Tal como na COP25, nesta COP26 velhas ideias estão a ser traficadas, desconsiderando o esforço dos países em vias de desenvolvimento, das organizações ambientais e a discussão da calendarização do combate ao desastre ecológico e os objectivos e datas das acções que o possam conjurar.
Uma dessas situações é a luta política conduzida para ajudar a criar a ideia de que se a COP26 fracassar, a responsabilidade é dos políticos que não se teriam entendido.
Desde que Joe Biden foi eleito no início do ano, passou a fazer guerra à China e Rússia. Isso hoje está presente em múltiplos aspectos das relações internacionais. Biden também aproveita a oportunidade da COP26 para meter veneno.
Joe Biden, no final do G20 expressou «decepção» com o facto de a Rússia e a China «não terem assumido quaisquer compromissos» para lidar com as alterações climáticas. E que, por isso, as pessoas se sentiriam desapontadas.
Porém, nem os EUA nem o G20… assumiram compromissos para parar o financiamento a centrais eléctricas a carvão em países pobres e assumiram um vago compromisso de atingir a neutralidade do carbono por volta de meados do século.
De facto, quer a China, quer a Rússia assumiram compromissos. E trabalharam desde a COP25 de Paris para os cumprir. Existem reflexões produzidas sobre as alterações climáticas sentidas em ambos os países, que determinaram uma série de medidas para as resolver.
Biden mentiu. Mas os participantes nesta COP26 têm estes relatórios. A RTP e outros media em Portugal não se referiram a eles, enquanto insistem na mistificação e limitam-se a reproduzir sound bites de origens sem credibilidade.
Quer a China, quer a Rússia têm poderosas delegações nesta conferência, estão a conversar com as outras partes, a prepararem as posições comuns sobre diversas questões para serem assinadas. Isso apesar de nem Xi-Jinping, nem Putin se terem deslocado a Glasgow por razões que foram conhecidas.
Declaração, de natureza completamente diferente da de Joe Biden, foi a de Xi-Jinping na passada segunda-feira. Quando se trata de desafios globais como as mudanças climáticas, o multilateralismo é a receita certa, disse Xi destacando a importância da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), e seu Acordo de Paris.
A China, o maior emissor mundial de gases de efeito estufa na actualidade, entregou oficialmente, no passado dia 28, os seus novos compromissos climáticos.
Na sua nova «Contribuição Determinada em Nível Nacional (NDC, na sigla em inglês)», Pequim compromete-se a alcançar o seu pico de emissões «antes de 2030», e a neutralidade de carbono, «antes de 2060». Estas metas mantêm-se dentro do que já havia sido antecipado pelo presidente Xi Jinping.
Apresentadas no site da UNFCCC, estas novas contribuições prevêem reduzir a intensidade de carbono (emissões de CO2 em relação ao PIB) em mais de 65% em relação a 2005.
Na sua anterior NDC, a China comprometia-se a reduzir sua intensidade de carbono entre 60% e 65%, até 2030, e a conseguir seu pico de carbono «por volta de 2030».
Neste novo contributo, Pequim lembra que os países desenvolvidos devem «assumir as suas responsabilidades históricas e continuar a assumir, com clareza, a redução de emissões».
A China também se comprometeu a aumentar a participação de combustíveis não fósseis a 25% de seu consumo, contra 20% na sua NDC anterior, em particular com o aumento de sua capacidade instalada de energia solar e eólica para 1,2 bilhão de kW até 2030, assim como com o aumento florestal em 6 mil milhões de metros cúbicos em relação a 2005.
«Neste novo contributo, Pequim lembra que os países desenvolvidos devem «assumir as suas responsabilidades históricas e continuar a assumir, com clareza, a redução de emissões.»
A nova contribuição da China, responsável por mais de um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa, era, portanto, aguardada com ansiedade antes da COP26. O compromisso chinês era especialmente aguardado, depois do anúncio pela ONU, na segunda-feira, de que os novos compromissos climáticos assumidos nas últimas semanas ainda conduziriam o mundo a um aquecimento «catastrófico» de +2,7°C.
