridade principal».

Existem algumas indicações de que Trump estará a dar alguma consideração ao plano de Prince. O Times de Londres reporta, em 5 de Outubro de 2018, que Prince atribui a recusa inicial de Trump como causada pelo rescaldo político da marcha neo-nazi em Charlottesville. Segundo Prince, Trump «disse logo a seguir “eu devia ter feito a mudança”». A substituição do comandante das forças dos EUA no Afeganistão pelo General Scott Miller, um veterano de operações especiais que serviu como fonte para as ideias de Prince, será indicação adicional de Trump estar a reconsiderar o seu plano.

Este plano em particular poderá ser ou não implementado, mas o mero facto de ser proposto – e portanto haver uma empresa de mercenários com a dimensão para privatizar uma guerra – e de estar a merecer alguma consideração é um sinal de alerta, para todos os amantes da paz, de que a interligação entre a guerra e interesses económicos privados se aprofunda, levando a novas formas de intervenção e alargamento dos conflitos no mundo.

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O editor da CovertAction Magazine afirma que, na sua maioria, os mercenários são antigos militares, embora haja um contingente de outros países, a quem são pagos baixos salários.

Uma das maiores empresas de mercenários, aponta, é a DynCorp International, de Falls Church (Virgínia), que em 2019 tinha recebido mais de sete mil milhões de dólares por contratos firmados com o governo para treinar o Exército afegão e para gerir as bases militares no país.

Entre 2002 e 2013 – afirma ainda Kuzmarov –, a DynCorp recebeu 69% de todos os fundos atribuídos pelo Departamento de Estado. «A Forbes Magazine chamou-lhe "uma das grandes vencedoras das guerras do Iraque e do Afeganistão" – sendo os perdedores quase todos os outros», disse.

O caos numa guerra que não começou em 2001

Sonali Kolhatkar lembra outras coisas não ditas por Biden citando Hakeem Naim, professor no Departamento de História da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nomeadamente que «os EUA criaram o caos ao apoiarem os grupos mais corruptos da elite e ao criarem um sistema económico mafioso gerido pelos senhores das drogas, os senhores da guerra e os mercenários».

Ao contrário do que se pretende fazer crer, Kolhatkar recorda que o «envolvimento destrutivo» dos EUA no Afeganistão não teve início em 2001, mas dura há mais de 40 anos, com a CIA a armar os mujahidin em guerra contra a tropas soviéticas.

Quando Biden, no seu discurso, afirmou que os EUA alcançaram os objectivos «claros» a que se propunham, a autora diz que os Estados Unidos fizeram muito mais que isso: «montaram um governo fantoche, impingiram a sua ideia de democracia a um povo que lutava com senhores da guerra armados e apoiados pelos EUA e, assim, garantiram que os movimentos democráticos seculares permaneciam fracos.»

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Tropas australianas assassinaram civis e prisioneiros afegãos, reconhecem chefias

Membros das forças especiais da Austrália «executaram ilegalmente» pelo menos 39 pessoas no Afeganistão, entre 2005 e 2016, revelou esta quinta-feira o chefe das Forças Armadas australianas.

Soldados australianos no Afeganistão
Créditos / Twitter

Angus Campbell admitiu os factos ao apresentar os resultados de uma investigação realizada pelo inspector-geral das Forças Armadas, Paul Brereton, sobre má conduta militar no Afeganistão, afirmando que existiam «provas credíveis» de que as forças especiais australianas tinham morto «ilegalmente» pelo menos 39 civis e prisioneiros afegãos em mais de uma década.

Numa conferência de imprensa que teve lugar esta quinta-feira em Canberra, Campbell afirmou que uma cultura de impunidade «destrutiva» entre as tropas de elite conduziu a uma cadeia de assassinatos e encobrimentos, perpetrados por 25 membros das forças especiais australianas em 23 incidentes separados.

De acordo com as conclusões do extenso relatório hoje apresentado – 465 páginas –, nenhum dos assassinatos, na sua maioria de prisioneiros, teve lugar durante combates, pelo que podem constituir um crime de guerra.

Além disso, a investigação descobriu que, em várias ocasiões, alguns soldados, novos na patrulha, foram coagidos a disparar contra um prisioneiro para alcançarem «a sua primeira morte», uma prática de iniciação conhecida como «sangramento».

Também foram encontradas provas de que, consumado o assassinato, as tropas especiais australianas por ele responsáveis encenavam um local de combate, colocando armas, rádios, granadas não registadas junto aos cadáveres, para dar a impressão de que representavam uma ameaça militar ou eram um alvo legítimo.

O texto documenta ainda a competição entre algumas patrulhas para terem um registo superior de «soldados inimigos» abatidos em combate.

O relatório, no entanto, exonera a chefia do Exército da responsabilidade pelos assassinatos, uma vez que Brereton não encontrou «provas» de que militares de alta patente tivessem conhecimento dos «homicídios ilegais», refere a RT.

Campbell afirmou que a morte ilegal de civis e prisioneiros jamais seria aceitável e pediu desculpas ao povo do Afeganistão pela «tragédia». Também pediu perdão ao povo da Austrália.

Scott Morrison, primeiro-ministro australiano, telefou esta quarta-feira a Ashraf Ghani, presidente afegão, para expressar o seu «mais profundo pesar», depois de o governo australiano ter passado anos a tentar silenciar vozes de alerta e relatórios sobre má conduta do pessoal militar do país.

O assassinato brutal de civis – alguns deles crianças – no Afeganistão ganhou notoriedade em 2017, quando o ABC publicou os chamados «The Afghan Files» [Os ficheiros afegãos], que trouxeram a público os crimes de guerra cometidos pelas tropas australianas no país asiático.

A Áustralia teve um papel activo no Afeganistão desde que os EUA e mais alguns aliados invadiram o país, em 2001. Seguiu-se a ocupação e a devastação, e a guerra continua até hoje. Se o regime dos talibãs saiu do poder, a sua actividade militar prosseguiu e, num caos em que nunca se instalou a segurança, o Daesh ganhou terreno.

Desde que tropas norte-americanas entraram no Afeganistão para combater os seus antigos aliados na guerra contra a República Democrática e o bloco socialista, muitos milhares de afegãos perderam a vida. Muitas dezenas de milhares.

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«Despejaram milhares de milhões numa guerra contra a droga para depois incentivarem a produção de drogas. Derrotaram os Talibã para depois escolherem o grupo rebelde como parceiro para a paz. Pelo caminho, mataram mais de 40 mil civis afegãos – provavelmente uma estimativa por baixo», diz Sonali Kolhatkar.

O presidente norte-americano não se referiu a nada disto, como não mencionou o facto de o actual governo afegão, profundamente corrupto, estar totalmente dependente dos EUA e à mercê da violência dos talibã, cada vez mais fortes, e de outros grupos fundamentalistas.

Em vez disso, Biden disse que, em 2001, «a causa era justa... E eu apoiei aquela acção militar». Décadas de guerra e de destruição de um país parecem justificadas pela abordagem «simplista»: «Nós fizemos justiça a Bin Laden há uma década e ficámos no Afeganistão mais uma década desde então.»

Os elevados custos que a população norte-americana teve de suportar para manter a guerra no Afeganistão, em termos económicos e humanos, não acabaram, destaca Kolhatkar. Milhares de milhões de dólares não bastaram e continuar-lhe-á a ser apresentada a conta dos ataques com drones e dos mercenários. E os afegãos continuarão a ser feridos, mutilados e mortos.

«Um verdadeiro processo de paz no Afeganistão depende da saída das forças estrangeiras do país», frisa Matthew Hoh, ex-combatente, deficiente e que em 2009 se demitiu do Departamento de Estado em protesto contra a guerra.

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Não é segredo que ao longo dos últimos quarenta anos a CIA construiu um verdadeiro império operacional no Afeganistão, alicerçado nas ligações profundas resultantes da criação, desenvolvimento e actuação de grupos terroristas «islâmicos» e também nas comunidades do narcotráfico – que nunca foram tão florescentes como durante a ocupação militar da NATO.