Não só os EUA mentiram quanto às metas da China, só publicando as suas, englobadas nas do G20, um dia depois (29), da publicação pela ONU das da China (28), e, como tinham feito até então, tentaram traficar a mentira impondo mais um anátema contra este país. Porque não foi ainda permitido à China apresentar uma mensagem do seu presidente em vídeo?
Quanto à Rússia, Vladimir Putin participa na cimeira de forma virtual, com mensagem que já foi emitida. O país é o quarto maior emissor de gases com efeito de estufa e pretende reduzir as emissões em 79% até 2050 face a 1990. Moscovo procura ainda alcançar a neutralidade carbónica até 2060.
«Não só os EUA mentiram quanto às metas da China, só publicando as suas, englobadas nas do G20, um dia depois (29), da publicação pela ONU das da China (28), e, como tinham feito até então, tentaram traficar a mentira impondo mais um anátema contra este país.»
Putin afirmou no G20 que a participação de fontes de energia neutras em carbono – nuclear, hidroeléctrica, eólica e solar – ultrapassou os 40% na Rússia. Se se contar com o gás natural, que entre os hidrocarbonetos tem a menor pegada de carbono, essa participação seria de 86%. É um dos melhores resultados do mundo.
(Abro parêntesis para referir que a comunidade internacional pode vir a considerar como não poluentes a energia produzida pelas centrais nucleares e pelo gás natural – este com a pegada menos poluente.)
Putin sugeriu que a comunidade mundial precisa de testar vários projectos climáticos em termos de seu impacto líquido nas emissões por cada dólar de investimento: «Pode muito bem acontecer que, por exemplo, a conservação das florestas na Rússia ou na América Latina seja mais eficaz do que investir em energias renováveis em algumas nações.»
Ele acrescentou que a Rússia não apenas reduzirá as emissões de gases de efeito estufa na economia do país, como investirá também em os capturar por meio de projectos de reflorestamento, preservação da natureza e melhoria da eficiência da agricultura.
A Rússia também sofreu taxas altas de perda de cobertura arbórea em 2020, em grande parte devido a incêndios na Sibéria. A Sibéria sofreu com temperaturas altas em 2020, incomuns para a Primavera e o Verão, provavelmente devido à mudança climática, que ressecou florestas e levou a incêndios intensos. Os incêndios também queimaram turfas ricas em carbono, que estão habitualmente congeladas.
Além disso, a Rússia foi explícita quanto ao esperar vantagens concretas em troca da cooperação em matéria de mudança climática, inclusive na forma do levantamento de algumas sanções.
Os EUA são o segundo maior emissor de gases com efeito de estufa e estiveram durante quatro anos de costas voltadas para o clima, quando o ex-presidente Donald Trump abandonou o Acordo de Paris. O país regressou ao acordo no início deste ano, no próprio dia em que o novo presidente, Joe Biden, tomou posse.
Em Abril, durante uma cimeira sobre o clima, Joe Biden prometeu cortar as emissões de gases de efeito de estufa do país em 53% até 2030 (relativamente aos níveis de 2005) e passar a liderar a luta global contra o aquecimento global. Biden também estipulou como objectivo descarbonizar a economia dos EUA inteiramente até 2050. Aguardam-se ainda os seus compromissos para esta COP26.
Em 2015, a Índia tinha-se comprometido a cortar a intensidade carbónica em 33% a 35% até 2030 em relação aos níveis de 2005, alcançando uma redução de 24% até 2016. O país também se está a aproximar agora da meta de atingir cerca de 40% da produção de electricidade com base em energia renovável – uma meta colocada até 2030. Aguarda-se a confirmação dos compromissos para esta COP26.