A ampla e complexa estrutura da CIA inclui um exército privado formado com base em elementos contratados às forças especiais afegãs e que operam independentemente do exército regular, respondendo apenas perante os serviços secretos, controlados directamente pela agência de espionagem norte-americana. Este corpo operacional dedica-se especialmente à captura, sequestro, tortura e aos assassínios cometidos com drones.

As informações oficiais norte-americanas, por outro lado, são omissas quanto ao destino dos cerca de seis mil mercenários contratados a empresas multinacionais de segurança para engrossar o aparelho de guerra da NATO no Afeganistão. De Washington chegam apenas ecos das preocupações dessas organizações quanto à continuação ou não desses contratos.

«ao longo dos últimos quarenta anos a CIA construiu um verdadeiro império operacional no Afeganistão, alicerçado nas ligações profundas resultantes da criação, desenvolvimento e actuação de grupos terroristas «islâmicos» e também nas comunidades do narcotráfico – que nunca foram tão florescentes como durante a ocupação militar da NATO»

No cenário de guerra enraizada no Afeganistão, o anúncio da retirada das forças norte-americanas e da NATO surge como uma grande operação de cosmética para poder gerir o conflito segundo outras metodologias e furtá-lo ao escrutínio das opiniões públicas dos Estados Unidos e de nações aliadas. Disse Joseph Biden: «Manter milhares de tropas no terreno e concentradas num único país, à custa de milhares de milhões de dólares por ano, faz pouco sentido para mim e para os nossos líderes». Uma «fonte oficial» do presidente descodificou esta mensagem ao jornal Washington Post: «A realidade é que os Estados Unidos têm grandes interesses estratégicos no mundo; o Afeganistão não tem, neste momento, o mesmo nível de outras ameaças». Como a China e a Rússia, poderá acrescentar-se sem receio de adulterar o espírito da mensagem.

Em linhas e entrelinhas há certezas que emergem do cenário criado pelo anúncio do presidente norte-americano sobre a saída de tropas do Afeganistão: a guerra vai prosseguir, mantendo-se o envolvimento ocidental ainda que sob outras formas; o país vai continuar a funcionar como viveiro de grupos «islâmicos» – como pode deduzir-se da sua utilização como centro de acolhimento de contingentes do ISIS ou Daesh retirados de outras frentes e agora usados na guerra contra os Talibã e na desestabilização da Ásia Central.

A maior de todas as certezas neste momento, porém não explicitada no discurso oficial, é a de que o anúncio da retirada de efectivos da NATO significa uma confissão de fracasso militar da aliança. A força bruta mobilizada há 20 anos para esta guerra não conseguiu derrotar os inimigos então identificados – os Talibã – e aprofundou a deriva política, social e humanitária do país.

Uma operação que iria demorar alguns dias, segundo as promessas do presidente George W. Bush feitas em Outubro de 2001, já vai em 20 anos.

A anunciada retirada não significa o fim do conflito mas tem implícita a derrota de quem executou a invasão, a Aliança Atlântica. Acima de tudo arrasa o mito propagandístico segundo o qual a paz e a democracia podem nascer de guerras de agressão provocadas alegadamente para as instaurar.

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E não é necessário fazer uma grande pesquisa de documentação para concluir que os objectivos oficiais declarados da invasão do Afeganistão, iniciada no Outono de 2001, prometiam um país reconstruido, democrático e estável, livre de terroristas uma vez derrotados os Talibã e os seus protegidos. Ora os Talibã controlam hoje 80% do Afeganistão – apenas menos 5% do que em 2001 –, em Cabul (e pouco mais) reinam um presidente e uma classe política corrupta, as eleições, quando as há, são exemplos de falsificação; e, segundo as notícias mais recentes, os ex-ocupantes e os seus homens de mão estão a ressuscitar as milícias terroristas fundadas pela CIA nos anos oitenta e que foram exterminadas pelos Talibã entre 1992 e 1996.

Bagram era um símbolo

A fuga imperial de Bagram é um episódio que marca, como nenhum outro, a derrota dos Estados Unidos e da NATO no Afeganistão. A base de Bagram era um símbolo e um centro operacional da ocupação. Situada apenas a 60 quilómetros de Cabul, era também o principal ponto de apoio militar ao regime instalado na capital e que nunca conseguiu estender a sua acção muito para lá do perímetro da principal cidade do país.