Desde a Cimeira de Paris pouco se fez. A Cimeira de Glasgow vai tentar recuperar o atraso, continuando a negociar taxas de carbono e não colocando em causa o modo de produção em que vivemos. No meio do aumento de eventos climáticos extremos em todo o mundo e de protestos contra a falta de medidas tomadas no planeta, governantes e especialistas de quase duzentos países reúnem-se em Glasgow, na Escócia, a partir de hoje, em busca de soluções políticas para conter o aquecimento global. Ao longo de duas semanas, a 26.ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP26) vai tentar definir regras para o cumprimento do Acordo de Paris. Aprovado em 2015, o acordo estabeleceu como meta manter o aumento da temperatura média do planeta «bastante abaixo» de 2ºC em relação ao período pré-industrial, de preferência até 1,5ºC. O aumento registado até aqui é de 1,09ºC, conforme o último relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), o painel de cientistas da ONU, maior autoridade científica sobre o assunto. Para lembrar a urgência de serem tomadas medidas em defesa do ambiente, na sexta-feira, activistas ambientais participaram em protestos junto de alguns dos principais bancos sediados na capital do Reino Unido, antecipando o início da cimeira do clima das Nações Unidas. Os manifestantes juntaram-se em frente à companhia de seguros Lloyd's, formando com rosas depostas no chão a mensagem «Erguer, Lembrar, Resistir». Reivindicam o fim dos investimentos do sistema financeiro em combustíveis fósseis, uma exigência que repertiram ao longo do dia junto de algumas das principais instituições financeiras de Londres, como o banco Standard Chartered, Banco de inglaterra e outros. Entre os manifestantes estão activistas que viajaram para Londres de países na Ásia e nações insulares do Pacífico onde já se sentem efeitos das alterações climáticas, que já estão a destruir o sítio onde vivem. Os países combinaram que cada um definiria a sua própria contribuição para diminuir a emissão dos gases que estão a aquecer o planeta. É o equivalente a dividir a conta de um extenso banquete com quase duzentos convidados, sendo que nem todos estavam à mesa desde o começo e que cada um comeu e bebeu quantidades muito diferentes. Previsivelmente, a conta nunca encerra: a soma dos esforços que os países prometeram fazer até 2030 colocou o mundo na rota de um aquecimento de 2,7ºC até ao fim deste século, conforme a conclusão de um relatório divulgado esta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Em 2020, as emissões globais de gases de estufa tiveram uma redução de 6,4% em relação ao ano anterior, mas a queda não se deve aos esforços dos países para conter a crise climática. O número reflecte apenas a retracção das economias por causa da pandemia. Para este ano, a expectativa é que as emissões globais retornem a um patamar próximo ao de 2019. Restam pouco mais de nove anos até o fim de 2030, prazo adoptado para a realização dos compromissos assumidos por cada país na Cimeira de Paris. A 26.ª Conferência das Partes (COP26) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) decorre de 31 de Outubro a 12 de Novembro de 2021. Assinada na Cimeira da Terra do Rio em 1992, esta convenção compromete todos os Estados a prevenir «interferências antropogénicas perigosas com o sistema climático», o que significa tomar medidas contra a poluição devida às actividades da humanidade no planeta. Esta formulação mostra que os líderes mundiais estão conscientes da gravidade das ameaças há pelo menos um quarto de século, particularmente após a publicação do primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) em 1990. As negociações iniciais sobre a questão já tinham caído em Toronto em Junho de 1988, com os Estados Unidos a impedir um acordo sobre uma redução negociada de 20% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE). A partir de 1995, as COP tornaram-se um evento anual para permitir aos signatários (196 países e a União Europeia) progredir gradualmente no desenvolvimento de medidas de combate ao aquecimento global. Uma das mais conhecidas foi a COP3 no Japão, em 1997, que levou à assinatura do Protocolo de Quioto. Aclamado pela imprensa internacional, este protocolo era sobretudo pouco ambicioso: representava apenas 3% do esforço necessário para resolver o problema. Em 2009, uma campanha de difamação precedeu a COP15, mais conhecida como a conferência de Copenhaga. Os hackers divulgaram emails de um grupo de investigação britânico, tentando fazer crer que o IPCC – que tinha acabado de ganhar o Prémio Nobel da Paz em 2007 – tinha falsificado dados. Apesar de muito modesto e não vinculativo, o acordo final assinado na Dinamarca aprovou no entanto os dois principais objectivos das negociações climáticas: limitar o aquecimento a um máximo de 2°C em comparação com a era pré-industrial e a criação de um Fundo Verde de 100 mil milhões de dólares. Divisões entre países ricos e pobres Em 2015, a COP21 recebeu muito mais atenção dos meios de comunicação social do que as rondas anteriores, como a pressão exercida pelas ONG, movimentos de jovens e uma comunidade científica que foi quase unânime em reconhecer a natureza crítica da situação. O Acordo de Paris mostra uma maior ambição ao comprometer os líderes mundiais a «limitar o aumento da temperatura média global a muito menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e a continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C». O termo «pré-industrial» é importante. Como confirma o último relatório do IPCC de Agosto de 2021, a temperatura média do planeta já subiu 1,09°C, devido aos gases emitidos desde a revolução industrial em meados do século XIX. Além disso, a maioria dos peritos concorda que o aquecimento excederá em qualquer caso 1,5°C por volta de 2040, dada a inércia do fenómeno, mas que este objectivo deve ser mantido durante as décadas seguintes. A uma escala global, décimos de um grau de temperatura contam. As consequências de um aquecimento de 2°C seriam muito mais graves, como mostrou um relatório anterior do IPCC. Isto porque estamos a falar de temperaturas «médias globais», e não de temperaturas locais, que flutuam muito mais amplamente. A uma escala global, um aquecimento de 2°C corresponde a uma convulsão considerável. A temperatura média da Terra era 5-6°C mais baixa do que a temperatura actual na altura do último máximo glaciar, há cerca de 21 000 anos. Nessa altura, uma calota de gelo cobria quase todo o Canadá actual, o Norte da Europa e grande parte da Rússia, com o nível do mar cento e vinte metros mais baixo do que hoje. Face a tal urgência, é surpreendente que os signatários do Acordo de Paris tenham protelado grande parte das medidas (a COP26 foi adiada de 2020 para 2021 devido à covid-19). Enquanto a administração Trump obstruía o processo, a maioria dos países aproveitou a posição norte-americana para deixar as suas emissões aumentar de 2016 para 2019, em vez de insistir na necessidade de agir rapidamente. Embora não insignificantes em termos do impacto em cada economia nacional, os actuais compromissos de todos os países estão longe de ser suficientes, pois conduziriam a uma trajectória superior a +3°C até 2100. Daí a necessidade, durante a COP26, de rever estas «contribuições determinadas nacionalmente» para baixo. As discussões também realçam uma divisão Norte-Sul, com os países ricos a tentarem pedir aos países do Sul que façam um esforço máximo, com base em argumentos tendenciosos. Omitindo que os países do Norte serão também muito vulneráveis, particularmente devido à sofisticação das suas economias. Já a multiplicação das secas, incêndios e inundações dos últimos anos prenunciam o caos que resultaria de uma abordagem de laissez-faire. Embora os países emergentes se tenham tornado grandes emissores de gases de efeito de estufa no século XXI – liderados pela China – os países ocidentais têm uma grande responsabilidade histórica, sendo responsáveis por dois terços das emissões acumuladas até à data. Para além disso, se adoptarmos o critério de emissão por pessoa, estes países estão longe de terem a pegada ecológica dos habitantes dos países ocidentais. Finalmente, uma proporção significativa das emissões dos países emergentes está ligada à deslocalização das indústrias, o que mascara o aumento das emissões para produzir bens no Sul que são consumidos no Norte. Os países do Sul tentaram em vão que estas emissões históricas e importadas fossem incluídas nos cálculos. As reacções dos governos à covid-19 mostram que podem tomar medidas drásticas, mas muitas vezes demasiado tarde, o que leva a decisões que são muito mais drásticas do que as que seriam necessárias no devido tempo. No caso das alterações climáticas, o adiamento pode dever-se à magnitude das mudanças necessárias, mas leva a torná-las ainda maiores. Para permanecer abaixo de 1,5°C de aquecimento global, as emissões globais de CO2 teriam de ser reduzidas em 3,3% por ano a partir de 2010; uma vez que aumentaram, precisam agora de ser reduzidas em cerca de 7% por ano. Esta é a ordem de grandeza da redução relacionada com a contenção para o ano 2020. Em vez de aprender com isto, a maioria dos líderes só fala em impulsionar o crescimento e o consumo. Actualmente, três quartos do consumo mundial de energia provém de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), cuja combustão gera a maior parte dos gases com efeito de estufa. A tentação de utilizar a energia nuclear como um recurso para cumprir os objectivos