«a intervenção norte-americana no país iniciou-se muito antes, há 42 anos, ainda na administração do presidente democrata James Carter e do seu chefe do Conselho de Segurança Nacional, o estratego Zbigniew Brzezinski»

Bagram era também um dos principais centros de tortura que caracterizam as guerras eternas impostas pelos Estados Unidos e aliados como sustentáculos de uma ordem mundial unipolar assente no imperialismo e no colonialismo militar da NATO ao serviço da globalização do regime único neoliberal.

Embora a fuga de Bagram marque o fim de 20 anos de invasão e ocupação do Afeganistão pela NATO, a intervenção norte-americana no país iniciou-se muito antes, há 42 anos, ainda na administração do presidente democrata James Carter e do seu chefe do Conselho de Segurança Nacional, o estratego Zbigniew Brzezinski.

Foi nessa altura que os Estados Unidos, por intermédio da CIA e também do Paquistão, França, Reino Unido e Arábia Saudita criaram a malha de terrorismo de fachada islâmica para combaterem indirectamente a presença militar da União Soviética no apoio ao governo progressista de Cabul. É impossível ter a noção do que seria hoje o Afeganistão sob a acção continuada dos governos da República Democrática – designadamente em áreas como a educação, a saúde, as vias de comunicação, o abastecimento de água e energia e os direitos das mulheres – se a sua actividade não tivesse sido sabotada pelo terrorismo disseminado pelos Estados Unidos e que deu origem a aberrações como Bin Laden, a al-Qaeda e os gangues de criminosos conhecidos como Mujahidines.

É importante recordar que a República Democrática do Afeganistão sobreviveu três anos à retirada militar soviética, em 1989, e apenas foi derrotada quando a Rússia do inqualificável Boris Ieltsin e da sua corte de «reformadores» lhe retirou apoio, dando assim alento às várias facções terroristas, que não tardaram em entrar numa destruidora guerra civil.

Por outro lado, ao contrário da narrativa oficial consumida no Ocidente, a retirada soviética não foi descoordenada, nem desordenada, nem um caos, muito menos uma debandada pela calada da noite.

Civis afegãos, na fronteira entre o Afeganistão e a União Soviética, despedem-se de combatentes internacionalistas soviéticos que regressam a casa, em Maio de 1988  CréditosAlexander Grashchenkov / Sputnik

Escreve o analista Lester W. Grau na publicação Slavic Militay Studies: «Há uma narrativa e uma percepção comum de que os soviéticos foram derrotados e expulsos do Afeganistão. Isso não é verdade. Quando os soviéticos deixaram o Afeganistão em 1989 fizeram-no de forma coordenada, deliberada e profissional, deixando para trás um governo a funcionar, uma situação militar melhorada e um esforço consultivo e económico que garantiu a viabilidade e a continuidade do governo. A retirada foi baseada num plano diplomático, económico e militar coordenado, permitindo que as forças soviéticas se retirassem em boa ordem e que o governo afegão sobrevivesse».

Pelo contrário, a acção norte-americana baseada nos grupos terroristas islâmicos com mentalidade medieval, que hoje funcionam como braços supletivos da NATO, por exemplo nas guerras eternas na Síria e no Iraque, tal como aconteceu na Líbia, foi o princípio do fim da experiência modernizadora do Afeganistão, afundando o país num caos ingovernável só travado transitória e parcialmente pelos Talibã em 1996.

Da mesma maneira, a retirada norte-americana e da NATO simbolizada em Bagram, sob o signo da missão cumprida, deixa o Afeganistão como um país dilacerado e mergulhado na guerra civil.

Mas a partida da guarnição da base pela calada da noite significa uma retirada de facto ou uma transição para a continuação da influência norte-americana agora sob o formato de guerra híbrida, tal como acontece na Síria e em grande parte do Iraque? Muitos indícios apontam para esta metamorfose da ocupação, mas os Talibã, progredindo no terreno sobre a ineficácia e o desmoronamento das forças de segurança montadas pelos ocupantes, têm muito a dizer quanto às próximas etapas no país.

Guerra híbrida

Desde os anúncios da retirada da NATO do Afeganistão os avanços dos Talibã em direcção a Cabul tornaram-se ainda mais fulgurantes. Os antigos «estudantes de teologia» da etnia pashtun, fundados em 1994 em Kandahar, mas com raízes também no Paquistão, controlam hoje mais de metade dos 421 distritos afegãos, que correspondem a uma área de 80% do território. Nos últimos tempos os avanços não têm sido feitos com base em combates mas sim em negociações, rendições, deserções e fugas dos efectivos das forças de segurança criadas e treinadas pela NATO. Em Cabul teme-se que o Exército Nacional Afegão possa desintegrar-se em algumas semanas.

«As missões Estados Unidos/NATO no Golfo, especialmente no Iraque, manterão o Afeganistão sob mira, inclusivamente para bombardear o país, se necessário. O comandante do dispositivo não será já um general colocado no Afeganistão mas o general Frank McKenzie do CentCom, responsável operacional do Médio Oriente»

Segundo mensagens que os dirigentes Talibã têm feito circular, por exemplo na sequência de uma recente visita a Moscovo, o grupo não pretende atingir Cabul através da guerra, mantendo-se no quadro das lentas negociações de Doha, no Qatar, para encontrar uma coligação governativa que possa pacificar e estabilizar o país.

O grupo islâmico alega, por outro lado, que deixou de ser etnicamente homogéneo e que actualmente cerca de 30% dos seus quadros dirigentes são não-pashtuns, designadamente tajiques, usbeques e até xiitas hazaras, seus inimigos jurados durante os anos noventa.

A direcção Talibã adverte, contudo, que tem «linhas vermelhas» como a de não tolerar que o actual clã governativo do presidente Ashraf Ghani faça parte de uma futura coligação governamental e a de não permitir quaisquer tropas da NATO no terreno, sejam forças especiais norte-americanas, mercenários contratados por Washington ou Bruxelas ou mesmo as tropas turcas que actualmente fazem segurança ao aeroporto de Cabul. «Qualquer membro da NATO será considerado ocupante», definem os Talibã.

O mais provável, porém, é que o grupo islamita venha a confrontar-se não com o precocemente decrépito exército afegão mas sim com os braços multifacetados de uma guerra híbrida montada em Washington e que terá como meta principal manter a instabilidade no Afeganistão para que o país não possa inserir-se nos enquadramentos regionais euroasiáticos e, sobretudo, da Ásia Central, que estão a der desenvolvidos pela Rússia e a China, muitas vezes através da cooperação mútua e de forma complementar.

Os documentos secretos do Ministério britânico da Defesa encontrados recentemente num caixote do lixo numa paragem rodoviária no Sudeste de Inglaterra e divulgados pela BBC especificam que Washington e Londres devem cuidar da permanência de forças especiais no Afeganistão que lhes permitam manter o controlo das rotas do ópio que nas últimas duas décadas financiaram os serviços secretos britânicos e norte-americanos, por exemplo na execução de operações clandestinas. Nunca o Afeganistão deu origem a tanta heroína produzida a partir do ópio como durante a ocupação da NATO – responsabilizando-se, segundo dados da ONU, por cerca de 90% do mercado mundial.

Fuzileiros norte-americanos num campo de papoilas dormideiras, no Afeganistão (foto de arquivo) Créditos

Neste contexto cabem duas perguntas: será que a CIA consegue conservar a sua rota da heroína afegã para sustentar as operações clandestinas? Se não conseguir, para onde será transferido esse esforço?

Não há que ter muitas dúvidas quanto à autenticidade dos documentos secretos encontrados «por acaso» em Inglaterra. Neles está descrita a provocação contra a Rússia protagonizada pela passagem do destroyer britânico HMS Defender pelas águas da Crimeia em prontidão de combate, operação entretanto consumada.

Além das forças especiais são várias as componentes encaradas pelos estrategos norte-americanos para o aparelho de guerra híbrida contra o Afeganistão.

O jornal USA Today revelou que o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos está a debater «as novas formas consideradas necessárias para manter vários milhares de contratados ocidentais», isto é, mercenários, de modo permitir a actividade de «helicópteros e aeronaves cruciais para a movimentação das pequenas mas excelentes forças especiais afegãs».