de redução das emissões de GEE tornar-se-á cada vez mais forte. Mesmo que a sua segurança pudesse ser garantida, as reservas de urânio são demasiado limitadas para substituir os combustíveis fósseis. Por outro lado, a energia nuclear revelar-se-á cada vez mais inadequada e perigosa, dada a sua intermitência (secas, envelhecimento das centrais), o aumento do risco de acidentes devido a fenómenos meteorológicos extremos e a ausência ainda total de uma solução para gerir as quantidades crescentes de resíduos extremamente perigosos. A crescente preocupação de uma parte da população e das associações, indo mesmo até à acção judicial contra os governos, bem como a seriedade das conclusões do último relatório do IPCC, poderiam levar a COP26 a assumir um «compromisso global sobre o metano», liderado pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Esta iniciativa de emergência tem como objectivo reduzir drasticamente as emissões deste gás, que é setenta e duas vezes mais quente que o CO2, ao longo de vinte anos. Para além desta medida, a COP26 deveria, na melhor das hipóteses, avançar para subsídios a alguns sectores de «transição» e ajustamentos técnicos ou administrativos. Terá de uniformizar os compromissos nacionais, a fim de chegar a prazos e unidades idênticos, uma vez que cada país tomou a referência que melhor lhe convinha em 2015. Mesmo os esforços que ficam bem no papel são frequentemente tendenciosos. Por exemplo, a União Europeia, apresentada como uma das partes mais mobilizadas na luta pelo clima, está empenhada na neutralidade do carbono em 2050. De facto, a «neutralidade» da União não significa o fim das emissões de GEE, mas depende de projectos de captura de CO2 em sumidouros de carbono, cujos pormenores são, no mínimo, incertos. A Comissão Europeia mantém a ilusão – se não a mentira – de que os europeus «conseguiram dissociar as emissões de gases com efeito de estufa do crescimento económico nas últimas décadas». Mascara, assim, as emissões importadas através da deslocalização. Apesar da sincera boa vontade de muitos investigadores e negociadores, a COP26 poderia mesmo levar a efeitos nocivos, tais como o reforço da financeirização da economia e bolhas especulativas através dos mercados de carbono; apoio à energia nuclear apesar dos seus perigos; ou uma aceitação de «soluções tecnológicas» tais como a geo-engenharia e ainda manipulações climáticas mais arriscadas. O planeta será todo afectado com o crescimento da temperatura, mas pobres e ricos não o vão ser da mesma maneira. Vão-se multiplicar os refugiados ambientais, e os ricos que lucram com os novos negócios do capitalismo verde, que não resolvem o crescimento da temperatura, escolherão os locais menos afectados pelas mudanças climáticas para viver. A superação do capitalismo é a questão que as cimeiras não respondem, e o responsável último deste processo que está a destruir o planeta. Como afirma a cientista política Nancy Fraser, à revista Jacobin: «A financeirização que se espalha cada vez mais segue sendo uma bomba-relógio. Porém, segundo mostra o relatório do Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC), nossos infortúnios convergiram com outra crise muito grave, ainda mais catastrófica: o aquecimento global. Essa crise ecológica vem sendo fermentada há muito tempo e agora se torna palpável. Mais e mais segmentos da população global, incluindo segmentos que tinham-se mantido relativamente a salvo dos seus piores efeitos, estão despertando para o problema.» Essa ameaça só terá resolução possível com a superação do capitalismo. As outras hipóteses são apenas um mundo mais terrível em que os pobres serão as principais vítimas das catástrofes ecológicas. Tornou-se urgente a ideia que o socialismo é a única forma de evitar o desastre. «O componente ecológico é o que me faz pensar que podemos estar a enfrentar algo diferente, uma crise de época genuína, cuja resolução requer a superação do capitalismo de uma vez por todas», afirma Fraser. As alternativas ao socialismo são o autoritarismo e um planeta ambientalmente mais destruído. «Existem diversos cenários possíveis. Entre eles estão alguns desejáveis, como o ecossocialismo democrático global. É difícil dizer, é claro, a aparência que ele terá, mas vamos assumir que ele desmantelaria a "lei do valor", aboliria a exploração e a expropriação e reinventaria as relações entre a sociedade humana e a natureza não-humana, entre a produção de bens e o trabalho de cuidado, entre o "político" e "o económico", planeamento democrático e mercados. Esse seria o lado "bom" do nosso espectro de possibilidades. No outro extremo, temos resultados não-capitalistas verdadeiramente terríveis: uma enorme regressão social sob a conduta de brutamontes belicosos ou um