Além disso, ainda segundo o USA Today, «uma vez que as tropas terrestres da NATO se tenham retirado, o poder aéreo da aliança baseado na região pode servir para ajudar a recém-criada Força Aérea afegã a apoiar as suas tropas no solo quando estiverem sob ataque».

Não se trata, contudo, apenas de «apoio». As missões Estados Unidos/NATO no Golfo, especialmente no Iraque, manterão o Afeganistão sob mira, inclusivamente para bombardear o país, se necessário. O comandante do dispositivo não será já um general colocado no Afeganistão mas o general Frank McKenzie do CentCom, responsável operacional do Médio Oriente. Trata-se de utilizar a «capacidade além horizonte», segundo a terminologia do Pentágono.

Ainda de acordo com o USA Today, nas reflexões do Conselho de Segurança Nacional sugere-se que «algumas áreas que permaneçam sob o controlo dos Talibã devem ser contra-atacadas sempre que haja alvos da liderança do grupo importantes para as forças afegãs».

Além disso, «as mais apropriadas das muitas milícias afegãs», os grupos mujahidines em fase de ressurreição promovida pelo governo de Cabul, «deverão ser colocadas na folha de pagamentos do governo e integradas num plano geral de campanha. Os pagamentos devem ser condicionados» – o cúmulo do cinismo – «a alguma medida de contenção e respeito por vidas inocentes por parte desses grupos». Os Mujahidines ficaram conhecidos pelos saques e chacinas cometidos sob os olhos dos tutores da CIA.

Sabe-se igualmente que a Turquia está a transferir para o Afeganistão cerca de dois mil mercenários islâmicos do contingente da al-Qaeda que ocupa Idleb, na Síria, provavelmente uigures originários da região chinesa de Xijiang, reforçando as bolsas do ISIS e da organização fundada pela CIA e Bin Laden que se reactivaram no Afeganistão sob a ocupação da NATO. Parte desses efectivos foram transferidos numa operação especial montada pela CIA quando o Isis perdeu a sua «capital» na Síria, a cidade de Raqqa2.

Não deixou ainda de ser uma ideia acarinhada na sede da NATO, em Bruxelas, a de continuar a manter o Afeganistão como um paraíso para o terrorismo islâmico e respectiva exportação, funcionando sob controlo do Paquistão.

De tudo isto resulta muito claro que a nova fase da influência militar e política dos Estados Unidos e da NATO sobre o Afeganistão se orienta pela necessidade de alimentar a guerra civil, prolongar os conflitos interétnicos e interconfessionais, perpetuar a instabilidade e impedir a reconstrução do país. Ou seja, um foco de caos para dificultar as acções que se orientam pela reconstrução do país, a integração e o desenvolvimento regional.

Um afegão chora o seu irmão, morto num ataque aéreo da NATO, na província de Jalalabad, Afeganistão, a 5 de Outubro de 2013. Pelo menos cinco civis foram mortos durante esse ataque, acusou o porta-voz do governo provincial afegão. A intervenção militar da coligação militar liderada pelos EUA foi acusada de causar um número desproporcionadamente alto de baixas civis CréditosParwiz / Reuters

Os movimentos da China e da Rússia

Neste quadro, parece natural que se registem aproximações da China, da Rússia e do próprio Irão em relação aos Talibã, a organização que parece em melhores condições para assumir um papel estabilizador no Afeganistão.

Em Junho realizou-se uma reunião trilateral entre representantes da China, dos Talibã e do Paquistão a propósito da qual o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros saudou «o rápido retorno» do grupo afegão «à vida política no país», fez votos de «uma recuperação pacífica do Afeganistão» e prometeu «expandir laços económicos e comerciais».