regime autoritário global. Há, é óbvio, uma terceira possibilidade, segundo a qual a crise não é resolvida de facto, mas simplesmente continua sua orgia de auto-canibalismo da sociedade até que reste muito pouco de algo que reconhecemos como humano», alerta Nancy Fraser. A par das reduções de emissões, as delegações COP26 terão de pensar em como se adaptar às ameaças, algo que nenhum país, nem mesmo na Europa, se atreveu ainda a fazer em grande escala, de modo a não assustar a sua população. Tendo em conta os dados científicos, a COP26 parece ser uma das últimas conferências susceptíveis de evitar a ultrapassagem de um limiar dramático de perturbação climática. Sem um repensar completo do equilíbrio de poder entre nações – e do consumo em massa – é de temer que os objectivos do Acordo de Paris se tornem rapidamente impossíveis de alcançar. Foi fixada uma data na capital francesa para uma revisão dos compromissos cinco anos mais tarde, o que acontece nesta cimeira. «O que nós faremos nos próximos cinco anos vai determinar o futuro da humanidade no próximo milênio», disse à revista brasileira piauí o químico britânico sir David King, fundador do Centro de Reparação Climática da Universidade de Cambridge. «É sério: esta é nossa última chance», continuou o cientista, que foi assessor científico do governo britânico por sete anos e, por outros quatro, representante especial do governo para a mudança do clima – King liderou os negociadores britânicos na conferência do clima de Paris. «Se em Glasgow tivermos o entendimento do nível e da iminência da ameaça à humanidade, aí poderemos ter as respostas políticas adequadas.» Para o investigador, a resposta política adequada envolve renunciar ao carvão, ao petróleo e ao gás natural para a geração de energia – a queima desses combustíveis fósseis é a principal fonte dos gases que agravam o efeito estufa e são responsáveis pelo aquecimento do planeta. É preciso ainda restaurar o gelo na região ártica e remover gases de estufa da atmosfera em grande escala e com rapidez, além de aparelhar os diferentes países para se adaptarem aos impactos do aquecimento global já contratado pela humanidade. «Esse é [o] meu requisito mínimo para um mundo seguro», afirmou. King reconheceu que seus objectivos são ambiciosos e que parte deles sequer estará em negociação na COP26, antes de apontar o que ele consideraria um resultado satisfatório da conferência: «Acho bastante possível que cheguemos a um bom acordo quanto a deixar os combustíveis fósseis.» Na agenda dos negociadores em Glasgow, está a discussão de regras para a implementação do Acordo de Paris. Um dos principais nós da negociação envolve a regulamentação do mercado de carbono pelo qual países poderão adquirir créditos de outras nações ou de entidades privadas para ajudar a cumprir suas promessas de redução de emissões, entre outros mecanismos. As delegações precisam de decidir como esses créditos serão contabilizados por cada país, de entre outros pontos que vêm causando impasse nas discussões desde a conferência anterior. A criação deste mercado permite aos países ricos continuar a poluir à custa dos países pobres. Outro tema que deve mobilizar os negociadores em Glasgow envolve o financiamento que os países ricos prometeram aos países em desenvolvimento para ajudá-los a diminuir as suas emissões e a adaptarem-se aos efeitos da crise climática. O combinado era que seriam 100 mil milhões de dólares por ano a partir de 2020, e o Acordo de Paris só foi possível depois desse compromisso. No entanto, até agora o volume levantado está em torno de 80 mil milhões de dólares por ano. As negociações vão começar sob um clima de desconfiança se não houver uma sinalização clara de novos recursos. «A capacidade de os países em desenvolvimento voltarem a acreditar nos países desenvolvidos no jogo climático depende do compromisso do financiamento», disse à revista piauí a bióloga Izabella Teixeira, ex-ministra brasileira do Meio Ambiente. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Quando se discute o aumento da temperatura no planeta sem falar do capitalismo
De cimeira em cimeira a empurrar com a barriga
COP26 e os combustíveis fósseis
É o capitalismo estúpido
Desafiar o equilíbrio de poder entre nações
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Quanto à União Europeia, os seus 27 Estados-membros apresentaram em Glasgow cinco novas medidas para combater as alterações climáticas. Entre elas está a redução em 30% e até 2030 das emissões de metano, um dos gases que mais contribui para o aquecimento global; a atribuição de mais mil milhões de euros para a preservação das florestas e o envio de cinco mil milhões até 2027 para os países mais desfavorecidos combaterem as alterações climáticas.
Mas, estarão os compromissos dos países alinhados com os objectivos a que todos se procuram ajustar? António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), já respondeu a esta questão e é claro: os compromissos dos países «são um caminho para o desastre». Afirmou também que há um «défice de credibilidade e um superavit de confusão sobre as reduções de emissões», com metas e métricas diferentes.
Apesar dos compromissos assumidos, as concentrações de gases com efeito de estufa atingiram níveis recorde em 2020, mesmo com a desaceleração económica provocada pela pandemia de covid-19, segundo a ONU, que estima que ao atual ritmo de emissões, as temperaturas serão no final do século superiores em 2,7 °C.
Por isso, além dos mecanismos estabelecidos no Acordo de Paris, anunciou, no primeiro dia da conferência, que iria constituir um grupo de especialistas para propor padrões claros para medir e analisar os compromissos de emissão zero de atores não estatais.
A forma como os EUA e o Reino Unido declaram ter conseguido «mobilizar mais de 450 instituições financeiras que se comprometeram em deixar de injectar dinheiro nos combustíveis fósseis» é típico de uma mentalidade administrativa que não se compadece com a diversidade de percursos na transição energética de que diferentes países carecem. Atingir a neutralidade carbónica pode ter de passar pelo uso de energias fósseis
Foi muito positivo o acordo sobre as florestas.
A agência da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO) estimava em 7/5/2020 que o ritmo de destruição das florestas tenha descido de 7,8 milhões de hectares anuais na década de 1990 para 4,7 milhões de hectares entre 2010 e 2020 por causa da redução da desflorestação em alguns países e o aumento da cobertura florestal em outros.
Segundo esse relatório da FAO, desde 2010, as maiores perdas aconteceram em África e na América do Sul. Entre 2015 e 2020, o ritmo de desflorestação situou-se nos 10 milhões de hectares por ano, menos dois milhões do que nos cinco anos anteriores. No ano de 2015, perderam-se 98 milhões de hectares devido a incêndios, sobretudo nas zonas tropicais, onde arderam 04% da floresta, sobretudo em África e na América do Sul.
Globalmente, existem 4050 milhões de hectares de floresta, cobrindo um terço da superfície do planeta. Mais de 90% das florestas regeneraram-se naturalmente, estima a FAO, que analisou dados de 236 países.
Os dias da conferência, até ao seu encerramento no dia 12, permitirão novos acordos com discussões, trocas de experiências e ajustes de posições de forma a garantir parte da expectativa que ela criou ao mundo.
A credibilidade perdida de algumas previsões mais catastrofistas do passado, exigem compromissos assentes em dados e previsões bem sustentados na realidade para não se repetirem mentiras tão grosseiras como as produzidas por Al Gore no filme Uma verdade inconveniente (2007), que ganhou um Óscar e fez do seu autor Prémio Nobel da Paz…
Biden insiste em ser líder neste processo, mas o resto do mundo encara-o como uma construção colectiva assente no multilateralismo.
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