«Não deixou ainda de ser uma ideia acarinhada na sede da NATO, em Bruxelas, a de continuar a manter o Afeganistão como um paraíso para o terrorismo islâmico e respectiva exportação, funcionando sob controlo do Paquistão»

A China está interessada em estender ao Afeganistão o seu projecto de corredor económico com o Paquistão integrado na nova rota da seda ou Iniciativa Cintura e Estrada (ICE). O primeiro passo seria a construção de uma autoestrada ligando Cabul a Peshavar através da passagem do Khyber. O troço seria um sector do corredor económico China-Paquistão, que inclui a construção do estratégico aeroporto de Tashkurgan do lado do Xijiang na estrada do Caracórum, a apenas 50 quilómetros do Paquistão e também nas proximidades do Afeganistão e do porto de Gwadar, no Balochistão.

Pequim entende também que a pacificação do Afeganistão seria muito importante para reduzir as acções desenvolvidas por terroristas do Isis contra a região uigur do Xijiang.

Moscovo tem sido palco de reuniões interafegãs e recebeu recentemente a visita de uma delegação Talibã ao mais alto nível – o que faz admitir uma próxima retirada do grupo islamita da lista de organizações consideradas terroristas pela Rússia.

Um Afeganistão pacificado é igualmente um objectivo que se enquadra nos esforços de integração regional desenvolvidos pela Rússia através da Organização de Cooperação de Xangai e da União Económica Euroasiática, que incluem projectos sintonizados com acções da China na região.

A fuga da NATO de Bagram pela calada da madrugada de 2 de Julho não foi, na perspectiva norte-americana, um movimento para induzir a pacificação do Afeganistão. Há perspectivas claras sobre o futuro do país em termos de guerra e paz. O colonialismo ocidental continuará a privilegiar a guerra, ainda que em novos formatos, mas tanto em Washington como em Bruxelas seria aconselhável reflectir sobre a tradição afegã de ser um cemitério de impérios.

O mais certo, porém, é que a cegueira geopolítica prevaleça.

 

José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

2No original: «por acção conjunta do exército regular sírio e da Força Aérea russa».

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Zakharova escreveu que «cada discurso [de Reagan] continha uma passagem obrigatória de saudação aos "combatentes pela liberdade" no Afeganistão», em referência aos mujahidin que o Ocidente armada e louvava, afirmando que eram um movimento que brotava do seio da população para desafiar as forças militares que punham em causa a sua religião e o seu modo de vida. Os americanos, dizia Reagan, agradeciam tanta coragem e seguiam de perto as acções da URSS na república da Ásia Central.

O resto, a diplomata não escreveu, mas é sabido. As tropas da União Soviética retiraram-se no fim da década de 1980, o governo progressista afegão resistiu até 1992, e as sementes da al-Qaeda e dos talibãs tinham sido lançadas.

A «tragédia» afegã não é só o regresso dos talibãs ao poder – são 20 anos de ocupação pela NATO, um país destruído e muitas dezenas de milhares de mortos. Como diz o Morning Star em editorial, «a humilhação norte-americana de Cabul» fala contra as chamadas «intervenções humanitárias».

A «tragédia» afegã é muito mais que a chegada dos talibãs a Cabul ou o cenário «Saigão 2» no aeroporto. No fundo da questão jaz o imperialismo, que não existe para disseminar conquistas sociais, económicas e políticas, mas para se servir a si mesmo.

A «tragédia afegã» não se entende sem todos os povos contra os quais os EUA e seus aliados decretam sanções e bloqueios, os países onde promovem golpes de Estado, de onde saqueiam os recursos naturais, onde mantêm o seu complexo industrial de armamento a funcionar e onde geram milhões de deslocados e refugiados.

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Para além da guerra na Ucrânia, o agravamento do conflito entre o Azerbaijão e a Arménia coincidiu com a deterioração do conflito fronteiriço entre outras duas ex-repúblicas soviéticas: o Quirguistão e o Tajiquistão.  

Mais de um terço da fronteira que divide os dois países é disputada desde o fim da União Soviética, em 1991. Também nesta situação o Quirguistão e o Tajiquistão se acusam mutuamente de usar tanques, morteiros, artilharia de foguetes e drones, nomeadamente contra alvos civis.

O cessar-fogo de sexta-feira, no entanto, pode não ter conseguido travar a espiral de violência. Até ao momento, dados oficiais de ambos os países apontam para a morte de 46 cidadãos no Quirguistão e 35 no Tajiquistão.

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